Correio da Cidadania

Brasil e Haiti, as lições históricas e a gestão militar da pobreza

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Após sair de um carnaval politizado como poucos, o Brasil volta ao cotidiano onde os pobres e negros são alvo das políticas públicas policialescas, como se vê na mais que controversa intervenção militar federal no estado do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, passa praticamente despercebido o marco dos 130 anos da abolição da escravatura, para muitos críticos ainda mera formalidade. É neste contexto que conversamos com o historiador Marco Morel, que acaba de lançar o livro A Revolução do Haiti e o Brasil escravista - O que não deve ser dito, sobre um dos grandes marcos das lutas negras nas Américas.

“Foi a única vez na história em que uma insurreição de escravos destruiu o poder estabelecido numa sociedade. Foi, nas Américas, a segunda proclamação de Independência e, ainda, o primeiro país a decretar a Abolição. As trabalhadoras e os trabalhadores escravizados desta colônia francesa no Caribe realizaram com suas ações, ideias, sentimentos, muitas vezes com as próprias vidas, um feito histórico determinante”, explicou.

Além de fazer o resgate da importância dessa revolução que, na visão de Morel, impulsionou o fim da escravidão de forma até mais decisiva que a Revolução Francesa, e comentar suas repercussões no Brasil que transitava de colônia a império, o livro serve para dialogar com um momento onde os setores subalternos da sociedade se veem sem saídas.

“A Revolução Haitiana foi um evento fundador, causando direta ou indiretamente importantes transformações mundiais, embora nunca tenha sido literalmente repetida. Abriu efetivos caminhos para o fim do trabalho escravo e desconstrução do racismo, ou seja, tornou o mundo mais respirável”.

Morel também aborda com cuidado as vicissitudes que marcaram esta revolução, tal como todos os eventos similares, evitando uma desnecessária romantização. De todo modo, é inevitável ignorar a passagem das tropas brasileiras por este país até hoje pauperizado também em razão de sua ousadia histórica, até por se tratar de algo que para muitos foi um ensaio geral para políticas de gestão da pobreza por meio da militarização.

“Agindo como força auxiliar dos Estados Unidos (que, junto com a França, participou diretamente da intervenção que depôs o presidente eleito Jean-Bertrand Aristide), o Brasil manteve não só uma situação de excepcionalidade institucional, mas o controle de uma população negra majoritariamente pobre e miserável”, disse Morel, em frase que poderia perfeitamente ser trasladada para nossas terras neste momento.

Correio da Cidadania: Seu livro A Revolução do Haiti e o Brasil Escravista – O que não deve ser dito já permite inferir algumas questões logo no título. Quais seriam as principais abordagens embutidas na publicação, o que “não deve ser dito”?

Marco Morel: Há vários pontos de invisibilidade sobre a história da Revolução Haitiana no Brasil que, somados, geram um verdadeiro apagão. São tentativas de ocultar ou desqualificar um movimento de trabalhadores escravizados que destruiu o escravismo e o domínio colonial. É sempre um desafio escrever a história do não-dito.

Dois pontos principais motivaram o subtítulo do livro: o desconhecimento e o racismo. A ignorância que herdamos sobre o assunto não é inocente. Os episódios eram conhecidos por todos na época em que ocorreram. Mas entre importantes parcelas das elites brasileiras havia como que uma receita pronta: silenciar ou amaldiçoar.

Tal “maldição” se prolongou até hoje nas memórias coletivas e mesmo nos trabalhos históricos, por caminhos e motivos diversos. Como disse o antropólogo haitiano Ralph-Michel Trouillot, a Revolução do Haiti era impensável e, ao ocorrer, virou um não-acontecimento. Essa é a intenção do meu livro, falar do que nem sempre se se diz ou se escreve, do que anda perdido em desvãos da memória e da historiografia.

Correio da Cidadania: Como foi o trabalho de produção desta obra e qual foi o ponto de partida?

Marco Morel: Desde 18 ou 20 anos de idade fiquei curioso em conhecer mais sobre a Revolução Haitiana, quando comecei a fazer minhas primeiras leituras sobre história do Brasil, na biblioteca de meu avô Edmar, jornalista e historiador que publicara o livro A Revolta da Chibata, entre outros. Um ponto me chamava a atenção: o que ocorrera na colônia francesa de São Domingos era, aparentemente, o avesso da trajetória histórica da sociedade brasileira.

Perguntava-me: e se os trabalhadores escravizados também tivessem, como agentes históricos, destruído a ordem colonial e escravocrata e as próprias classes dominantes, entre nós, nossa sociedade seria o oposto do que é hoje? O Haiti seria aqui? Haveria possibilidade para enxergar um horizonte de transformações sociais mais radicais do que este, na época? Era um enigma que me intrigava, a Revolução do Haiti.

Correio da Cidadania: E as pesquisas?

Marco Morel: Já mais velho, entre 2002 e 2017, portanto durante 15 anos, desenvolvi pesquisas em arquivos nacionais e internacionais. Procurei ler as principais obras sobre o tema, pois em francês e inglês tem muita coisa publicada. Ao longo destas três décadas passei de estudante de jornalismo para historiador profissional e tento agora dar uma contribuição ao tema e às questões, sem a pretensão, claro, de ter respostas definitivas ou esgotar o assunto. Minha intenção é, de alguma maneira, atiçar o interesse.

Correio da Cidadania: Quais foram as repercussões desta revolução no Brasil que transitava de colônia para império naquele então?

Marco Morel: O abade Henri Grégoire, clérigo francês que apoiou corajosamente o movimento quando este ocorreu, afirmava que o Haiti era um farol brilhando nas Antilhas, para o qual olhares do mundo inteiro estavam voltados: os oprimidos com esperança, os opressores com ódio.

Aqui no Brasil não foi muito diferente. Havia a rejeição orquestrada e intensa das classes dominantes e grupos dirigentes, e seus membros ou aliados culturais e políticos. Por outro lado, é difícil para o historiador de hoje captar com exatidão, entre os escravos, muitas referências diretas ao Haiti, mesmo ao longo das inúmeras revoltas e outras formas de resistência.

Correio da Cidadania: Haveria espaço para recepções favoráveis a tais eventos?

Marco Morel: Havia um amplo e heterogêneo conjunto não escravizado na sociedade brasileira, que representava pelo menos um terço da população, envolvendo negros, pardos e brancos, libertos ou livres. Havia indivíduos muito, pouco ou não letrados. Havia jornais, folhetos avulsos, papeis manuscritos e muitas, muitas vozes e rumores. São nestes setores e ambiente que encontramos registros de repercussões não hostis, parcialmente favoráveis ou mesmo francamente favoráveis à Revolução Haitiana no Brasil, na passagem de colônia para Império.

Eram releituras e reinterpretações, não se tratava de querer imitar no Brasil tudo que ocorrera no Haiti, o que, aliás, seria impossível. É inegável que havia um modelo negativo quanto à Revolução Haitiana no Brasil recém-independente, um espelho invertido, padrão de horrores que deveria ser evitado. Mas havia, simultaneamente, um modelo positivo, ou positivo em partes, que se referia de modo não hostil, ou até elogioso, a variados aspectos de tal episódio, visto como exemplo de soberania nacional, de soberania popular, de antirracismo e de crítica aos fundamentos da escravidão.

A Revolução do Haiti, multifacetada, teve repercussões também multifacetadas.  

Correio da Cidadania: Qual a importância da Revolução Haitiana na Era Contemporânea?

Marco Morel: Foram três grandes eventos que fundaram a Era Contemporânea ocidental, cronologicamente: a Independência dos Estados Unidos, proclamada em 1776, a Revolução Francesa a partir da Queda da Bastilha em 1789 e a Revolução do Haiti, a partir da grande insurreição de 1791.

A primeira mostrou que era possível acabar com a dominação colonial dentro do Novo Mundo; a segunda destruiu as estruturas absolutistas e feudais em parte do Velho Mundo; a terceira acabou com a dominação colonial, com as estruturas de Antigo Regime e realizou a Abolição da escravatura. Foi além das anteriores.

Não creio que foi a Revolução Francesa que gerou o fim da escravidão colonial, mas, ao contrário, foi a Revolução Haitiana que empurrou sua metrópole, mesmo revolucionária, para ampliar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Correio da Cidadania: Foi então um evento marcante na chamada Era das Revoluções.

Marco Morel: Foi a única vez na história em que uma insurreição de escravos destruiu o poder estabelecido numa sociedade. E foi, nas Américas, a segunda proclamação de Independência e, ainda, o primeiro país a decretar a Abolição. As trabalhadoras e os trabalhadores escravizados desta colônia francesa no Caribe realizaram com suas ações, ideias, sentimentos, muitas vezes com as próprias vidas, um feito histórico determinante.

E isso foi celebrado na época com festas, alegrias, danças e outras comemorações. Acendeu esperança em escravizados e outros oprimidos pelas Américas. Mas, ainda assim, não dá para idealizarmos de modo ufanista, pois ao longo do processo ocorreram contradições agudas e outras formas de dominação foram geradas.

Correio da Cidadania: Quais foram as consequências que tal revolução gerou para seus protagonistas naquele momento?

Marco Morel: O protagonismo dos escravos foi decisivo na Revolução do Haiti, embora não se possa dizer com exatidão que eles chegaram ao poder com ela, coletivamente. Foram multidões que passaram da rebelião à revolução, com determinação, coragem e eficiência. Conquistaram espaços de liberdade. Realizaram, na marra, transformações, e empurraram as lideranças quando estas vacilavam.

Correio da Cidadania: Qual o perfil destas lideranças?

Marco Morel: Surgiram figuras marcantes como Toussaint Louverture, Henri Christophe e Jean-Jacques Dessalines, escravizados que se tornaram dirigentes políticos e militares. Entre tais líderes prevaleciam libertos e livres, negros e mulatos – que desde o início foram se distinguindo socialmente das multidões que representavam.

A questão da representatividade era difícil. A inadequação institucional entre o corpo político nacional que se formava e as identidades culturais africanizadas (que ainda hoje impregnam a sociedade haitiana) foram marcantes, por exemplo. Gerou-se uma elite política, militar e fundiária, em aliança com os interesses das potências estrangeiras.

De qualquer modo, tal revolução demonstrou que os negros sabiam e eram capazes de governar uma sociedade nos moldes da cultura ocidental no raiar do século 19. Saídos da escravidão pelas próprias mãos, poderiam se tornar cidadãos livres, o que abalava o principal fundamento ideológico do escravismo. Gerou-se uma alteridade incômoda, sobretudo, para as sociedades racistas e escravistas, na Europa e nas Américas.  

Correio da Cidadania: E quais os desdobramentos geopolíticos de então?

Marco Morel: O século das Abolições, na Europa ocidental e Américas, começa no Haiti em 1793 e termina oficialmente 95 anos depois, com a Lei Áurea no Brasil.

Nas sociedades escravistas, avalio que o impacto da Revolução Haitiana foi mais marcante até que o da Revolução Francesa. Durante a guerra revolucionária os haitianos derrotaram, militar e politicamente, três grandes potências europeias: Espanha, Inglaterra e França.

Isso foi decisivo para o enfraquecimento do império bonapartista e para que a Grã-Bretanha em 1807 (três anos depois da Independência do Haiti) decretasse a ilegalidade do tráfico atlântico de escravos.

Correio da Cidadania: E tal impacto teria fortalecido o escravismo em outras partes?

Marco Morel: Os governos de países onde havia escravidão passaram a usar tal exemplo como motivo para aumentar os lucros, a repressão e o controle. Pode-se dizer que, neste sentido, tal revolução reforçou temporariamente o escravismo no sul dos Estados Unidos, em Cuba e no Brasil.

De outro lado, países da América hispânica passaram a abolir a escravidão e os primeiros governos haitianos tiveram influência neste processo. Alguns dos chamados Libertadores, como Simon Bolívar e Francisco Miranda, estiveram na ilha rebelde e receberam apoio. Mesmo no Brasil o medo de que houvesse um “novo Haiti” servia de referência para propostas reformistas que aos poucos se implementaram.  

Correio da Cidadania: Em que patamar do desenvolvimento histórico das liberdades humanas e configurações sociais, até o ponto em que estamos, se colocaria a Revolução Haitiana?

Marco Morel: A Revolução Haitiana foi um evento fundador, causando direta ou indiretamente importantes transformações mundiais, embora nunca tenha sido literalmente repetida. Abriu efetivos caminhos para o fim do trabalho escravo e desconstrução do racismo, ou seja, tornou o mundo mais respirável.

Mas foi um episódio cercado de violências e que também reinventou formas de opressão. Ocorreram guerras entre negros e mulatos. A reforma agrária foi reduzida. Ao invés de ocupar o Estado, diríamos que a revolução foi ocupada por este.

Foi assim com todas as revoluções vitoriosas da Era Contemporânea entre os séculos 18 e 20, com o Haiti não seria diferente. Por mais que não saibamos em profundidade, a Revolução Haitiana, única e incomparável, é parte de nossa história, da história da humanidade, gerou avanços e transformações importantes, ainda que envolta em paradoxos, limitações e violências de todos os lados.

Correio da Cidadania: Existe uma tradição de obras que contam a história dos negros por pontos de vista menos acadêmicos e célebres que ainda é sonegada ao nosso público?

Marco Morel: Sim, sem dúvida, existe uma considerável massa de conhecimentos históricos, elaborados e ainda por elaborar, sobre as populações negras e indígenas em nosso país e que não chegam a um público ampliado. Há uma invisibilidade da Revolução do Haiti no Brasil, inclusive nas escolas. Nunca a estudei no colégio, nem mesmo na universidade. Assim como se desconhece a dimensão da presença e do protagonismo dos povos indígenas, salvo alguns especialistas. E também sobre rebeliões e pensamentos desviantes.

Há mesmo setores da esquerda que reiteram que a história do Brasil foi feita unicamente “por cima”, deixando em segundo plano toda uma tradição de rebeldia e de formulações alternativas. Por toda parte, e destacadamente no senso comum, vemos repertórios estabelecidos: o que não cabe neles, é como se não existisse.

Correio da Cidadania: Há, então, uma distância entre os trabalhos acadêmicos e a maioria da população?

Marco Morel: É inegável que existe um fosso entre a produção acadêmica de história e o saber difundido nas escolas e nos meios de comunicação de massas. Nestes, infelizmente, o espaço é ocupado, sobretudo, por produções de qualidade duvidosa que, sob pretexto de divulgação, fazem maquiagem moderninha pop e reproduzem antigas visões conservadoras, como as obras de Laurentino Gomes e Eduardo Bueno, além de outros menos cotados. Informam, mas não analisam, nem esclarecem. Buscam divertir na leitura, são diversionistas.

Certamente virá uma avalanche deste tipo de publicação no Bicentenário da Independência em 2022. Nas escolas, é um embate que se trava, existem professores que têm uma visão crítica e criativa e enfrentam com galhardia a lama do conservadorismo que nos cerca hoje em dia.

Correio da Cidadania: Como explicar que um país que realizou uma revolução de tal importância seja hoje o mais pobre das Américas?

Marco Morel: Este é um ponto importante. Racistas e conservadores já argumentaram que teria sido o fato de negros fazerem uma revolução que levou à situação de hoje. Na verdade, o Haiti chegou ao estado atual apesar da revolução, contrariando seus caminhos, e não por causa dela. Entre a proclamação da Independência em 1804 e seu reconhecimento pela França e demais potências em 1825, a nova nação suscitou esperanças.

Mesmo pensadores liberais europeus como Benjamin Constant acreditavam que estava ali em curso um projeto piloto que comprovaria como seres humanos negros e escravizados, livres desta opressão, poderiam construir uma sociedade relativamente próspera nos moldes ocidentais e capitalistas. O Haiti passou a ser apontado como exemplo positivo e promissor.

Correio da Cidadania: E quando tal perspectiva se interrompe?

Marco Morel: Foram justamente os termos do acordo com a França, impostos pelas armas, que arruinaram a economia daquela sociedade que começava a florescer. Foi uma indenização bilionária, paga até fins do século 19 pela antiga colônia, em “compensação” pelas supostas perdas dos colonos. A partir daí aprofundou-se a desigualdade, que beneficiou as elites locais em parceria com as potências internacionais.

No começo do século 20 os Estados Unidos invadiram o Haiti, passando a ocupar o papel de metrópole imperialista. Sem deixar de combater a exploração e a miséria, é importante não desenvolvermos uma espécie de comiseração nacional em torno do Haiti, a qual empobrece o conhecimento da complexa formação nacional daquela sociedade e de seu povo.        

Correio da Cidadania: Nesse sentido, como deveria ser definida a ocupação militar das tropas internacionais da MINUSTAH, sob chancela da ONU?

Marco Morel: Defino como injustificável a ocupação de forças militares brasileiras no Haiti, que durou entre 2004 e 2017. E que compõe a tradição de intervenções estrangeiras na ilha. Os poucos programas de cooperação ou assistência social foram logo abandonados. E nem mesmo se deu ênfase na infraestrutura e investimentos, do ponto de vista do capitalismo, embora a Odebrecht tenha andado por lá.

Ainda que sob o argumento de “ajuda humanitária” e combate ao “caos”, a atuação militar brasileira no país caribenho, com o maior contingente na MINUSTAH (United Nations Stabilization Mission In Haiti), teve, como motivação central, as aspirações do Brasil em obter uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Agindo como força auxiliar dos Estados Unidos (que, junto com a França, participou diretamente da intervenção que depôs o presidente eleito Jean-Bertrand Aristide), o Brasil manteve não só uma situação de excepcionalidade institucional, mas o controle de uma população negra majoritariamente pobre e miserável. E ainda usou uma pitada de marketing promovendo um jogo da Seleção canarinho em terras haitianas.

Correio da Cidadania: E quanto aos refugiados no Brasil?

Marco Morel: Não podemos esquecer que há cerca de 44 mil haitianos refugiados em nosso país. Muitos encontram dificuldades de adaptação e têm que lidar no cotidiano com o preconceito, frequentemente explícito, de parcela da população brasileira. Preconceito reforçado, pois resulta da soma da estranheza aos estrangeiros em geral (sobretudo não europeus) com a discriminação racial, adicionado à crise econômica que aumenta o desemprego.

Enfrentar tal xenofobia à brasileira, com tendências fascistas, é um dos desafios para alcançarmos uma sociedade plural, próspera e justa, fazendo com que a presença de haitianos, por caminhos históricos imprevistos, mas longamente entrelaçados (e camuflados), ajude a nos aproximarmos de um estado de liberdade e felicidade coletiva.

Correio da Cidadania: Finalmente, é possível encontrar um diálogo desta obra e a história que documenta com o atual momento político, social e cultural que vivemos?

Marco Morel: Conhecer um movimento vitorioso de trabalhadores escravizados é algo significativo para o momento em que vivemos. Existindo em condições dificílimas, tornaram-se protagonistas e mudaram o mundo a seu alcance. A Revolução Haitiana era impensável naquele horizonte cultural.

Seria então o caso de indagar, levando em conta manifestações da época: e se os cativos que formaram movimentos sociais autônomos no âmago da colônia francesa de São Domingos, dentro dos padrões de seu tempo, sobretudo os marrons (quilombolas), não tivessem se constituído em Estado nacional moderno civilizado e ocidentalizado, mas, sim, na direção de uma sociedade sem Estado, numa espécie de “reabilitação do primitivo”? Esta tendência chegou a se delinear, mas não foi adiante.

A Revolução do Haiti traz a marca do improvável e do impossível. Desconstruir o silêncio do passado é uma trilha, ainda que enviesada, para projetos atuais e futuros.

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Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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