Correio da Cidadania

A esquerda nunca foi maioria em São Paulo?

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PSOL escolhe chapa Boulos-Erundina para disputar a Prefeitura de SP -  CartaCapital
“Nada é tão poderoso neste mundo como uma ideia cujo momento chegou”.
Sabedoria popular espanhola

Campanha eleitoral é a forma concentrada de luta de partidos. Existem três principais correntes políticas em São Paulo: a extrema direita, os liberais conservadores e a esquerda. Não são homogêneas. Dentro da extrema-direita há várias alas, inclusive os neofascistas. Entre os liberais, há os de centro-direita e os de centro-esquerda. Há, também, várias esquerdas, desde os muito reformistas aos mais revolucionários.

Uma análise marxista considera uma pluralidade de fatores, mas prioriza uma análise de classe. A extrema-direita se apoia em frações burguesas e setores da classe média proprietária que se identificou, durante duas décadas, com o malufismo, hoje herdada pelo bolsonarismo; o tucanato do PSDB, a principal representação nos últimos trinta anos da fração mais poderosa da burguesia, e que tem o apoio da maioria da classe média; e a esquerda que se expressou através do PT, e se apoiou nos anos 80 nos setores organizados da classe trabalhadora, mas ampliou sua influência nos anos 90 para setores médios de alta escolaridade e, sobretudo, depois da vitória de Lula, para o semiproletariado popular na periferia.

No Brasil a imensa maioria do povo não cultiva uma identidade ideológica forte. Tampouco mantém uma lealdade partidária. A esquerda foi associada, simplesmente, à ideia de oposição, durante muito tempo, como uma herança de duas décadas de ditadura militar, ou seja, o intervalo de uma geração. Ser de oposição era ser de esquerda. Ser de esquerda era indivisível, também, da aspiração por justiça social. Mas tudo isso mudou, depois de treze anos nos governos federais em Brasília. Sofremos derrotas grandes, pesadas, dolorosas. Mas não fomos destruídos.

A esquerda nunca foi maioria em São Paulo? Sempre fomos, ideologicamente, uma corrente de opinião minoritária. Não só em São Paulo, em todo o Brasil. Mas isso não é o mais importante. A força da esquerda deve ser considerada em quatro dimensões de luta diferentes: a força social, política, eleitoral e ideológica.

O mais importante é a força social e política. A força social da esquerda é a expressão da sua implantação nas lutas dos explorados e oprimidos e suas organizações. Ela se manifesta como capacidade política maior ou menor em função dos fluxos e refluxos das lutas populares. Quando há lutas nos fortalecemos. Quando a moral cai, enfraquecemos. Há uma relação dialética entre força social, política e eleitoral.

A dimensão ideológica é sempre a mais desfavorável de todas, porque prevalecem no senso comum, mesmo das camadas mais oprimidas do povo, as ideias que são dominantes na sociedade. Elas correspondem à visão de mundo da classe que domina e dirige: os capitalistas.

Somos uma minoria, ideologicamente, porém, esta ideia é parcial, portanto, perigosa, porque pode alimentar o derrotismo, antes de a luta começar. A extrema direita é, também, ideologicamente, minoritária.

A força política não se explica nem depende, principalmente, de influência ideológica. Os neofascistas não devem ser subestimados, mas não têm uma vaga cativa à sua espera no segundo turno em São Paulo.

Bolsonaro devorou em 2018, politicamente, o espaço de representação dos partidos tradicionais da classe dominante, humilhando Alckmin do PSDB. A extrema-direita dirige o governo federal, e Bolsonaro procura se reposicionar para tentar a reeleição. Por isso, mesmo não tendo conseguido ainda a articulação de um partido nacional do bolsonarismo, terá um papel muito importante nas eleições municipais. Mas a história não deve se repetir.

Considerando o contexto da relação de forças na conjuntura, e as informações disponíveis, Bruno Covas pode conquistar uma vaga no segundo turno. O desafio das eleições de novembro é a esquerda conquistar o seu lugar. Isso só é possível derrotando as candidaturas da extrema-direita, portanto, do bolsonarismo, nacionalizando o debate durante a campanha eleitoral.

Existem duas posições simétricas na esquerda brasileira sobre o tema da representação política. Aquela que subestima o papel dos partidos como instrumentos coletivos, e agiganta o papel individual dos caudilhos, e aquela que superestima o lugar dos partidos, e diminui o papel dos líderes. Ambas têm um grão de verdade, mas ambas estão erradas.

Bolsonaro e Lula são as duas lideranças mais influentes no Brasil. Ambos terão um papel nas eleições municipais, mas 2020 não será uma cópia de 2018. O bolsonarismo vai ter muitas dificuldades de transferência, mesmo se Russomano vier a ser candidato. O PT não conseguiu que Haddad fosse candidato, a única possibilidade de Lula poder repetir a façanha de transferência de votos de 2018. Mas não é mais somente o PT que representa a esquerda. O PSOL existe e Boulos conquistou um lugar.

A situação política é reacionária e este marco da relação social de forças define o contexto da disputa. Isso significa que estamos na defensiva. Mas isso não permite concluir que o segundo turno em São Paulo será, fatalmente, uma disputa entre Covas e a candidatura da extrema-direita. Impedir este desfecho deve ser o eixo da intervenção da esquerda, e a mão não deve tremer.

A esquerda ainda tem força social e influência política na maior cidade do país. Esclarecer este tema é muito importante. Dentro da esquerda há uma corrente mais moderada que defende que ela não pode vencer com sua própria cara. Este debate assumiu várias formas. Vem desde 2018, quando surgiu a polêmica de que somente Ciro Gomes poderia vencer Bolsonaro e, portanto, o PT e o PSOL deveriam recuar das candidaturas de Haddad e Boulos, e apoiá-lo.

Esta posição era errada e continua equivocada. A esquerda deve ter candidatura, mas, sobretudo, deve se apresentar com um perfil de classe. Porque uma esquerda que não está disposta a defender o seu programa não merece existir.

A esquerda brasileira se apoia na força objetiva de uma classe trabalhadora jovem, concentrada e poderosa, e sua capacidade de atrair a luta dos oprimidos: as mulheres, negros, LGBTQIs. Sua capacidade de expressar lutas como a defesa da saúde pública perante a pandemia, e a proteção diante da miséria com a defesa da renda mínima. A defesa do meio ambiente e a liberdade cultural. A luta pelo transporte público e contra a especulação imobiliária. Mas também, e com firmeza, a luta contra os neofascistas. Nossa tarefa central é derrotá-los.

Valério Arcary é historiador e professor aposentado do IFSP.

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