Correio da Cidadania

“Democratas podem embaraçar Trump internamente, mas republicanos mantém hegemonia na política externa”

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Os Estados Unidos realizaram suas eleições de meio de mandato, as “midterms”, a fim de renovarem a Câmara dos Representantes e um terço do senado, além dos governos estaduais. Em termos gerais, os democratas diminuíram a margem de manobra interna do governo do magnata Donald Trump e aumentaram como nunca a diversidade étnico-racial da representação política, mas não de forma tão avassaladora. Sobre essa e outras questões da maior potência do mundo, o Correio publica entrevista com Virgílio Arraes, especialista em Relações Internacionais e professor da UnB.

“Dada a crescente diversificação da sociedade norte-americana, é natural que aos poucos isso se reflita também no Congresso. Nunca haverá tantas mulheres no parlamento federal como agora: ao menos 120, a maior parte delas democratas, e há duas muçulmanas. Nove governadoras eleitas. O Colorado elegeu o primeiro governador assumidamente homossexual da história do país”, contextualizou.

No entanto, Arraes ressalta que não houve a chamada “onda azul”. Se de um lado é possível constranger o ocupante da Casa Branca com investigações sobre a ingerência russa, de outro, até pela convergência histórica de ambos os lados em diversos temas, o partido do atual presidente mantém sua força e apresenta taxas razoáveis de recuperação econômica.

“Do ponto de vista retórico, há afinidade inicial nas questões comportamentais entre os dois grupos, mas na economia, não, vez que a gestão Trump não é adepta entusiasmada da abertura desenfreada, haja vista a retirada do Acordo Transpacífico e do Acordo de Paris”, explicou.

A entrevista completa com Virgílio Arraes pode ser lida a seguir.

De toda maneira, discurso de campanha e execução de governo são distintos.

Correio da Cidadania: Como avalia as eleições que renovaram a Câmara dos Representantes e 35 das 100 cadeiras do senado dos Estados Unidos? Mudam realmente a correlação de forças do governo Trump?

Virgílio Arraes: Parcialmente, o primeiro aspecto a destacar é o comparecimento em termos percentuais. É o mais alto desde 1970. Comparado a 2014, cerca de 30 milhões de eleitores a mais. Isso é positivo, porque a sociedade tem de novo a consciência de que está na política o exercício democrático da transformação socioeconômica – espero não ser passageira esta presença. Como o voto é distrital, há a possibilidade de maior acompanhamento pelo eleitorado e, por conseguinte, de cobrança da plataforma proposta dos parlamentares eleitos.

Os democratas elegeram 227 deputados ao passo que os republicanos, 198. No Senado, estes mantiveram por estreita margem a maioria – 52 versus 46.  
Com a modificação dos representantes nas duas casas, a partir de janeiro de 2019, haverá uma cunha no tocante às propostas mais reacionárias do governo Trump. Haverá a expectativa no primeiro momento de se debater mais questões vinculadas à imigração e assistência médica, este ponto de maior conexão com os democratas. Há a possibilidade de embaraçar a presente gestão por meio de investigações nas comissões da Câmara dos Deputados como as relacionadas à suposta ingerência russa em assuntos norte-americanos.

Por outro, com a maioria senatorial os republicanos conservarão o poder de sustentar a nomeação dos juízes federais após a sabatina – até o momento, mais de 80 magistrados em dois anos. Assim, a influência republicana se preservará concernente a determinadas questões, como as comportamentais, por exemplo. Na política externa, os republicanos ainda terão vantagem na pauta a ser encaminhada.   
 
Correio da Cidadania: Como as eleições estaduais, que reduziram a vantagem republicana em número de governadores, dialogam com as eleições congressuais?

Virgílio Arraes: Não chegou a ocorrer uma ‘onda azul’, ou seja, democrata, porém o resultado foi bom para o partido, não obstante sua ala mais progressista não ter sido votada como se esperava. Outrossim, os republicanos mais moderados não tiveram o êxito aguardado como Carlos Curbelo, próximo do Brasil, da Flórida. Reduzir a diferença nos estados é importante para os azuis na disputa presidencial em 2020, malgrado não existir nome de consenso entre eles.

No entanto, será uma oportunidade para mostrar à população a eventual diferença entre os dois partidos, principalmente em saúde e educação. Embora tenham avançado os democratas, os republicanos controlam ainda três quintos dos parlamentos estaduais – lá, existem os senados estaduais.
 
Correio da Cidadania: O que comenta da ascensão de novas lideranças, ligadas a movimentos identitários? O que traduzem do chão social norte-americano?

Virgílio Arraes: Dada a crescente diversificação da sociedade norte-americana, é natural que aos poucos isso se reflita também no Congresso. Nunca haverá tantas mulheres no parlamento federal como agora: ao menos 120, a maior parte delas democratas, e há duas muçulmanas. Nove governadoras eleitas. O Colorado elegeu o primeiro governador assumidamente homossexual da história do país.

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A latina Alexandria Ocasio-Cortez, 29, é a deputada mais jovem da história dos Estados Unidos (divulgação).
 
Correio da Cidadania: Qual deve ser a agenda política e parlamentar predominante nesta segunda metade do mandato de Trump?

Virgílio Arraes: Na visão democrata, questões de saúde e de infraestrutura são prioritárias. A par disso, a revisão da política de imigração e da regulamentação de armas, haja vista os últimos dramáticos acontecimentos,

Na perspectiva republicana, tópicos conectados com a redução dos impostos federais, com a manutenção da rigidez da política de imigração, com a fixação da política de acesso a armas e com a implementação do ‘novo’ NAFTA
 
Correio da Cidadania: Os Estados Unidos estão divididos? Como se daria tal polarização?

Virgílio Arraes: Sim, mas isto é normal nos Estados Unidos por causa do bipartidarismo. A cada dois anos, há eleições. Raros são os períodos em que um partido tem maioria esmagadora. Assim, costuma-se ter convergência para determinados tópicos, como na política externa ou na econômica, a não ser em períodos de crise aguda ou em guerras.

Correio da Cidadania: Como avalia os dois anos de governo Trump à luz de suas principais promessas de campanha? Há uma recuperação econômica e do emprego?

Virgílio Arraes: É o desemprego mais baixo da história recente (18 anos), apesar de se refletir desigualmente em termos de idade, etnia, grau de educação etc. A taxa poderia ser até menor, não fossem os efeitos do furacão Florence, porém o declínio já vem do governo Obama – o mais baixo da história foi em 1953, com 2,5%.  

O crescimento parece que foi retomado, ainda que iniciado no governo Obama, mas a taxa encontra-se distante do período de Bill Clinton, por exemplo. De todo modo, comparado ao do Brasil, é bem positivo.  

Correio da Cidadania: No plano internacional, que balanço pode ser feito destes dois anos?
 
Virgílio Arraes: Na política externa, Trump foi um crítico dos efeitos da globalização extrema por causa da perda de empregos norte-americanos para locais como o sudeste asiático. Eis um dos motivos para retirar o país do Acordo Transpacífico, sacrificando-o após bom tempo de negociação. Malogrou sua iniciativa de barrar viajantes de países de origem muçulmana, ao associá-los indevidamente ao extremismo. Felizmente, o Judiciário se opôs à medida.  

Nenhum dos seus países adversários teve a mudança de regime esperada – Síria, Cuba, Irã, Coreia do Norte e Venezuela – apesar da retórica destemperada. Acrescente-se o desgaste com países vizinhos, ainda que pequenos, por conta da imigração o que não lhe acarreta simpatia regional.   

Correio da Cidadania: Por fim, falando um pouco do Brasil, como situa a vitória de Jair Bolsonaro na relação bilateral com a potência do norte? Acredita que para além de discursos e gritarias políticas, haverá mudança substancial?  

Virgílio Arraes: Desta forma, a vitória de Bolsonaro é-lhe uma boa notícia, a despeito da ausência de choques significativos entre Estados Unidos e Brasil durante a gestão trabalhista, à exceção do escândalo Wikileaks e da espionagem a Dilma.

Do ponto de vista retórico, há afinidade inicial nas questões comportamentais entre os dois grupos, mas na economia, não, vez que a gestão Trump não é adepta entusiasmada da abertura desenfreada, haja vista a retirada do Acordo Transpacífico e do Acordo de Paris.

De toda maneira, discurso de campanha e execução de governo são distintos. Aguardemos a próxima gestão brasileira.    


Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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