Correio da Cidadania

Queimadas em São Paulo: “epidemiologistas devem analisar impactos na saúde pública”

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incêndio-parque-juquery      Prefeitura de Franco da Rocha/Twitter/Reprodução

Ao lado do advento histórico da pandemia do novo coronavírus, São Paulo tem de lidar com um já tradicional evento potencializador das doenças respiratórias causadas pelo seu inverno seco. Neste ano, a situação se tornou ainda mais severa, pois uma série de incêndios em áreas verdes da região metropolitana provocou uma “chuva de fuligem” sobre a cidade que deixa sequelas na saúde da população. A este respeito, o Correio publica entrevista com David Shiling Tsai, engenheiro químico e pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).

“É bastante provável que o fogo tenha aumentado esses números. Seria preciso que epidemiologistas especializados analisassem os dados de mortalidade e internações hospitalares para mensurar o impacto na saúde pública”.

Como salienta, a cidade de São Paulo atingiu os piores níveis de qualidade do ar de acordo com os dados fornecidos pela Cetesb, o que na visão de Tsai reforça a necessidade de revisão de todo um modelo de desenvolvimento e organização social. São praticamente 4000 focos de incêndios em todo o Estado desde o início deste ano, frente a 2362 em 2020, segundo o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE).

“É necessário também adotar um planejamento urbano que distribua menos desigualmente as oportunidades de moradia, emprego, educação e saúde no espaço da cidade, a fim de aumentar a acessibilidade do cidadão às oportunidades da cidade e diminuir a necessidade de deslocamentos motorizados”.

A entrevista completa com David Shilling Tsai pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: De acordo com o índice da Cetesb, São Paulo tem a qualidade de seu ar cotada com 2,5 MP (Material Particulado). O que isso significa e como este índice é aferido?

David Shilling Tsai: Segundo a Cetesb, a qualidade do ar em São Paulo atingiu o índice “péssimo” de qualidade do ar. Significa que “toda a população pode apresentar sérios riscos de manifestações de doenças respiratórias e cardiovasculares, bem como se pode esperar aumento de mortes prematuras em pessoas de grupos sensíveis”.

O índice é aferido em cálculos bem estabelecidos, a partir de dados de concentração de poluentes no ar medidos por estações de monitoramento da qualidade do ar.

Correio da Cidadania: Qual a incidência neste índice dos incêndios que assolaram ao menos 5 cidades diferentes da grande São Paulo em agosto (Barueri, Mairiporã, Cajamar, Santana do Parnaíba e a própria capital paulista), além do mais repercutido de todos, no Parque estadual Juquery, que durou dias até ser controlado?

David Shilling Tsai: Para responder a isso, é necessário analisar os dados de qualidade do ar publicados pela Cetesb. Nós no Iema ainda tivemos a oportunidade de nos dedicarmos a isso de maneira científica. Durante a semana em questão, no entanto, pudemos observar momentos em que praticamente todas as estações da Região Metropolitana de São Paulo apresentaram índice de qualidade do ar “moderado” ou pior, indicando que as recomendações da OMS para a qualidade do ar não estavam sendo atendidas.

Correio da Cidadania: Além do mais, o que explica que as chamas tomassem conta de distintas áreas verdes ao mesmo tempo?

David Shilling Tsai: O tempo seco é condição favorável à ocorrência de queimadas e ao espalhamento e persistência do fogo.

Correio da Cidadania: Os últimos dias têm sido exacerbadamente secos e estamos em época do ano onde as doenças cardiorrespiratórias sempre registram números mais altos, tanto em internações como mortes. O fogo nessas áreas aumentou esses números? O que está acontecendo em termos de saúde pública?

David Shilling Tsai: É bastante provável que o fogo tenha aumentado esses números. Seria preciso que epidemiologistas especializados analisassem os dados de mortalidade e internações hospitalares para mensurar o impacto na saúde pública.

Correio da Cidadania: O que São Paulo, a “locomotiva do país”, deve fazer para reagir a esta dinâmica? O que tem sido feito de errado?

David Shilling Tsai: Mesmo sem as queimadas, a poluição do ar sempre se apresenta crítica nesta época do ano em São Paulo, com automóveis, caminhões, motocicletas e ônibus dentre as maiores fontes poluidoras. São Paulo deve adotar correções de rumo no seu sistema de mobilidade urbana, priorizando o transporte público coletivo, o transporte não motorizado (caminhada e a pé) e a adoção de tecnologias veiculares menos poluentes.

É necessário também adotar um planejamento urbano que distribua menos desigualmente as oportunidades de moradia, emprego, educação e saúde no espaço da cidade, a fim de aumentar a acessibilidade do cidadão às oportunidades da cidade e diminuir a necessidade de deslocamentos motorizados.

Correio da Cidadania: Como os acontecimentos aqui debatidos se relacionam com o contexto nacional e a gestão do meio ambiente que marca o país nesses anos, mais especificamente na presidência de Jair Bolsonaro e administração de Ricardo Salles no Ministério do Meio Ambiente?

David Shilling Tsai: Com a “chuva de fuligem” experimentada por muitos paulistanos nesse atípico episódio, pudemos, falando como paulistano, ter uma amostra de um problema recorrente na região Norte do país, e que piorou com o aumento das queimadas florestais nos últimos três anos. Mas a região Norte tem mais uma desvantagem, que é a ausência de redes de monitoramento da qualidade do ar, o que não permite diagnósticos precisos sobre a qualidade do ar (como aqueles realizados pela Cetesb) e seu impacto na saúde.

A administração de Ricardo Salles se comprometeu com a instalação de monitores da qualidade do ar nas mais de 15 capitais brasileiras que não dispõem de monitoramento. Esperamos que saia do papel.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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