Correio da Cidadania

“Muitos querem se livrar de Bolsonaro, mas não se animam com as velhas alternativas”

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              Protestos de 2 de outubro. Foto: Mídia Ninja.

O sociólogo e professor Marco Antonio Perruso, co-organizador do livro O pânico como política: o Brasil no imaginário do lulismo em crise (editora Mauad, 2019), concedeu entrevista ao jornal grego Epohi, na qual comenta o momento brasileiro e a correlação de forças políticas que se prefigura para 2022. Entre a insanidade desinformativa e golpista do bolsonarismo e os sonhos de um novo pacto de classes de uma esquerda ainda hegemonizada pelo lulismo, uma classe trabalhadora desalentada busca sobreviver.

Leia a entrevista na íntegra.

Como você analisa a situação atual do Brasil?

O Brasil vive sob um governo de extrema-direita que se recusa a gerir o Estado, as políticas públicas e os problemas do país, pelo contrário. Bolsonaro passa a maior parte do tempo agitando os segmentos da sociedade civil que ainda o apoiam, para desespero e ódio da maior parte do eleitorado. Ele faz ameaças antidemocráticas que não pode cumprir, pois está isolado nos planos nacional e internacional.

As crises econômica e política no Brasil são muitos fortes ao menos desde 2015, e foram agravadas pela pandemia do covid-19 e pelo pânico que a máquina bolsonarista de fake news promove cotidianamente no ambiente social e cultural do país. A miséria dos trabalhadores pobres só não é maior por causa do Auxílio Emergencial aprovado pelo Congresso Nacional, que durou parte do ano de 2020 e agora subsiste com um valor menor.

Os movimentos sociais têm reagido a Bolsonaro, desde antes da pandemia (movimentos de estudantes e trabalhadores da educação, movimentos negro e de mulheres). Já durante o período de confinamento quem saiu às ruas de início foram os trabalhadores de aplicativos e torcidas organizadas antifascistas. As lutas não prosseguem com maior consistência, pois muita gente deposita as expectativas de mudar a situação atual apenas na via eleitoral e prefere aguardar até 2022.

Quem apoia o Bolsonaro hoje? Como ele ainda está no poder?

Afora os setores que ainda acreditam na propaganda político-ideológica do populismo de direita (homens brancos, cristãos evangélicos, entre outros perfis sociais), ele possui o apoio de parlamentares de centro-direita tradicionalmente fisiológicos e corruptos (o “Centrão”, muito mal visto publicamente), que foram parceiros de todos os governos brasileiros desde a democratização, seja nos anos neoliberais e tecnocráticos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), seja nos anos do populismo neodesenvolvimentista de Lula e Dilma (2003-2016).

Isto é, Bolsonaro governa hoje com o “sistema” que diz combater. Ele ainda permanece no poder por vários motivos: possui uma base de apoio pequena, mas mobilizada; está à frente do aparelho de Estado, historicamente forte no Brasil e que intimida até a burguesia, dependente dos favores estatais; os movimentos sociais e sindicais estão enfraquecidos e apassivados após anos de colaboração de classes sob a hegemonia política lulista; a esquerda está desorientada e não consegue se posicionar de modo autônomo; por fim, persiste o descrédito popular com a democracia burguesa.

Muitos querem se livrar de Bolsonaro, mas não se animam a fazê-lo com as velhas alternativas políticas colocadas no cenário atual, enquanto outros optam por bradar inutilmente sua indignação nas próprias bolhas no interior das redes sociais na internet.

Como a esquerda brasileira está se preparando para as eleições de 2022? Que preparativos e que tipos de pensamentos são elaborados?

Há uma divisão importante aqui. A esquerda que fazia oposição aos governos lulistas até 2016 se dividiu e dividiu o seu maior partido, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade): uma parte segue buscando ser uma opção socialista e autonomista, vinculada aos movimentos populares, privilegiando as ruas e o objetivo do impeachment de Bolsonaro desde já – é o caso da pequena, mas combativa central sindical CSP-Conlutas e da nova coalizão de organizações políticas Frente Povo na Rua; outra parcela retrocedeu política e ideologicamente (Frente Povo sem Medo) na direção do nacionalismo de centro-esquerda, aderindo ao PT e à Frente Brasil Popular, priorizando a disputa parlamentar e midiática, dando fôlego a Bolsonaro, com quem Lula pretende disputar e vencer as eleições do ano que vem.

As lutas da esquerda têm vocalizado apropriadamente os eixos de dominação de classe que passam pelas opressões de raça e gênero. Protestos importantes ocorrem neste sentido. Contudo, no plano econômico, propostas necessárias para que os ricos – e os militares, que apoiam Bolsonaro – paguem pela crise não se capilarizam na sociedade: maior taxação de empresas e grandes fortunas, extinção das polícias militares e Forças Armadas, por exemplo. Já o lulismo se prepara para disputar a eleição presidencial, não para o que fazer depois, caso ganhe o pleito.

Nas pesquisas feitas em função das eleições, vemos que Lula está à frente. Quais são as alianças sociais que ele constrói e como a burguesia lida com isso?

O PT imagina reeditar a mesma frente política de conciliação de classes bem-sucedida até 2013 (ano das “jornadas de junho”, que abalou o governo Dilma), unindo segmentos da burguesia (grande indústria, agronegócio, bancos) e dos trabalhadores (as centrais sindicais CUT e CTB). Ocorre que o Brasil de hoje – legado também pelo lulismo – já é bem diferente do daquele período: há maior desemprego e subemprego sob o capitalismo de plataforma, mais grave crise ambiental, grande cansaço popular com políticos tradicionais, imensas radicalização e fragmentação políticas; houve também continuidade nos altos índices de violência urbana, bem como encarceramento em massa de jovens negros e mulheres.

Portanto, é difícil Lula liderar as frações da burguesia que ele representa, desejosas de maior ação econômica e social do Estado para a retomada do velho “desenvolvimento” econômico e a mitigação da pobreza, velho paradigma ainda defendido por uma intelligentsia universitária e tecnocrática.

Por outro lado, o repúdio generalizado, da esquerda à direita, ao reacionarismo bolsonarista pode continuar auxiliando Lula ou mesmo um candidato da centro-direita liberal que porventura apareça até 2022.

Quais são as expectativas das pessoas de Lula? E também, quais você acha que são os limites de um "governo progressista" no Brasil hoje?

Lula expressa um sentimento disseminado em boa parte da sociedade brasileira, dos trabalhadores mais pobres aos de maior capital cultural (a chamada classe média progressista): de esperança que se possa voltar no tempo, ao período de crescimento econômico e de políticas sociais sob o lulismo. Na ausência de projetos políticos renovadores, resta a nostalgia de que é possível “agradar a todos” mais uma vez.

Se Lula vencer, terá a vantagem da “terra arrasada” deixada por Bolsonaro – assim como hoje se dá com Biden em relação a Trump. A desvantagem reside em dois fatores, que são limitantes em relação a um novo ciclo de governos progressistas no Brasil:

1) a falta de diagnósticos a respeito das saídas possíveis para a gestão da dominação burguesa na periferia do capitalismo mundial, que não se resumam a reatualizações do keynesianismo;

2) segundo, as crises de legitimidade política e de motivação cultural vividas por todas as sociedades, que têm sido instrumentalizadas pela extrema-direita. O Brasil não foge à regra do que o mundo vive. No caso brasileiro, depois das experiências societárias neoliberal (anos 1990), populista de centro-esquerda (primeiras décadas deste século) e populista de extrema-direita (sob o bolsonarismo), os trabalhadores não parecem estar animados a voltar a “mais do mesmo”.

A incerteza é grande, assim como grande é a necessidade de uma alternativa de transformação socialista a partir dos movimentos populares, desde as bases de nossa sociedade.

Dimitris Givisis é jornalista grego.
A entrevista foi originalmente publicada no jornal Epohi.

Dimitris Givisis

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