Correio da Cidadania

O Sonho Real vive!

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16 de fevereiro de 2005: “14 mil pessoas são brutalmente despejadas da Ocupação Sonho Real, em Goiânia (GO), através da operação noturna criminosa da Polícia Militar, provocando inclusive o assassinato de Pedro e Vagner” (Livro-Agenda Latino-americana Mundial 2020).

A data, por representar uma das piores barbáries humanas não só da história de Goiânia, mas também do Brasil e do mundo, entrou, há anos, no calendário latino-americano mundial, para que sua memória não seja esquecida e nunca mais se repita uma barbárie como essa. Fazer sua memória - ou seja, torná-la presente - fortalece a resistência e a luta do povo por seus direitos.

A desocupação ocorreu através da cinicamente chamada Operação Triunfo, que contou com a mobilização de 1,8 mil militares. A ação policial durou cerca de uma hora e trinta minutos e - pelo seu nível de maldade e crueldade - foi uma verdadeira operação de guerra nazista contra os pobres, que lutavam pelo direito sagrado à moradia digna.

Durante o massacre, Pedro Nascimento da Silva, de 27 anos, e Wagner da Silva, de 20 anos, foram mortos a tiros; 40 pessoas foram feridas à bala (ficando uma paraplégica) e 800 foram detidas. Várias pessoas desapareceram e, por isso, levantou-se a suspeita de mais vítimas fatais não identificadas.

Antes da Operação Triunfo, a Polícia Militar realizou - de noite e por 10 dias - a também cinicamente chamada Operação Inquietação com o intuito de assustar os moradores (muitas crianças ficaram traumatizadas) e desmobilizá-los. Foram duas Operações diabólicas. Os responsáveis pela Operação Triunfo tiveram o descaramento de dizer - citando São Paulo - que os militares “combateram o bom combate”: uma verdadeira blasfêmia.

Após o despejo, durante a permanência dos sem teto nos ginásios e no acampamento provisório, várias pessoas morreram por causa das condições insalubres de vida.

Não dá para entender como tamanha barbárie humana possa ser até hoje impune! Os assassinos não são somente os militares que atiraram em Pedro e Wagner, mas são - também e sobretudo - os responsáveis da Operação: o governador do estado, o secretário da Segurança Pública e o comandante da Polícia Militar da época. Lembrem-se: a justiça humana pode falhar, mas a divina nunca falha.

A reportagem de O Popular “Desocupação completa 15 anos” (do dia 15 e 16 de fevereiro, p. 17-19) mostra claramente - apesar de reconhecer a boa vontade da jornalista - de que lado o Jornal está. No lugar de defender o direito humano à moradia digna para todos e para todas, dá um destaque especial aos que dizem que a Operação Triunfo reestabeleceu a justiça. Que justiça é essa?! Só pode ser a justiça dos demônios de hoje, dos quais os “coronéis urbanos” - que se enriquecem cada vez mais com a especulação imobiliária - fazem parte.

Manchetes do Jornal: “Senti que a justiça foi feita” (Semy Hungria, advogado da família dos pretensos donos, que só de impostos territoriais deviam R$ 2,3 milhões). “Parque homenageia dono original da área”. “No ano passado, foi lançado pela prefeitura de Goiânia o Parque Sebastião Julio de Aguiar, em homenagem ao proprietário original e situado na área em que antes houve a Ocupação”.

Mesmo com o lançamento do Parque, a maior parte da área da ex-Ocupação Sonho Real continua sendo um matagal. Que vergonha para a cidade de Goiânia!

Renovo o meu pedido à população de Goiânia (ou que pretende morar em Goiânia): não comprem apartamentos na área da ex-Ocupação Sonho Real. É uma terra ensopada de sangue inocente, que - como já disse - só poderá ser resgatada da maldição divina se for utilizada em benefício dos pobres.

Anália, viúva de Sebastião Júlio de Aguiar, morreu há três anos com 90 anos de idade; os três filhos também morreram. Que Deus tenha misericórdia!

Parabéns ao “Instituto Memória e Resistência” e sua Equipe de Coordenação (Eronilde, Edna Maria, Vandete, Luis, David Lucas, Celina, Marília, Kênia) pelo caloroso encontro de irmãos e irmãs realizado na Escola Municipal Renascer do Real Conquista, pela primeira exibição do “Cineclube 16 de fevereiro” (sobre o despejo da Ocupação Sonho Real e as atuais lutas do Real Conquista) e pelo Informativo “A periferia tem voz”.

Termino com palavras do Informativo: “O dia 16 de fevereiro será sempre lembrado e vivido como um dia de luto e de luta pelo povo de Goiás. O Sonho Real vive!”.

Frei Marcos Sassatelli é frade dominicano e teólogo.

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