Correio da Cidadania

Autocracia e o projeto de destruição das Universidades estaduais do Paraná

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A Lei Geral das Universidades (LGU) e as ameaças ao Ensino Superior Público  do Paraná - CRESS-PR
Autocracia é um conceito que diz respeito ao modo como um país faz suas eleições, da presidência aos cargos mais baixos, por fora dos padrões democráticos, uma vez que há abuso das leis e de regras e com limitações à concorrência partidária.

As estratégias autocráticas são anticonstitucionais e afetam a democracia, as liberdades civis e políticas e o próprio Estado de Direito. Isso ocorreu nas eleições de Bolsonaro e no mundo, de acordo com a avaliação global do nível de respeito ao Estado de Direito do World Justice Project. Dados de 2019, publicados em 2020 pelo World Justice Project, 46 dos 128 países analisados estavam abaixo do nível médio do Estado de Direito.

Em maio de 2021, já tínhamos 59 dos 139 países examinados abaixo do nível médio do Estado de Direito. Essas informações estão no livro recém-lançado pelo Laut, Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo, da USP, que reúne dados de organizações internacionais de observação do ambiente democrático, emitindo as táticas de regimes autocráticos como de Orban na Hungria, de Narendra Modi na Índia, Andrzej Duda na Polônia, Erdogan na Turquia e mesmo Bolsonaro no Brasil.

A autocracia nasce com grupos que estão em vários locais e instituições, não necessariamente em cargos eletivos. É o caso do Paraná na educação, tanto com o ex-secretário, hoje na mesma função no estado de São Paulo, e o superintendente da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

No Paraná, tanto o ensino básico e médio quanto o ensino superior passaram por mudanças que aniquilaram a educação em todas as suas dimensões: desde os prédios das escolas que caem por falta de manutenção e ausência de salas de computação com bons equipamentos, até a famigerada reforma do ensino médio e suas disciplinas, que ensinam os alunos a fazer os mesmos docinhos que suas mães e pais fazem, há anos, em suas casas.

Os dois secretários da educação protegeram o governador Rato Junior na autocracia: implantaram mecanismos de redução de professores, impediram concurso público, fazem vigilância dos cursos de graduação quanto ao número de estudantes por turma, não efetuam as compras de material necessário aos departamentos. Essas e mais estratégias, inconstitucionais, levaram o Superintendente da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a gestar e publicar em 2021 um projeto de desmanche total do ensino superior, que foi chamada de Lei Geral das Universidades, celebrada pelos governantes como LGU.

A LGU pode ser comparada a uma espécie de manual de inquisição destinado ao controle político-ideológico-científico dos docentes. É uma reforma do ensino superior similar à reforma do médio, o NEM de empresários como Lemman e dos bancos Itaú, Bradesco, Santander, associações e clubes empresariais, entre outros raptores dos recursos públicos do Ministério da Educação.

A LGU atende aos preceitos da austeridade fiscal (vinda das mãos de Temer e do golpistas de 2016), ao enxugamento das graduações das universidades, à divisão política-ideológica entre os docentes, à barbárie na produção das ciências tal como foi preconizado pelo governo Bolsonaro e seus ministros.

A LGU é produto das estratégias de tirania e da autocracia. Nada deve aos tiranos que governam alguns países. Nada deve ao governo do Brasil entre 2019 a 2022.

A estratégia de autocracia

A LGU foi, e aqui copio as palavras do reitor da Universidade Federal da Bahia, professor João Carlos Salles, sobre as universidades federais no período de 2016 a 2022. Neste período os ministros produziram medo e cizânia com interesses ilimitados e supressão de direitos a ponto de indicar reitores que mal sabiam a língua portuguesa ao cargo máximo da universidade. Não por acaso, nas Universidades Estaduais do Paraná, os professores não concursados trabalham mais sem ter as mesmas garantias trabalhistas que os concursados. São os “bagrinhos” das universidades. São demitidos na hora que o governo quer.

A LGU foi tecida para diminuir as universidades públicas e diminuir as sete universidades públicas do Paraná. Esqueceu o senhor Aldo Bona, um dos mentores dessa ditadura pedagógica no Paraná, que as universidades estaduais públicas do Paraná têm HISTÓRIA E NÃO APENAS DURAÇÃO. O superintendente do governador quis roubar do ensino superior sua força, suas produções científicas, suas condições de trabalho e o estudo universitário das gerações mais jovens.

Já os docentes vivem também o mais vil rebaixamento salarial. Do golpe de Temer em 2016 até o momento de escrita deste texto, em que três das sete universidades mantêm uma greve iniciada em maio de 2023 por todas universidades, somamos 42% de perda salarial. A categoria também não tem a data-base desde que os aliados do governador se somaram ao golpismo que derrubou a presidenta Dilma.
Quatro das sete universidades saíram da greve no dia 7 de junho de 2023; a estratégia destes quatro sindicatos é aguardar um plano de carreira docente que eleve os salários.

A LGU transforma a universidade em um zero à extrema-direita

A Lei Geral das Universidades rasga a Constituição Federal. Para o financiamento atinge a veia central da parca sobrevivência das Universidades públicas em tempo de austeridade fiscal para a população. A LGU ataca o financiamento tripudiando as universidades com a subtração de mais recursos do que já foi retirado no governo Richa, o anterior, e na primeira gestão do rato Filho. Para isso, há que observar o número de “alunos equivalentes” e de “trabalhadores terceirizados equivalentes” por Universidade.

O conceito e a fórmula para estabelecer o número de “alunos equivalentes” e de “trabalhadores terceirizados equivalentes” caberá a cada Universidade. As aspas são da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. O hábito das aspas em palavras e frases, de acordo com o Professor de história da Universidade de Lisboa, Rui Bebiano, vem da nova linguística nazista.

O controle dos aspeados (alunos equivalentes) caberá ao governo. O governo vai apurar o total de alunos equivalentes de graduação presencial, de residências médicas ou multiprofissionais, de mestrado e de doutorado; o total de alunos equivalentes de graduação presencial leva em consideração a quantidade de cursos existentes, o número de alunos concluintes (diplomados) em cada curso, a taxa de retenção padrão de cada curso, o número de alunos ingressantes (matriculados) em cada curso, o “peso do grupo” a que pertence o curso. O governo recorreu à metáfora do peso. Vale quanto pesa é a máxima da pedagogia dos intelectuais do Rato Filho.

Para medir o peso, mede-se o curso. Os cursos que têm pesos maiores são os de Medicina, Medicina Veterinária, Odontologia e Zootecnia; pesos menores têm os de Ciências Sociais Aplicadas, Direito, Linguística e Letras etc. Mede-se também a duração padrão de cada curso; o período em que o curso é ministrado (havendo bonificação para cursos noturnos); o local em que o curso é ministrado (havendo bonificação para instituições multicampi); e a qualidade de cada curso, com regras especiais para cursos novos.

O cálculo dos alunos equivalentes dos cursos de residências médicas e multiprofissionais leva em consideração o número de cursos, a quantidade de alunos matriculados e o “peso do grupo” a que pertencem os cursos em questão; o número de alunos equivalentes dos cursos de mestrado leva em consideração o total de cursos existentes, o número de alunos concluintes, a duração padrão do curso de mestrado, o “peso do grupo” a que pertence o curso em questão, a modalidade de mestrado (se acadêmico ou profissional) e o fator de qualidade do curso, havendo regras especiais para cursos ainda não consolidados.

O número de alunos equivalentes dos cursos de doutorado leva em consideração o total de cursos existentes, o número de alunos concluintes, a duração padrão do curso de doutorado, o “peso do grupo” a que pertence o curso em questão, a modalidade de doutorado (se acadêmico ou profissional) e o fator de qualidade do curso, havendo regras especiais para cursos ainda não consolidados.

O total de trabalhadores terceirizados equivalentes leva em consideração o total de cargos de docentes e de agentes universitários operacionais efetivos e ativos no mês de elaboração da proposta orçamentária.

A LGU muda o número de docentes de cada uma das Universidades Estaduais. Para o proponente da Lei da autocracia curitibana, os docentes das universidades diminuirão. Digo: mais ainda, pois desde Richa, parceiro de Rato Filho, houve uma diminuição de professores, pois não houve concurso público para preencher os aposentados, falecidos e demissionários.

A LGU prevê a identificação individualizada de cada cargo. Vigiai e punir, a regra do pensador da Lei. A cada docente se atribuirá um código de vaga, no “Sistema Estadual de Ensino Superior”.

Se houver redução no número de vagas de graduação presencial, haverá correspondente redução no quadro de docentes, “permitindo” que a referida redução seja compensada com novas vagas em outros cursos, para que o número de docentes seja mantido. Para as Universidades que devem reduzir seus quadros de pessoal, permite-se que mantenham os cargos que estejam ocupados até o momento da vacância.

As Universidades apenas ampliarão seus quadros se os concursos forem realizados “a uma razão de 25% (vinte e cinco por cento) a cada ano, a contar da promulgação da presente Lei”. Não importa se têm mais ou menos alunos.

A autonomia das Universidades para a realização de concursos públicos “[a]té o limite de 80%. Para além desse patamar, é necessária a obtenção de aprovação governamental enunciando serem nulos de pleno direito os atos dos Reitores e dos colegiados superiores que autorizem “a abertura de concurso público para vagas que extrapolem o quantitativo autorizado por esta Lei ou para vagas sem código de vaga disponível”.

A LGU desvincula os cargos de professores das Universidades, consignando que “[o]s cargos docentes do Sistema Estadual de Ensino Superior serão distribuídos entre as Universidades Estaduais mediante decreto”. A distribuição leva em conta o número de vagas nos cursos de graduação presencial, o número de vagas dos programas de residências médicas e multiprofissionais e o número de alunos matriculados na pós-graduação stricto sensu.

Quanto às providências administrativas e burocráticas referentes à realização dos concursos todo o controle será feito pela Secretaria de Estado da Administração e Previdência (SEAP), adoção das providências de nomeação pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia para fins de acompanhamento, auditoria e controle).

O TIDE – regime de trabalho de tempo integral e dedicação exclusiva será limitado para 70% do quadro de docentes atribuído a cada Universidade. Proíbe-se a concessão do regime Tide a professores temporários prevendo-se a possibilidade de revisão desse percentual após quatro anos da implementação da lei. Para Universidades que superam esse teto, permite-se a manutenção do referido regime até a vacância dos cargos correspondentes.

O redimensionamento também foi previsto para os cargos de agentes universitários, que serão distribuídos mediante decreto, a partir de um percentual do número de docentes a que cada Universidade faça jus; e foram desvinculados das Universidades e “passam a ser cargos do Sistema Estadual de Ensino Superior sem vinculação a uma instituição específica, destinando-se a fazer frente à distribuição prevista nesta lei e a expansão futura do ensino superior”.

As contratações temporárias apenas podem ser realizadas a 20% da carga horária total dos cargos de docentes que forem atribuídos à Universidade pela LGU. O governo proíbe o uso de contratações temporárias para suprir vagas de cargos em extinção. Limita a contratação temporária de professores permitindo-se sua contratação para que haja o suprimento efetivo do cargo em casos de aposentadoria, demissão, exoneração, falecimento, licença para tratamento de saúde e licença maternidade. A carga horária dos docentes temporários pode ser fracionada em contratos de regime de trabalho parcial. Docentes temporários contratados por 40 (quarenta) horas ministrem, no mínimo, dezoito horas-aula na graduação e que aqueles que forem contratados com carga horária inferior ministrem, no mínimo, 50% da carga horária contratada em aulas na graduação;

Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (n.º 0067337-19.2022.8.16.0000), no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná, com parecer do Ministério Público de Ação Direta foi requerida pelos Deputados Estaduais Antonio Tadeu Veneri, Arilson Maroldi Chiorato, Maurício Thadeu de Melo e Silva, Jorge Gomes de Oliveira Brand, Luciana Guzella Rafagnin e José Rodrigues Lemos foi impetrada. A ADIN argumenta a violação dos artigos A ADIN está tramitando desde 2022. Pela leitura feita, a prevista AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS prevista na Constituição Federal em vigor não é acatada de modo integral.

Resultado: a Universidade não existirá de forma integral. A LGU não contempla as pedagogias para aprendizagem, nem outras mudanças para aprimorar o espaço público do conhecimento.

Ela interfere na autonomia financeira, na gestão do corpo docente e o fere de modo autocrático, beirando a política nazifascista de gestão das universidades públicas. A LGU não fala de assistência estudantil, reparos nos prédios, laboratórios, tecnologias modernas, internet, computadores, restaurante estudantil, assistência médica e psicológica aos estudantes e professores.

Trata-se de uma Lei dos tempos bolsonaristas (aliás, foi publicada nesses tempos de regulação financeira e ideológica dos professores, em 2021). É um ataque à auto-organização do ensino superior. A LGU assemelha-se com os pareceres do ex-ministro da Educação, Weintraub. Este senhor fez os cortes orçamentários das universidades federais argumentando que as universidades teriam baixo desempenho acadêmico porque os estudantes somente faziam festas.

A mesma estratégia ocorreu na Hungria, do governo Orbán que com os cortes e a vigilância dos docentes pretendeu recuperar os tais valores nacionalistas. Na Turquia, outra autocracia, um professor de direito da Universidade de Hacettepe e um editor de jornal foram alvo de ações judiciais porque criticaram a Suprema Corte. Tiveram que recorrer à Corte Europeia de Direitos Humanos para ter direito à liberdade de expressão.

Não se trata, com este texto, de perguntar ao superintendente do governador quais documentos, livros acadêmicos os protagonistas da LGU leram para efetuar uma reforma universitária por meio de uma Lei, mas perguntar quais ressentimentos político-ideológicos guiaram essa destruição da história das universidades.

Nessa Lei a educação não é o princípio de uma possível civilização, pelo contrário, é a educação como ideologia ultraliberal e de exclusão de jovens. Não é civilizatória, é de comando de guerra. De voracidade com consequências terríveis ao Brasil.

Ainda assim, gritamos: viva as Universidades públicas estaduais do Paraná

Livros orientadores deste debate:

Ernst Cassirer e o nazismo, do professor e reitor da UFBA Carlos Salles; O caminho da autocracia. Estratégias atuais de erosão democrática, 2022. Laut: Centro de Análise da Liberdade e do autoritarismo. USP, 2023.

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