Correio da Cidadania

Bolsonaro samba na nossa cara?

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Especialistas afirmam que Brasil pode chegar a mais de 100 mil ...
A pandemia não arrefeceu. Vamos para cinco meses, 100 mil mortes com subnotificação e uma taxa de transmissão ainda acelerada. Não fizemos quarentena, apenas os mais favorecidos socioeconomicamente puderam se isolar (ainda assim nem todos o fizeram), os diferentes níveis de governo confundiram mais do que coordenaram ações em benefício das pessoas e não há política pública de saúde que articule esses diferentes níveis.

Incrivelmente, o governo Bolsonaro mantém seus índices de popularidade, com 30 a 40% de aprovação, dependendo do levantamento, à frente de um governo militar eleito em 2018 com base em arma, família e Deus, com apoio do mercado financeiro e do agronegócio.

Em 14/04, quando o Brasil apresentava pouco mais de 2 mil mortos por Covid-19, escrevi uma coluna neste Correio assinalando que a política de morte de Bolsonaro poderia ser bem-sucedida. Para meu desespero isso vem se confirmando, seja pelo auxílio emergencial que desloca sua base de apoio para as classes populares (e que posteriormente deve ter o Renda Brasil para este fim), seja pelo arranjo com o Centrão (a velha direita sempre encostada em quem estiver no Planalto), no Congresso que impede qualquer possibilidade de impeachment.

Além disso, existe o bolsonarismo como fenômeno que remete a um fanatismo de 10 a 15% da população que "fecha" com Bolsonaro haja o que houver e vai além dos ícones que agora estão sendo enquadrados pela CPI das Fake News. Não entender essa pulverização provoca sérios desvios nas análises sobre a força do atual governo. Não se deve confundir o desejo (de que Bolsonaro não seja o presidente) com o que opera na prática.

Para além disso, Bolsonaro conseguiu, por meio da inteligência militar instalada, identificar que a questão econômica seria determinante neste processo e enveredou pelo caminho de se colocar do lado de quem "precisa trabalhar", desdenhando do vírus, como se este fosse um problema de virilidade, como se fosse apenas uma "gripezinha". Apesar de assustadora, a aposta foi correta e garantiu o patamar de popularidade do governo, no que entram seus novos apoiadores, mesmo que provisórios, nas classes populares.

Com o famigerado "novo normal", compreendendo aí a média de mais de mil mortos por dia por Covid-19 que não impede o banho de mar nas praias cariocas lotadas nos veranicos de inverno, o Congresso já retoma a agenda Guedes com reforma tributária e, talvez, a administrativa. Nessa hora a grande mídia, que bate e assopra em busca das verbas de publicidade, coloca seus colunistas para defender a agenda ultraliberal como panaceia para todos os males de um Brasil que destoa de todo receituário mundial no que diz respeito à mitigação dos efeitos da crise sanitária quando o Estado passa a atuar mais fortemente na economia e não se fala em agenda de reformas.

Aliás, no Brasil busca-se reformar o que nunca foi implementado. E a grande mídia diz que Guedes está sendo tímido na reforma tributária, esse é o pântano em que estamos afundando.

Nem se fala mais em Queiroz, o filho Flávio Bolsonaro é interrogado na encolha, Carluxo sumiu, apesar das investigações da CPI da Fake News o Gabinete do Ódio voltou a operar contra a "nova direita sensata", que é tida como grande adversária para 2022. A esquerda busca seu lugar ao sol e se fala em criar um MDB para chamar de seu com Flávio Dino à frente.

Não há Tribunal de Haia que tire o entusiasmo que a cloroquina e a ivermectina empreende nos adeptos do bolsonarismo, por mais que existam deserções e rachas como na saída de Moro, que se sentiu "usado", como se fosse um pobre inocente do qual não devemos ter pena.

Além disso, o Brasil mantém sua importância estratégica internacional como produtor de commodities, ainda que reforce sua dependência nos setores de serviços e indústria, em especial tecnológicos. Se as commodities permitem o fechamento da balança comercial, em especial pelo comércio com a China (apesar de todas as trapalhadas que o clã Bolsonaro apronta, dinheiro manda), o país fica à deriva na política internacional, quando optou por ser um satélite dos interesses dos EUA, sendo que a derrota de Trump pode aprofundar a crise econômica, dependendo de como o governo brasileiro se comporte caso um democrata seja eleito.

Some-se a isso tudo a pressão que sofre pela questão amazônica por conta da passagem da boiada, em especial dos países europeus.

Com isso, sem uma oposição de esquerda capaz de estruturar um projeto de país e uma "nova direita sensata" que catalisa o liberalismo em terra brasilis e se assanha timidamente contra, Bolsonaro mantém todas as condições de tentar uma reeleição com grandes chances.

As eleições municipais vão sinalizar melhor esse cenário, mas não devem ser encaradas como uma etapa para as eleições de 2022. No fundo, normalizamos a barbárie num ponto que, 100 mil mortos oficiais depois, a pandemia não nos trouxe novas possibilidades para superar o poder constituído com as eleições de 2018, pelo contrário, nos coloca numa espécie de labirinto.

Por fim, é muito difícil escrever essas linhas, mas reconhecer que, fora os atos antifascistas em maio e as greves dos aplicativos em julho, o cenário na institucionalidade é desanimador e remete a uma adaptação ao tal "novo normal", onde as redes escrevem #ForaBolsonaro com entusiasmo cada vez menor, as lives se multiplicam e Bolsonaro permanece aglomerando por onde passa e levantando a cloroquina como se fosse um troféu, sambando na nossa cara e de quem sucumbiu frente ao vírus que continuará matando ainda por algum tempo já que a pandemia não deu trégua por aqui nem pelo mundo.

Marcelo Castañeda é cientista social e professor.

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