Correio da Cidadania

Velhas e novas ameaças do neoliberalismo aos direitos trabalhistas (3)

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6. Crise de 2008: novos ataques, novas resistências


Em 2008, sob o pretexto da crise mundial, cujos efeitos, por diversos motivos, ainda não se faziam sentir no Brasil, o presidente da Vale do Rio Doce (Vale S/A) encabeçou um movimento de reivindicação pública em torno da flexibilização das leis trabalhistas do país, como forma de combater os efeitos da crise financeira.

 

Sua manifestação, acompanhada do ato de demitir 1.300 empregados, deflagrou um movimento nacional, claramente organizado, sem apego a reais situações de crise, no qual várias grandes empresas começaram a anunciar dispensas coletivas de trabalhadores, para fins de criarem um clima de pânico e, em seguida, pressionar sindicatos a concordarem com a redução de direitos trabalhistas, visando alcançar a eternamente pretendida diminuição do custo do trabalho, que também serve às empresas no pleito, junto ao Estado, de concessão de benefícios fiscais.

 

Na ocasião, foi bastante relevante a resistência da comunidade jurídica. Na linha do Manifesto de 2006, “Não compraremos seus carros hoje”, assinado por centenas de juristas, posicionando-se criticamente contra a iniciativa da Volkswagen de dispensar, por meio de cartas, 1.800 empregados, como estratégia de pressão para a redução de salários, reiterando conduta já assumida pela empresa em 2001 e em 2003, essa mesma comunidade jurídica organizou e publicou, em janeiro de 2009, o “Manifesto Contra Oportunismos e em Defesa do Direito Social”, assinado por cerca de 300 profissionais da área do Direito do Trabalho, destacando a falácia da reivindicação feita por parte do segmento empresarial.

 

O posicionamento reforçou decisão do TRT da 2ª. Região, publicada em 15 de janeiro de 2009, tendo como Relatora a Des. Ivani Contini Bramante. Na sequência, em fevereiro de 2009, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em decisão monocrática do Desembargador Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello, deferiu liminar para impedir as dispensas de 1.500 trabalhadores pela Usiminas, sem o critério da negociação coletiva prévia. Na mesma linha, julgou o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª. Região, tendo como Relator o Desembargador José Antônio Pancotti. Essas decisões constituíram os precedentes para um novo posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho a respeito das dispensas coletivas de trabalhadores.

 

A posição assumida pela Justiça do Trabalho foi sentida no meio empresarial, tanto que, imediatamente, provocou uma reação que se expressou no Editorial do jornal Estadão, de 8 de abril de 2009 (“Ativismo dos TRTs pode agravar efeitos sociais”), pelo qual se punha ao ataque das referidas decisões, sob os argumentos de que decisões como essas podem produzir efeitos sociais diametralmente opostos aos esperados pela magistratura. Isto porque, ao impedir os empregadores de dispensar pessoal para se adequar à realidade do mercado, as liminares “protetoras” podem comprometer economicamente as empresas, eliminando todos os empregos que elas oferecem. (....)

 

As demissões da Embraer, por exemplo, decorreram da redução de 30% na demanda de aviões no mundo inteiro. No caso da Usiminas, que tem cerca de 30 mil funcionários e é a maior produtora de aços planos do Brasil, a empresa vinha sendo modernizada tecnologicamente por seus novos controladores, a Votorantim e a Camargo Corrêa, a um custo de R$ 25 milhões, e foi afetada por cancelamento de encomendas, queda nas exportações e oscilações das encomendas das indústrias automobilísticas e de eletrodomésticos, que consomem 23% de sua produção.

 

Em suma, o que se preconizava era que cabia à classe trabalhadora assumir os prejuízos decorrentes do risco da atividade econômica e não às empresas e, ademais, os prejuízos não precisariam sequer ser demonstrados, bastando que fossem alegados ou presumidos, como se deu no caso da EMBRAER, ou que tivessem sido construídos historicamente por negócios mal feitos, gerando descapitalização da empresa em benefício do enriquecimento de sócios, diretores e acionistas majoritários.

 

No mesmo ano de 2009, o fantasma da Emenda 3 ressurge, em razão da possibilidade da derrubada do veto presidencial à Emenda pelo Congresso Nacional. Contra isso mobilizaram-se, em maio, diversas entidades, mediante manifesto, que foi bastante importante para a manutenção do veto.

É no bojo desse embate político que, em junho de 2009, após voto pela procedência total, proferido pelo Min. Joaquim Barbosa, sendo que já haviam votado pela procedência parcial os Ministros Maurício Corrêa e Carlos Brito, por pedido de vista da Min. Ellen Gracie, foi suspenso o julgamento da ADI 1625, movida, em junho de 1997, pela CONTAG e CUT, na qual se pleiteia a declaração da inconstitucionalidade da denúncia da Convenção 158 da OIT (até hoje o julgamento não retornou à pauta).

 

7. 2011 em diante: a retomada do projeto neoliberal


Do ponto de vista legislativo, o ano de 2010 transcorre sem muitas novidades. Em termos trabalhistas, é votada uma única lei, a de n. 12.347, em 10 de dezembro, que é favorável aos trabalhadores, vez que revoga o artigo 508 da CLT que previa a justa causa do empregado bancário, no caso de falta contumaz de pagamento de dívidas legalmente exigíveis. Aliás, é interessante notar como nos anos de eleição, 2002, 2006 e 2010, os ataques aos direitos dos trabalhadores cessam, retomando a carga no ano seguinte.

 

Mas, demonstrando que o projeto neoliberal não foi eliminado, em junho de 2011, o PL 4.330, de autoria do Deputado Federal e empresário Sandro Mabel, que visa ampliar, sem qualquer limite, a terceirização, e que estava paralisado no Congresso desde 2004, quando foi apresentado, volta a tramitar, impulsionado pelo substitutivo do Deputado Roberto Santiago (PV-SP).

 

Como reação, em novembro de 2011, criou-se o Fórum em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, quando também foi lançado “Manifesto em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização”, escrito coletivamente por representantes do Cescit/Unicamp (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho); da ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT); da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho); das Universidades Federais da Bahia e de Minas Gerais; e do Dieese, tendo sido subscrito, também, pelas centrais CUT e CTB.

 

Em meados de 2012, um anteprojeto de lei gestado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, filiado à CUT, propondo a institucionalização de um Acordo Coletivo Especial (ACE), foi enviado ao governo para que fosse apresentado pelo Executivo ao Congresso Nacional. O projeto, em certo sentido, revigorava a tentativa do governo de Fernando Henrique Cardoso de implementar o negociado sobre o legislado, favorecendo, no jogo livre das forças, em uma conjuntura de desemprego estrutural, aos interesses empresariais.

 

Coincidência ou não, no mesmo ano de 2012 a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou um paper com o título “101 Propostas para Modernização Trabalhista”, tendo por objetivo explícito defender a redução dos “altos custos” do emprego formal, vistos como um dos mais graves entraves ao aumento da competitividade das empresas brasileiras. Em certo sentido, esse documento retratou o avanço doutrinário e jurisprudencial vivenciado pelo Direito do Trabalho desde 2002, pois que a par de continuar fazendo críticas à “vetusta CLT”, pôs-se no ataque às posições assumidas pelo Tribunal Superior do Trabalho nos últimos anos, acusando-as de “irracionais”.

 

Em 2013, quando a CLT completou 70 (setenta) anos, foi a oportunidade que se esperava para, novamente, desferir novos ataques aos direitos trabalhistas, reiterando o argumento, utilizado desde quando a CLT completou 50 anos, de que o diploma jurídico trabalhista é ultrapassado.

 

Mas falemos a verdade. Para o empresariado brasileiro a legislação trabalhista nunca foi bem-vinda. De fato, primeiro ela era inoportuna, depois ultrapassada e aos seus olhos sempre foi custosa e rígida.

 

Mal o ano de 2014 começou e o presidente da Fecomércio-SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), Abram Szajman, em artigo intitulado, A derrota do país na área trabalhista, publicado no jornal Folha de S. Paulo, conseguiu, em poucas palavras, explicitar tudo que se está tentando explicar ao longo desse longo texto. Em suma, o que explicita o autor é que o empresário deve cumprir a lei tributária, mas no que tange a lei trabalhista está livre para descumpri-la, aliás, como sempre esteve, sendo totalmente impróprio que venha o governo agora tentar “penalizar todo e qualquer desvio das normas regulamentadoras, mesmo quando acertado livremente de comum acordo entre empregador e empregado”.

 

E com tantas dificuldades para os trabalhadores, o ano de 2014, sob o patrocínio do próprio governo federal, ainda trouxe, no bojo do Decreto n. 8.243, que instituiu a Política Nacional de Participação Social (PNPS), um projeto de lei que visa a criação de um Sistema Único do Trabalho (SUT), pelo qual, de forma bastante sutil, é mais uma vez retomada a ideia embutida na Emenda 3, de negar o caráter de indisponibilidade da legislação trabalhista.

 

O SUT, sob o pretexto de aumentar a participação dos trabalhadores – e dos empregadores – nas deliberações sobre as relações de trabalho acaba por fragilizar a eficácia da legislação trabalhista ao ser posta em mesa de debate, quando o que se esperava do governo é que fizesse cumprir o projeto constitucional de essencialidade dos direitos trabalhistas.

 

Cumpria ao governo federal, isto sim, prestigiar as instituições voltadas à efetivação dos direitos trabalhistas, tais como o Ministério do Trabalho e Emprego, no setor específico da fiscalização do trabalho, o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho, e não se dedicar à criação de uma estrutura cara e complexa como o SUT, na qual o papel dessas instituições é mitigado, abrindo-se espaço para a formalização de um pretenso diálogo entre o capital e o trabalho sem a fixação do pressuposto necessário da relevância da eficácia dos direitos trabalhistas e do encaminhamento constitucional da linha ascendente desses direitos, caminhando, aliás, em direção contrária, ao se dar prioridade às negociações coletivas – sem qualquer limitação – tanto na criação de direitos quanto na solução de conflitos. E, mais ainda, autorizando, expressamente, a instituição de formas precárias de relações de trabalho, revitalizando, inclusive, a malsinada expressão “intermediação de mão-de-obra”.

 

Diante da ameaça, as instituições acima referidas, cuja função é assegurar a eficácia dos direitos trabalhistas, posicionaram-se contra o projeto de lei do SUT, considerando que este configura um grave atentado à classe trabalhadora.

 

8. Continuidade do projeto neoliberal e da Reforma do Judiciário


Fácil perceber, portanto, que há efetivamente um projeto de índole neoliberal em curso e, assim, nada na área das relações de trabalho ocorre por acaso ou isoladamente, e toda tomada de posição a respeito das questões trabalhistas e sobre a própria função do Poder Judiciário tem repercussão política, queira-se ou não.

 

A ideia central do neoliberalismo, vale lembrar, é a derrocada plena dos direitos trabalhistas. Esse processo não foi interrompido no governo do PT e só não se consumou porque a Reforma do Judiciário, que previa a extinção da Justiça do Trabalho, não se completou integralmente.

 

É interessante reconhecer que o projeto não caminhou mais adiante também por conta da resistência implementada no campo do Direito do Trabalho, da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, de auditores fiscais do trabalho e de advogados trabalhistas.

 

Ocorre que se o governo do PT durante algum tempo ainda podia ser, de certo modo, conivente com essa resistência, após as eleições de 2014, quando se viu em grave risco de perder o poder, acabou explicitando ajustes que conspiram contra as resistências e que escancaram uma defesa dos interesses econômicos, que servem, também, para afastar a pecha de “bolivarianismo”.

 

Dentro desse contexto e da lógica política da autopreservação é que se devem entender as nomeações de Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Armando Monteiro Neto para os Ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento, respectivamente, sendo que o último, que presidiu a CNI (Confederação Nacional da Indústria) de 2002 a 2010, já disse em seu discurso inicial que “o desafio central é promover a competitividade. O que significa reduzir custos sistêmicos e elevar a produtividade. A agenda da competitividade envolve várias áreas dentro do governo e demanda intensa articulação e coordenação. É papel primordial do Ministério do Desenvolvimento realizar essa tarefa. E colocar o tema da competitividade no centro da agenda política do país”.

 

Destaque-se, ainda, o forte indício de que a presidenta Dilma nomeou a senadora Kátia Abreu, que preside a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), como Ministra da Agricultura. Ou seja, se a situação para a classe trabalhadora já estava difícil com o governo sendo chamado de “bolivariano”, imagine agora em que esse adjetivo retórico nem precisa mais ser utilizado.

 

Ocorre que a conclusão da obra neoliberal, mesmo com esse Ministério e um Congresso com configuração à direita, não se efetivará sem abalar a resistência no âmbito do Judiciário e do Direito do Trabalho e é precisamente neste sentido que se insere o foco midiático sobre o Supremo Tribunal Federal, buscando dificultar que este impeça a realização do projeto. Aliás, é coerente supor que se pretenda que o STF dê a contribuição necessária para tanto, notadamente no sentido de substituir o TST no papel de conferir uma “nova roupagem” ao Direito do Trabalho, o que é bastante favorecido pela posição constitucional das normas trabalhistas e pela instrumentalização do STF com a Súmula vinculante e com a repercussão geral dos julgamentos proferidos em RE, esta instituída pela Lei n. 11.418/06, de questionável constitucionalidade.

 

Lembre-se que a compreensão desse papel do Judiciário já vinha consignada, há muito, no Documento n. 319, acima citado. Como dito em tal Documento, “os programas de reforma do judiciário devem ser implementados em fases: a sequência das fases deve ser planejada levando em consideração os custos e benefícios de cada uma delas. As fases iniciais, todavia, devem evitar a reforma legislativa que por sua natureza implicam altos custos, em termos de capital político. As condições legais, econômicas, sociais e políticas de cada país devem ser avaliadas em conjunto com as recomendações, bem como no momento de avaliar as prioridades à implementação. O Banco Mundial pode auxiliar neste processo financiando estudos sobre o setor judiciário, construindo um proveitoso diálogo com os governos, ao mesmo tempo em que delineiam-se vias apropriadas de reforma”.

 

Ou seja, as retrações de direitos devem ser implementadas pelo Judiciário e como a Justiça do Trabalho de certo modo resistiu à ideia de destruição plena do Direito do Trabalho, até porque seria uma atuação autofágica, o jeito é tentar fazer com que o STF cumpra esse papel, mantendo-o sob a ameaça da pecha de “bolivarianismo” ou de “populismo judicial”.

 

Aliás, é dentro desse contexto de esvaziamento da influência jurídica da Justiça do Trabalho que se pode compreender o julgamento do STF, proferido em fevereiro de 2013, nos Recursos Extraordinários 586453 e 583050, de autoria da Fundação Petrobrás de Seguridade Social (Petros) e do Banco Santander Banespa S/A, respectivamente, que atribuiu à Justiça Comum a competência de julgar os conflitos envolvendo a complementação de aposentadoria dos ex-empregados dessas entidades, contrariando posicionamento firme do TST no sentido de declarar competente a Justiça do Trabalho para o julgamento de tal questão, vez que envolve garantia jurídica fixada em norma trabalhista (convenção ou acordo coletivo, ou regulamento de empresa). Essa decisão representou uma grande perda para os trabalhadores também pelo aspecto de que o processo do trabalho, como se sabe, é extremamente mais célere que o processo comum.

 

Importante perceber a relevância desse passo, de redução da relevância política da Justiça do Trabalho, uma vez que praticamente todas as demais fases da Reforma do Judiciário, previstas no Documento do Banco Mundial, já se concretizaram: criação do CNJ; introdução da súmula vinculante; aparelhamento do STF, por via legislativa, do Recurso Extraordinário com repercussão geral, que permite alteração de jurisprudência sem reiteração de julgados; implementação do sistema informatizado - PJe; desenvolvimento das estratégias de gestão; e difusão da prática de conciliação.

 

O que resulta desse quadro é uma magistratura fragilizada, impulsionada pela produtividade, que é, inclusive, avaliada segundo a lógica concorrencial. De julgadores, que exercem poder jurisdicional, qual seja, de dizer o direito, que é, na essência, construir o direito, os magistrados, para contribuírem com o problema central da morosidade, foram transformados em gestores, devendo, portanto, pensar com a mente do administrador, agir com a racionalidade econômica de índole privada e tratar os servidores como mera força de trabalho. Os servidores, então, se veem sobrecarregados com tarefas que se multiplicam no sistema informatizado, sob a pressão da concorrência e das estratégias que são utilizadas para que mais trabalho seja extraído deles dentro da mesma jornada.

 

Todos, juízes e servidores, se veem diante de um sistema informatizado que permite controle total sobre a quantidade (e o conteúdo) das atividades por eles exercidas, em tempo real, fazendo com que, inclusive, hora e local não sejam obstáculos ao trabalho.

 

O CNJ, como órgão disciplinar, expõe todos ao cumprimento de metas, que foram estabelecidas nos padrões da racionalidade das empresas privadas, subtraindo, por consequência, o conteúdo intelectivo e construtivo da atuação jurisdicional. Metas que, ademais, por si sós, constituem fator de desumanização, provocando assédios e adoecimentos, além de mecanização da atividade. Não é demais lembrar que os planos estratégicos para o Judiciário tiveram, em muitos aspectos, a contribuição intelectiva de profissionais da Administração da Fundação Getúlio Vargas, que, inclusive, participaram de diversas atividades de “treinamento” (leia-se “adestramento”) de juízes.

 

De fato, os juízes estão sendo incentivados a “produzir” decisões, com presteza e eficiência, respeitando a lógica de mercado, estando eles próprios inseridos nessa lógica na medida em que eventual promoção pessoal está submetida à comparação das “produções” de cada juiz. Destaque-se que na comparação da produção terão peso o desempenho (20 pontos), a produtividade (30 pontos) e a presteza (25 pontos), sendo que apenas perifericamente interessará o aperfeiçoamento técnico (10 pontos).

 

Interessante notar que embora a Resolução n. 106/10, do CNJ, que regula a promoção de juízes, diga que “na avaliação do merecimento não serão utilizados critérios que venham atentar contra a independência funcional e a liberdade de convencimento do magistrado, tais como índices de reforma de decisões” (art. 10), este mesmo documento deixa claro, logo na sequência, que “a disciplina judiciária do magistrado, aplicando a jurisprudência sumulada do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com registro de eventual ressalva de entendimento, constitui elemento a ser valorizado para efeito de merecimento, nos termos do princípio da responsabilidade institucional, insculpido no Código Ibero-Americano de Ética Judicial (2006)”.

 

Os próprios Tribunais se veem em situação de concorrência uns com os outros. E um grande fator para se “conquistar” uma “premiação” são os números atingidos em termos de conciliação, advindo daí as reiteradas “semanas da conciliação”. O incentivo à conciliação, como forma de recompensar juízes e tribunais, no entanto, desvirtua tanto o instituto da conciliação quanto a própria função do Judiciário, entendida como instituição responsável pelo resgate da autoridade da ordem jurídica, o que no caso do Direito do Trabalho assume, inclusive, uma dimensão trágica se pensarmos na natureza alimentar e na condição de direito fundamental dos direitos trabalhistas, assim como na dificuldade cultural histórica que possuímos em torno do reconhecimento da relevância social e econômica desses direitos como forma de superarmos, enfim, a era escravista.

 

Fato concreto é que essa estrutura organizacional, idealizada no Documento n. 319 do Banco Mundial, favorece a sedimentação no âmbito do Judiciário da racionalidade econômica, que constitui um grave risco para a construção e a efetividade dos direitos trabalhistas. No contexto de um Judiciário trabalhista esfacelado, preocupado com a concorrência, sem desenvolver compreensões totalizantes que definam o seu papel institucional, abre-se a porta para que o Supremo Tribunal Federal (valendo-se, ainda, da força do CNJ, da súmula vinculante e da repercussão geral, sob o argumento formal de que as normas trabalhistas encontram-se na Constituição e que sua aplicação, portanto, envolve uma questão constitucional), passe a ditar as regras trabalhistas com um viés economicista.

 

No contexto acima explicitado, de um projeto neoliberal que nunca deixou de contar com o apoio de importantes segmentos empresariais, mas que se viu emperrado pela atuação da Justiça do Trabalho, a atuação do Supremo Tribunal Federal em matéria trabalhista, com uma composição de Ministros que, com exceção da Ministra Rosa Weber, não teve como centro de suas preocupações teóricas o estudo histórico da questão trabalhista (estando, por consequência, muito mais alinhados à racionalidade liberal, com suporte na teoria pós-positivista, ainda que com o viés humanista), submete os direitos dos trabalhadores a grave risco.

 

Leia também:

Velhas e novas ameaças do neoliberalismo aos direitos trabalhistas (1)

Velhas e novas ameaças do neoliberalismo aos direitos trabalhistas (2)


Jorge Luiz Souto Maior é professor livre-docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP.

Comentários   

0 #2 preo upado com a ministra Rosa WeberSaulo de Souza 10-02-2015 09:58
Parabéns professor Jorge pelos artigos 1, 2 e 3, mas quero expressar ao senhor a minha preocupação em relação ao comportamento da ministra Rosa Webber. Digo isso porque no processo da desaposentadoria, que tramita no supremo, ao invés de ela ser firme e se posicionar a favor dos trabalhadores votando a favor e sem a necessidade de devolução da parte recebida, ela pediu vistas do processo e o mesmo encontra-se engavetado. Nós trabalhadores não podemos aceitar isso, apos tant8 tempo para análise dos senhores ministros, a ministra solicitar vistas do processo. Se for possível ficaria muito feliz em receber (pode ser por email) a sua opinião a respeito do assunto.
Desde já agradeço,
Atenciosamente,
Saulo de Souza.
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0 #1 Interesses neoliberaisJuca Ramos 06-02-2015 07:17
Artigo primoroso pela sua importancia para entender o perigo que correm os direitos dos trabalhadores.
O assunto merece chegar ao conhecimento de todos e ser discutido intensamente pela sociedade devido à sua importancia primordial para os interesses de vida digna do trabalhador, quanto do lado do capital em acumular poder e riqueza.
Essa batalha surda que o artigo denuncia vem sendo perdida pela sociedade brasileira, a exemplo de outras, por falta de conhecimento e de organização. Enquanto cochilamos desinformados, o outro lado avança. Muito preocupante!
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