Correio da Cidadania

Aparecida: texto e contexto

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Realizada a Conferência de Aparecida, fica agora o trabalho de interpretar o que foi este vasto acontecimento, que envolveu intensamente a Igreja da América Latina, e atraiu as atenções de toda a catolicidade. Se antes havia expectativas, agora com certeza haverá muitos desdobramentos. Como o trabalho mais intenso da Conferência consistiu na penosa elaboração do documento, seria reduzir demais o significado desta Quinta Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe a este documento. Ele não deixa de ser um poço, de onde se poderá tirar água boa para saciar muita sede de inspiração e de vida para os cristãos da América Latina, que a partir da Aparecida são convidados a se identificarem como "discípulos e missionários" de Jesus Cristo. Muito mais do que o documento, o evento Aparecida servirá de ponto de partida para a vida da Igreja Católica neste continente. Por isto, vale a pena, desde já, distinguir o texto do contexto desta reunião extraordinária de bispos católicos. O contexto é muito mais rico do que o texto.

 

O próprio texto, lido à luz do contexto, reflete melhor o que foi Aparecida. Aos poucos vai se identificando, de resto, o "gênero literário" próprio desses documentos que emanam destas reuniões especiais, que só acontecem, é bom ter presente, aqui na América Latina. Pela ansiedade de chegar a consensos, pelo atropelo do tempo, pela diversidade de situações vividas pelos participantes, pelo desafio de partir do nada para se elaborar um documento que quer expressar o resultado de tantas colaborações, só pode resultar um texto improvisado, desigual em suas partes e na qualidade dos seus capítulos, com marcas diferenciadas dos muitos atores que intervieram em sua redação.

 

Mas, por isto mesmo, um texto que deixa transparecer valores muito importantes, que servem de sinalizadores para o sentido mais amplo daquilo que a Conferência intuiu como oportuno para o momento que estamos vivendo.

 

Algumas posições assumidas no documento recebem o seu significado maior a partir do contexto em que se realizou esta Conferência de Aparecida.

 

Ela quis retomar, por exemplo, o método tradicional do ver, julgar e agir, que tinha sido abandonado na conferência anterior de Santo Domingo. E não só retomou este método, mas fez questão de explicar no documento que o retomava por insistência vinda de quase todos os episcopados dos países da América Latina. O significado desta decisão não se limita ao mérito de um método de trabalho. Com ele a Conferência quis dizer mais, mesmo que não esteja explícito: ela concretizou um dos seus objetivos maiores, que era retomar a caminhada da Igreja da América Latina, fortalecendo sua identidade própria, e superando perplexidades que dificultavam sua ação.

 

Nesta linha se poderia logo perceber outros pontos muito significativos, cuja importância ultrapassa o âmbito específico de cada um. Dá para dizer, que a partir da Conferência de Aparecida, adquiriram "cidadania eclesial" as Comunidades Eclesiais de Base, que enfrentaram uma teimosa resistência inicial mas acabaram entrando explicitamente no documento, a opção pelos pobres, a leitura orante da bíblia, a teologia da libertação, os novos sujeitos sócios em especial os indígenas e afrodescendentes, os migrantes, a pluralidade cultural dos nossos povos, a ecologia, o desenvolvimento sustentável, o ecumenismo e diálogo inter religioso, a questão de gênero não limitada à mulher mas apontando também a realidade do homem no novo contexto cultural que estamos vivendo.

 

Tudo isto foi contemplado no documento, e se constitui em convite para acolhê-lo bem, junto com os muitos valores positivos que marcaram esta Quinta Conferência. Mais do que ponto de chegada, ela se constitui em fecundo ponto de partida para a vida e a missão da Igreja em nosso continente.

 

 

D. Demétrio Valentini é bispo da Diocese de Jales.

 

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