Correio da Cidadania

Precisamos de heróis?

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“Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora da lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar pra história é com vocês”

(Raul Seixas)

 

“Infeliz a nação que precisa de heróis”. Escutei recentemente esta frase do personagem Galileu, interpretado por Denise Fraga, na peça de Bertold Brecht. Voltei a pensar nela depois das diversas reações populares diante da condução coercitiva de Lula.

 

Galileu expressou esta frase recusando o papel de herói. Sustentar a verdade de que a Terra não era o centro do universo significava, naquela época, a morte na fogueira. Preferiu mentir e ficar vivo, a morrer e falar a verdade. A genialidade de Brecht nos faz ver este momento de Galileu como força e não fracasso, e ao invés de uma mentira revela uma verdade: temos sido infelizes.

 

Supostos heroísmos têm feito parte da política. O discurso de Lula da Silva, posterior ao seu depoimento na Polícia Federal, foi um exemplo. Independentemente de verdades ou mentiras, Lula se coloca no papel de herói da nação, se proclama o bem feitor, defende até mesmo as indefensáveis empreiteiras e desperta diversas reações nas pessoas: alguns arregaçando as mangas para defendê-lo, outros sentindo certo gozo em ver tal herói em apuros e outros, ainda, como eu, sentindo uma estranheza um tanto difícil de nomear.

 

Vislumbramos a alegria da nação em junho de 2013. As pessoas nas ruas com seus cartazes encurralaram e quase mataram os supostos heróis. Mas a infelicidade voltou. As eleições de 2014 mostraram que o heroísmo - nos programas políticos de TV - ainda ecoava na mente das pessoas. Estas desfizeram amizades e tomaram partido em defesa dos supostos heróis vermelhos ou azuis.

 

Neste cenário atual as ruas não têm mais a alegria de junho de 2013 com as pessoas lutando lado a lado, com movimentos horizontais e direções que negam a si mesma recusando qualquer heroísmo. As ruas têm palanques e carros de som, têm discursos de ódio e repetições de clichês heroicos que protegem financiadores de campanha. A felicidade de tomar as ruas torna-se infelicidade. Não apenas por depender de heróis, mas também por suspeitar que eles não sejam de verdade.

 

Talvez nossos heróis morram sozinhos de overdose das suas verdades ou mentiras lucrativas. Talvez nesta batalha de cores sobreviva algum suposto herói. Se isto acontecer, somente mais uma revolta, como a de junho de 2013, poderá trazer o horizonte da felicidade de uma nação que não precise de heróis.

 

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Paulo Spina é ativista do núcleo de saúde mental do Fórum Popular de Saúde.

 

 

 

 

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