Correio da Cidadania

O “sucesso” da intervenção federal no RJ

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Em um estado como o Rio de Janeiro, onde ocorrem, em média, mais de seis mil homicídios por ano, seria de se esperar que a garantia do direito à vida fosse prioridade dos governos. Surpreendentemente, esse não tem sido o caso. No período da intervenção federal na segurança pública fluminense, os crimes contra o patrimônio, especialmente os roubos de cargas, foram os mais combatidos. Priorizou-se a propriedade privada e não a vida da população fluminense, particularmente aquela que reside em favelas e periferias. Essa afirmativa se embasa tanto pela diminuição de roubos de cargas, vis-à-vis o número de homicídios, que permaneceu alto, quanto pela falta de políticas públicas que objetivem a alteração deste cenário.

Assim, contra o discurso de “sucesso” da intervenção federal – o qual, em última instância, poderia incentivar a adoção desse modelo em outros estados – deve-se apontar que o Gabinete da Intervenção Federal (GIF) não apenas não foi bem-sucedido em aumentar a proteção da vida da população, como também acentuou problemáticas antigas no estado, como o histórico de confrontos armados que há décadas alimenta as estatísticas de mortes violentas no Rio. Foram vários os exemplos de megaoperações, com milhares de agentes que, muitas vezes, duraram dias, gerando insegurança, tiroteios e a suspensão de atividades rotineiras, como ir ao trabalho e à escola.

Chamada de “laboratório da intervenção”, a Vila Kennedy foi ocupada por dias pelas forças de segurança nos primeiros meses de 2018, e terminou o ano com crescimento de 17% nos homicídios dolosos e um aumento alarmante de 174% no registro de trocas de tiros ou disparos, segundo o Fogo Cruzado.

Ademais, Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP) que vêm registrando elevação nos índices de letalidade violenta, com o passar dos anos, não foram contempladas pelo GIF com políticas de segurança pública que buscassem a proteção da vida da população residente nestes locais, como as de Jacarepaguá e da Costa Verde.

A letalidade violenta é muito concentrada: 80% das mortes violentas ocorridas em 2018 se concentraram em apenas 18 AISPs das 39 existentes no estado do Rio de Janeiro.

Portanto, deve-se afirmar, enfaticamente, que essas localidades deveriam ter sido priorizadas, se as políticas de segurança pública no período da intervenção tivessem como finalidade a proteção da vida, com ações que combatessem a percepção, por parte de agentes públicos, de que certas populações podem ser mortas; melhorassem o controle na circulação de armamentos e munições; e atuassem contra a corrupção sistêmica nas polícias.

Por fim, também é preciso agir com inteligência, ou seja, compreender quem, de fato, lucra com a violência, e reconhecer que estes, na sua maioria, não se localizam em favelas e periferias.

Na prática, o que se observou com a eleição dos crimes contra o patrimônio como foco da intervenção federal foi o aumento em mortes decorrentes da intervenção de agentes do estado. O ano de 2018 atingiu um recorde histórico de mortes efetuadas por agentes de segurança pública (1.532 mortes, um aumento de 36% em relação a 2017) desde que o Instituto de Segurança Pública (ISP) começou a catalogar esses números.

O mês de agosto é o melhor estudo de caso para observar essa conjuntura, dado que houve um recorde de operações, vítimas por balas perdidas e tiroteios. Assim, fica evidente que o modelo adotado pelo GIF foi o mesmo em voga no Rio de Janeiro há décadas, o qual tem como alicerces o confronto em regiões de maior “periculosidade” e os tiroteios que paralisam a vida de milhares de pessoas.

Por conseguinte, se deve questionar: para quem o discurso de “sucesso” da intervenção federal faz sentido? Pois, como demonstrado acima, é impossível falar de “sucesso” em favelas e regiões periféricas, devido ao altíssimo número de pessoas mortas pela polícia; o aumento exponencial do número de tiroteios; e, pelo fato dos interventores não terem priorizado a proteção à vida, repetindo erros históricos na segurança pública do estado do Rio de Janeiro.

Leia também:

“Intervenção militar no Rio não respondeu nem necessidades da população, nem das polícias”

Relatório completo do Observatório da Intervenção aqui

Pedro Paulo dos S. da Silva é pesquisador do Observatório da Intervenção

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