Correio da Cidadania

Marxismo e questão agrária: alguns encaminhamentos

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Somos seres da natureza. Por isto, sabemos que a vida na natureza nos impõe diversas necessidades como, minimamente, alimentar e abrigar. E isto não é nada fácil, bastando vermos a vida dos outros animais para comprovar esta assertiva. Por isto, sempre quisemos superar tais necessidades primárias e criarmos nossa história humana para suprirmos as necessidades naturais e transcendermos para um mundo fraterno e livre.

 

Para tanto, necessitamos conhecer e transformar a natureza a nosso favor. Denominamos “Trabalho” a relação entre o conhecimento da natureza e sua transformação. Porém, nas relações sociais perversas que conhecemos, alguns poucos se apropriaram da força de trabalho de outros, vivendo no excesso, ao passo que outros ainda estão no nível da sobrevivência.

 

O capitalismo, como sistema essencialmente produtor de mercadoria, necessita “abusar” do uso da natureza, ou dos meios de produção, e é incompatível com o conceito de ecologia, ou melhor, de ecossocialismo. Já o socialismo propõe uma sociedade planejada e sem necessidade do consumismo dirigido ao valor-de-troca.

 

Porém, o socialismo não pode ser um sistema nostálgico do passado pré-capitalista. O ser humano sempre viveu na escassez de alimentos, o que motivou muitos saques e guerras na história, trazendo uma baixa expectativa e má qualidade de vida para as classes populares. Já as classes proprietárias, que podiam apropriar-se dos melhores alimentos, sempre se tiveram uma “mesa farta”.

 

Além do mais, as classes populares, servindo-se de alimentos "in natura", alimentavam-se com muitos agentes patogênicos que causavam muitas doenças. Também tinham um trabalho pesado e localizado.

 

Neste sentido, a industrialização que a modernidade proporcionou representou uma democratização do alimento, permitiu o transporte para longas distâncias, limpou e pasteurizou alimentos, aumentou a produtividade e tornou o trabalho menos difícil. Mas, novamente, nas relações sociais, alguns grupos se apropriaram destes novos meios de produção e transformaram o alimento em "negócio", lucro, valor-de-troca.

 

Porém, o processo de industrialização, como tudo no capitalismo, é eivado de contradições. Assim, sabemos que o desenvolvimento científico e tecnológico (C&T), pródigo na modernidade, se, por um lado, permitiu a maior produção de alimentos, por outro criou muitos problemas para o próprio solo e na contaminação de alimentos, na ânsia de transformar tudo em mercadorias.

 

Sabe-se que a C&T não são neutras e, no capitalismo, são aplicadas ao processo produtivo para a reprodução do capital. Mas isto não quer dizer que devamos abandonar todo o processo produtivo da modernidade e tentarmos construir novas “experiências” não “contaminadas” pelo capital. O desenvolvimento da C&T não deve ser desprezado porque foi apropriado pelo capital, mas devemos atuar sobre estas contradições e disputá-lo no que tem de positivo.

 

Assim, os trabalhadores devem disputar, socialmente, os meios de produção oriundos da C&T, mesmo que hoje estas tenham um caráter capitalista.

 

Aqui, levanto algumas questões para começarmos a construir um campo que tenha o socialismo como meta:

 

1 – Em primeiro lugar, o Estado financia apenas as grandes empresas de alimentos e as fiscaliza com muitas deficiências. Mas sabemos que o alimento, até mais do que o petróleo, é muito mais do que “estratégico” para todos e deveria ser hegemonicamente produzido socialmente, não privadamente. Porque não criamos uma "ALIMENTOBRAS", uma empresa estatal para produzir alimentos?

 

Sabe-se que mais de 50% das terras do agronegócio são “griladas” do Estado, ou seja, são terras devolutas. O poder público poderia começar colocando estas empresas sob o controle social. Grandes empresas de monocultura deveriam diversificar suas plantações e os trabalhadores seriam funcionários públicos com salário equivalente aos trabalhadores das empresas estatais.

 

2 – Em segundo lugar, deveríamos ter um forte órgão público de fiscalização e penalização quando houver abuso na aplicação do agrotóxico. Do mesmo modo, deveríamos fiscalizar seriamente as condições de trabalho de quem aplica o agrotóxico. O abuso, principalmente visando os lucros, deve ser fortemente coibido.

 

3 – Em terceiro lugar, as universidades e empresas de pesquisa receberiam verbas para pesquisar adubos industriais o menos nocivo possível. Nas áreas de ciências humanas, as pesquisas sobre a questão agrária também seriam fortalecidas.

 

4 – Em quarto lugar, as terras indígenas e quilombolas seriam demarcadas.

 

5 – Em quinto lugar, teríamos uma reforma, ou reorganização fundiária, na qual o camponês produtor de alimentos teria toda a assistência e terra oriunda desta reforma.

 

Poderia ser no sistema de cooperativa, terra em comum ou mesmo plantação individual. Poderia usar adubos e defensivos industriais sob orientação e controle ou plantar organicamente, agroecologiamente. O camponês, apesar da evidente diminuição numérica em regiões onde o capitalismo adentra, ainda é uma importante força produtiva.

 

Mas devemos, também, facilitar o trabalho deste agricultor, pois, como dizia Lênin, o camponês, para colocar sua produção no mercado, necessitava explora a sua força de trabalho e a de sua família.

 

No socialismo, a terra tende a ser comum e o camponês dono de sua terra e dos seus meios de produção pode desaparecer.

 

6 – Por fim, teríamos escolas e atividades de lazer no campo.

 

Enfim, são temas para serem debatidos em uma proposta de esquerda socialista para o Brasil.

 

 

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Antonio Julio de Menezes Neto é professor na Faculdade de Educação da UFMG.

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