Correio da Cidadania

Novembro de 2014 em Belém, maio de 2006 em São Paulo

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Cinco de novembro de 2014, entro no computador para ler as notícias da manhã. O coração fica apertado como há tempos não ficava. Durante aquela madrugada, diversos bairros de Belém haviam ficado sitiados após a morte do cabo Antônio Marcos da Silva Figueiredo, também conhecido como Pet. Pet estava afastado da ROTAM (Ronda Ostensiva Tática Metropolitana) por ser alvo de inquérito na Polícia Civil investigando o envolvimento dele e outros policiais em um assassinato. Além deste inquérito, há outras denúncias recebidas pela ouvidoria do Sistema de Segurança Pública do Pará e pelo Comitê Estadual de Combate e Prevenção à Tortura sobre envolvimento de Pet com milícia organizada na cidade, porém, assim como o inquérito da Polícia Civil, as denúncias e os encaminhamentos relativos a elas seguem sigilosos.

 

Uma página da Rotam no Facebook, mas que não é um instrumento oficial de comunicação mantido pelo governo paraense, logo após a notícia da morto do cabo Pet, publicou uma mensagem dizendo que a “caça havia começado”. Não apenas esta página da Rotam afirmou que a caça havia começado pelas periferias paraenses como em alguns perfis de PMs afirmavam-se coisas semelhantes.

 

Na quarta mesmo, a Segup (Secretaria Estadual de Segurança Pública) confirmou que 9 pessoas teriam morrido na Mangueirosa durante a madrugada; este número, até a última sexta-feira, subiu para 11. Porém, moradores afirmam que o número é maior, ainda há pessoas desaparecidas na cidade e não se tem notícia sobre entrada de feridos nos Prontos Socorros da cidade, mesmo que os óbitos informados depois de quarta tenham sido de pessoas que estavam internadas em PS da cidade. Na mesma página da Rotam que informou o início da “caça” em retaliação à execução do cabo Pet, era possível ver uma postagem com a contabilização de quantas pessoas poderiam ter morrido durante a ação.

 

A narrativa contada pelas redes sociais e nas conversas ao telefone era algo muito comparável ao que ouvíamos em 2006, em São Paulo. Comércio fechando, escolas avisando que não dariam aula naquele dia, grande falta de informações oficiais, que quando saíam à tona era com brutal desencontro ante as informações coletadas na rua. Segundo H.L., morador da Terra Firme, havia uma diferença grande entre o pânico nos bairros periféricos e nos bairros centrais. “Na TF, o nosso pânico é de quem viveu e constantemente vive situações como essa, enquanto em bairros mais nobres o medo é que a violência que nos assola chegue até eles”.

 

Acompanhando de longe, parecia que o dia não teria fim, olhando hoje parece que a semana ainda não terminou. “Os suspeitos (dos assassinatos ocorridos naquela madrugada eram sempre descritos como) dirigindo uma moto, encapuzados (seguidos) por um carro preto”, afirma Francisco Batista, da Comissão de Justiça e Paz do Pará.

 

Fato é que a resposta no dia seguinte foi real. Durante a madrugada, nove pessoas foram assassinadas em bairros pobres paraenses. Testemunhas apontaram a presença de motoqueiros com capacetes e capuz como autores. Na página da Rotam, no Facebook, não é de hoje que são feitas referências ao “motoqueiro fantasma” que entra em ação para executar criminosos. Um jovem de 17 anos e um cobrador de ônibus estavam entre os mortos na quarta. A busca dos caçadores, ao que aparenta, foi aleatória e matou pessoas que estavam no lugar errado na hora errada.(MANSO, Bruno Paes. Esquadrão da Morte 2.0. e a epidemia de violência no Pará)

 

Durante uma coletiva de imprensa realizada na própria quarta-feira, o presidente da Associação de Cabos e Praças da PM do Pará, sargento Rossicley Silva, apareceu dizendo que os fatos ocorridos eram por conta de uma guerra de facções em Belém e que não envolvia a PM. Porém, o sargento no mesmo espaço foi confrontado, pois havia sido um dos PMs que postaram mensagem afirmando que a polícia daria resposta à morte do cabo Figueiredo. Dois dias após o acontecido, o sargento apagou a publicação, postando outra dizendo que a posição dele havia sido mal interpretada. Ao que parece, desenha-se um processo de encontrar um bode expiatório para a  Chacina de Belém. Digo isso pelo fato de que no Repórter70 – coluna tradicional de um dos jornais de maior circulação do estado – foi publicada uma nota apontando que Rossicley foi o grande incitador de pânico pelas redes sociais.

 

“Os policiais mesmos fazem questão de explicitar (que) ‘isso ainda não acabou’. Esses milicianos estão dizendo que após o enterro do policial haverá toque de recolher e que eles vão atrás de quem estiver devendo”, diz H.L.

 

Durante a tarde, Eder Mauro, deputado federal eleito pelo PSD e delegado de polícia, publicou um vídeo dizendo que estava voltando para Belém para colocar ordem na casa e não deixaria “bandidos fazerem em Belém o que fazem no Rio de Janeiro”.

 

Ao final do dia a cidade ficou deserta. Relatos de moradores do Marco diziam que havia pelo menos três helicópteros sobrevoando a região com holofotes ligados e apontados para as ruas do bairro O mesmo relato foi feito por moradores da Terra Firme na sexta. Porém, a partir desse momento, a comoção nacional sobre o que vinha acontecendo em Belém abaixou, a invisibilização que cotidianamente acompanha o Norte do país voltou.

 

De sexta para cá, não se divulgou mais nenhuma morte em decorrência do massacre da madrugada de terça para quarta. Mas ao ouvir moradores e gente próxima a moradores é possível constatar que ainda há pessoas desaparecidas desde aquele dia.

 

A desconfiança de se falar sobre o que ocorre em Belém publicamente é um fato, o medo que toma qualquer quebrada sudestina quando se depara com violência desse calibre é se fechar com medo dos algozes. Houve famílias que saíram da zona mais afetada para outros bairros para fugir de uma possível “Operação Pente Fino” na região.

 

Infelizmente, este não será o primeiro ou último episódio da violência contra a periferia que veremos em Belém, ou em qualquer outra capital brasileira. A Mangueirosa é uma as capitais mais violentas do país, tendo aumentado o número de homicídios na região nos últimos 10 anos.

 

Dados da Ouvidoria de Segurança Pública do Pará mostram que, em 2013, foram identificados 135 homicídios cometidos por agentes de segurança pública, sendo 122 realizados por PMs, 12 por policiais civis e um por Bombeiro Militar. No mesmo período, os casos de lesão corporal chegaram a 118, e outras 13 pessoas denunciaram tortura. No entanto, a própria Ouvidoria acredita que este quantitativo é bem maior, haja vista que muitas denúncias nem chegam às delegacias.

 

Luka Franca é jornalista.

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