O mundo um século após Outubro de 1917
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- Antonio Carlos Mazzeo
- 05/04/2017
Guerra e revolução: o mundo um século após Outubro de 1917, do filósofo italiano Domenico Losurdo, é um trabalho contundente que traz o necessário debate sobre a questão do revisionismo histórico, entendido pelo autor como um largo processo de construção ideológica da burguesia contrarrevolucionária.
Esse processo é caracterizado pela afirmação da existência de um “ciclo antiocidental” que teria sido inaugurado em 1789 e desembocando em 1917, isto é, de que a Revolução Francesa de 1789 teria sido o prenúncio da Revolução Russa de 1917, sendo o nazismo o “produto da reação direta ao bolchevismo totalitário”.
Traçando o percurso dessa concepção reacionária, Losurdo delineia as principais visões que buscaram extirpar o conceito de revolução burguesa da lógica do progresso e dos saltos de superação. O autor demonstra que, progressivamente, o pensamento reacionário constrói uma linha teórica que afirma os elementos revolucionários do jacobinismo como precursores das “revoluções raciais” − primeiro, com o jacobinismo negro de Toussaint Louverture, no Haiti, depois, com a Revolução na China e os movimentos de libertação nacional do Terceiro Mundo.
O resultado direto desses movimentos seria a corrosão dos pressupostos democráticos, o que retirou a Revolução Francesa do perfil ocidental para colocá-la no âmbito dos movimentos totalitários de “tipo oriental”. Sendo assim, o sentido da “liberdade ocidental” teria sido gestado na Revolução Americana do século 18, que marcará a construção dos Estados Unidos da América e moldará a forma política da liberdade das sociedades que irão permanentemente contrapor-se à “opressão totalitária”.
Como acentua Losurdo, declarou-se guerra à historicidade. No limite, justificam-se o colonialismo e a brutalidade da guerra imperialista, vista como necessidade civilizatória contra um pretenso “orientalismo despótico”. Procura-se, assim, reescrever a história, isto é, inventar uma identidade entre fascismo e comunismo e construir um senso comum desistoricizado, cujo objetivo é golpear as concepções de igualdade e de solidariedade humanas.
O livro que agora chega ao Brasil é da maior importância para a reflexão sobre o momento histórico de grande ofensiva reacionária e de reação conservadora em que vivemos. É preciso mergulhar na crítica e nas propostas apresentadas por Domenico Losurdo. Com a palavra, o leitor.
Antônio Carlos Mazzeo é cientista político, historiador e professor universitário.