Prefeitura de São Paulo precisa responder se baixa renda será contemplada pela política de habitação do centro

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Gabriel Brito e Leandro Iamin, da Redação
03/09/2013

 

 

Há muitos anos lutando pela regularização de seu terreno, a favela do Moinho é simbólica de uma metrópole que sempre experimentou o progresso econômico de forma desigual. As questões da moradia e do déficit habitacional se apresentam como feridas gritantes da cidade de São Paulo, tendo o centro da cidade como palco visível das disputas entre os interesses populares e empresariais pela sua ocupação.

 

Com um ativismo conhecido do público, os moradores do Moinho têm pressionado o prefeito Fernando Haddad a cumprir sua promessa de campanha, isto é, regularizar a moradia das famílias que ocupam a área. Em entrevista ao Correio da Cidadania, Caio Castor, membro do Coletivo Comboio, que ajuda o Moinho com trabalhos urbanísticos e braçais, fala da situação da última favela do centro, que em sua visão “não se encontra contemplada pela política de habitação da prefeitura”.

 

Castor acredita que a ideia de ocupar o centro novamente passa pela negociação de imóveis para a camada que recebe de 3 a 10 salários mínimos, de modo que aos moradores do Moinho (que já recebeu da justiça uma tutela antecipada, que reconhece o usucapião do local) parece mais viável buscar a regularização do terreno que já ocupam.

 

A entrevista, realizada em conjunto com a Webrádio Central3, abordou também a trágica questão dos incêndios, que, após ocorrerem às centenas no mandato de Kassab, simplesmente desapareceram do noticiário paulistano na gestão Haddad. “A esse respeito, estamos fazendo um trabalho, há quase um ano, de levantamento e resgate do incêndio de 2011, da memória dos moradores, porque escutamos muito que a imprensa e os números oficiais deram apenas dois mortos. Mas vários moradores relatam mais de 30 mortes, falam de vários corpos que saíram pelos fundos da favela”, conta Castor.

 

A entrevista completa com Caio Castor pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Você pode nos passar um breve histórico a respeito da favela do Moinho e o que ocorreu por lá nos últimos anos?

 

Caio Castor: A favela do Moinho começou há mais de vinte anos. O pessoal começou a ocupá-la por baixo do viaduto Orlando Murgel, perto da Avenida Rio Branco e da estação da Luz. A favela começou embaixo do viaduto e se espalhou para o terreno da frente, que era o da antiga ferroviária.

 

O que acontece lá, hoje, é uma disputa judicial pelo terreno, entre uma empresa particular e a União. Mais recentemente, em 2008, os moradores entraram com uma ação de usucapião (mecanismo que legaliza a posse da propriedade após cinco anos de ocupação reconhecida).

 

Assim, a disputa judicial ainda não está decidida, mas os moradores têm a favor deles uma tutela antecipada do usucapião, o que significa que a justiça reconhece a presença deles ali. Mas a área ainda está em disputa jurídica.

 

Agora, recentemente, os moradores se organizaram e fizeram um ato em frente à prefeitura para cobrar do Haddad uma promessa de campanha. No começo do ano, ele foi lá e, logo depois do segundo incêndio, prometeu aos moradores a regularização fundiária da urbanização do terreno.

 

Os moradores estão cobrando isso e estão cobrando que melhorem o sistema de água, luz e esgoto. Também cobravam a derrubada do muro que foi construído logo depois do primeiro grande incêndio, na área onde ficava o prédio, cuja retomada faz parte do usucapião.

 

Correio da Cidadania: Já que você mencionou as promessas que Haddad fez aos moradores do Moinho em sua campanha, agora cobradas pela comunidade, como você tem visto o atual momento da luta pela moradia, em que diversos prédios do centro são ocupados por movimentos e também grupos independentes? Acredita na promessa do prefeito de colocar pelo menos 30 mil famílias pra morarem no centro durante seu mandato?

 

Caio Castor: Não estou acompanhando tão de perto todos os detalhes da questão da moradia, por toda a cidade. Sei um pouco do que ele falou a respeito da moradia no centro. Até onde eu sei, a política de ocupar o centro não contempla a faixa salarial mais baixa. Ele trabalha com uma faixa que se coloca mais entre três e dez salários mínimos, não contemplando a faixa de baixa renda, que é de zero a três salários mínimos.

 

O que o pessoal do Moinho tem feito é brigar pela urbanização da área onde já está morando. Sabemos da história dos prédios que a prefeitura vai desapropriar e pretende dar para o pessoal do movimento de moradia, mas nada concreto ainda.

 

Sabemos também que, se tudo for feito à base de Parceria Público-Privada, ficando na mão das construtoras e das empresas privadas, não haverá garantia alguma de que essa faixa mais baixa de salário será atendida para morar no centro. Portanto, o Moinho não se encaixa dentro do programa habitacional da prefeitura.

 

Correio da Cidadania: Que grupos vieram acompanhando a trajetória dos moradores do local e que tipo de trabalho é desenvolvido?

 

Caio Castor: Na verdade são vários grupos. O Moinho tem várias pessoas de luta histórica lá dentro, além de lideranças como a Alessandra e o Miltão. Eu faço parte de um projeto que chama Comboio, um projeto autônomo de pesquisa e intervenção urbana, tentando fazer um trabalho de reurbanização da área, em conjunto com os moradores. É um trabalho de mão na massa mesmo, no qual reconstruímos alguns espaços subutilizados e lhe damos função pública.

 

O Miltão é o Milton Sales, do Movimento do Hip Hop organizado (MH2O), um dos fundadores dos Racionais MCs. É um cara que tem mais de 30 anos de ativismo no Hip Hop e que vem há algum tempo se articulando com outros grupos sociais. E a Alessandra é uma liderança moradora do local.

 

A partir desse ano, começamos uma articulação maior com vários outros grupos, como o sarau do Binho, sarau da Vila Fundão, as Mães de Maio, o pessoal do Movimento Passe Livre, da Fanfarra do Mal, enfim, diversos coletivos de luta social e também do campo da cultura.

 

Além do mais, estamos desenvolvendo um plano popular de urbanização, construindo-o para tentar dialogar com a prefeitura e concretizar a urbanização do Moinho, de maneira participativa.

 

Correio da Cidadania: Como é esse plano popular de urbanização, como está sendo desenvolvido?

 

Caio Castor: Existem alguns exemplos que conhecemos mais de perto, como o plano popular da Vila Autódromo (RJ), desenvolvido em parceria com o escritório Peabiru, de assessoria técnica em arquitetura e urbanismo. Conhecemos também o plano popular da comunidade da Paz, perto do Itaquerão (futuro estádio do Corinthians e local de abertura da Copa do Mundo de 2014), que estava para ser removido por conta das obras da Copa.

 

Esse plano popular passa, basicamente, pela ideia de chamar os moradores para construírem juntos os projetos destinados ao local onde vivem. E para também empoderá-los, no sentido de pensar a urbanização da comunidade como um todo.

 

Assim, a ideia é potencializar o que já tem de bom lá. A comunidade do Moinho, por exemplo, foi construída pelos moradores. Portanto, eles têm lá o campinho de futebol, que é o principal espaço público da favela, as ruas, os espaços comunitários, que foram pensados pelos moradores, não pelo poder público. O plano vai no sentido de trazer mais moradores para participar das decisões e de potencializar o que tem sido feito ali.

 

Estamos tocando estas atividades há uns quatro meses, desde que chamamos o pessoal do Peabiru para assessoria técnica, e vamos fazendo oficinas. Nessas oficinas, repassamos alguns termos mais técnicos, para irmos entendendo o que é uma urbanização participativa, tentando construir um plano de urbanização que seja definitivo para o bairro. Junto disso, pensamos nas melhorias emergenciais, que é colocar luz, água, esgoto etc.

 

Correio da Cidadania: E o que você teria a dizer sobre os incêndios registrados nos últimos anos? O que os moradores do Moinho pensam sobre tais ocorrências?

 

Caio Castor: Algo a Alessandra destaca é que as pessoas, quando falam dos incêndios do Moinho, falam em dois grandes incêndios. Porém, na verdade, o pessoal que mora lá conta que já aconteceram mais de dez, doze incêndios.

 

E os incêndios são sempre a partir de uma casa próxima da linha de trem (que cerca as duas laterais da favela). Várias pessoas já viram, inclusive, gente vindo pela linha de trem, jogando coisas para dentro da comunidade, o que leva a crer que esses incêndios são, na grande maioria das vezes, se não em todas, provocados criminosamente. O incêndio do final de 2011, o maior de todos, foi muito simbólico.

 

A esse respeito, estamos fazendo um trabalho, há quase um ano, de levantamento e resgate dessa história, da memória dos moradores, porque, conversando com eles, escutamos muito que a imprensa e os números oficiais teriam dado apenas dois mortos no último incêndio. Mas vários moradores relatam mais de 30 mortes, falam de vários corpos que saíram pelos fundos da favela; existem vários relatos também de como começou o fogo e como se espalhou.

 

O prédio era muito grande, além de uma construção muito forte, antiga, que era do moinho Matarazzo, e são vários os relatos de que os incêndios começaram ao mesmo tempo em duas pontas diferentes do prédio, espalhando-se rapidamente. A Alessandra conta que, pela forma como o fogo se espalhou, devia ter um líquido muito inflamável ali.

 

E depois, na sequência dos fatos, vamos vendo outros fatores: o prefeito Kassab, duas horas depois, já estava lá. A imprensa oficial estava lá, já espalhando o que os moradores chamam da “versão oficial da coisa”, de que aconteceu um acidente e morreram duas pessoas. E só. Logo depois, eles conseguiram uma permissão para cercar a área e demolir o prédio. A Alessandra relata que essa demolição do prédio foi uma ocultação de cadáveres, que acabou com todas as possibilidades de se ter alguma prova de que o incêndio foi criminoso.

 

Ouça aqui o áudio da entrevista.


Leia também:

A queda do muro do Moinho


Gabriel Brito e Leandro Iamin são jornalistas.

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