Correio da Cidadania

Reduzir a maioridade é manter a exclusão social da juventude

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É claro que existe violência praticada por menores de 18 anos e que deve ser de alguma forma enfrentada. A questão é "a partir de que idade" esse enfrentamento deve ser regulado pelo direito penal. Toda repressão, antes ou depois da maioridade, deve ser acompanhada de um processo de reeducação. Esse processo é um para adolescentes e outro para adultos – imaginando como adulto o maior de 18 anos.

 

Os países em que a chamada maioridade penal é anterior a essa idade aplicam, na verdade, medidas parecidas com as nossas para os adolescentes, só que chamam isto de pena. Nós as chamamos de medidas sócio-educativas, que também incluem a prisão, chamada de internação. Há, portanto, uma diferença de nomes mais que de conteúdos.

 

Sobre a questão dos 18 anos: as legislações que adotam este número para início da maioridade penal atendem recomendações de fóruns mundiais multidisciplinares, cujas conclusões apontam que o pleno desenvolvimento mental de uma pessoa, na média, somente é alcançado aos 18 anos de idade. Assim, ao adotarmos esse padrão, nos alinhamos com o que há de mais desenvolvido, do ponto de vista da psiquiatria, psicologia, sociologia, direito e outras ciências, no que diz respeito à fixação da maioridade penal.

 

Fora isto, há, como se sabe, elementos sociais e políticos no tema: o destinatário preferencial do direito penal é o indivíduo marginalizado, a quem o nosso modelo sócio-econômico-cultural tudo dificultou, a começar do acesso a bens fundamentais, como alimentação, lazer, educação, cultura, moradia e outros. A violência que manifestam é, antes de tudo, resultado dessa miséria sociocultural. Cultural também, porque às vezes o sujeito tem recursos, mas culturalmente é um alienado, para quem a ostentação é o máximo de realização pessoal possível.

 

Para os infratores menores de dezoito anos, a legislação brasileira, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), prevê diversas medidas, que vão da advertência à internação, que pode durar até três anos. Só que, normalmente, nossas autoridades aplicam somente essas duas, que são extremas: uma de nada adianta, a outra às vezes é desnecessária e põe o adolescente em contato com delinquentes piores do que ele. Dá-se pouca importância ao estudo do direito do adolescente. Tanto que o assunto quase não é tratado nas faculdades e ninguém vê escritórios de advocacia especializados nessa matéria.

 

Talvez o pouco caso que se faz do tema esteja alimentando o discurso dos que são favoráveis a tratar o adolescente infrator como criminoso adulto. Acham que a cadeia dos adultos é que vai consertar o jovem. Só que criticam a superlotação das mesmas cadeias, chamam-nas de escolas do crime e dizem que o sistema carcerário está falido. O que querem, então? Será o capital privado desejando mais e mais presos pra mais tarde ganhar dinheiro com presídios particulares?

 

Parte dos defensores da redução da maioridade, aqueles que têm fácil acesso à grande imprensa, que vive da publicidade de ricos anunciantes, bem sabe que não serão os seus filhos adolescentes que arcarão com o peso da repressão penal, mas, sim, aqueles habitualmente excluídos e discriminados: jovens da periferia, vítimas de todo tipo de violência, inclusive policial e racial.

 

Além disso, tratar a questão como caso de polícia é, mais que tudo, arranjar uma bela desculpa para não fazer nada em relação à exclusão social de grande parcela da população adolescente. Algo como varrer a sujeira pra debaixo do tapete. Será uma boa política simplesmente desistir da nossa juventude?

 

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Plinio Gentil procurador de Justiça do Ministério Público de S. Paulo. Professor de Direitos Humanos e Direito Penal.

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