Manifestos populares, o ‘inimigo interno’ da vez

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Carlos Eduardo Pestana Magalhães
03/07/2014

 

 

O debate com o secretário da segurança pública Fernando Grella aconteceu na Praça da Sé, região central da cidade de São Paulo, mas sem a presença dele ou de nenhum representante da secretaria. Presentes ao evento estavam o Movimento Passe Livre, que chamou o debate, Comitê Popular da Copa, Mães de Maio, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Favela do Moinho, Sindicato dos trabalhadores do Metrô e da USP, Movimento de Moradia da Região Central e o padre Júlio Lancellotti. A presença de um representante da Comissão Justiça e Paz foi notificada pelo Padre Lancellotti.

 

Cadeiras foram colocadas na praça, bem ao lado do Tribunal de Justiça, para cada representante das entidades falarem. O tema do debate era a Criminalização dos Movimentos Sociais; o atual desrespeito ao Estado de Direito por parte do governo federal, estadual e municipal; a escalada da repressão brutal, violenta, covarde e desproporcional da polícia militar paulista; as constantes prisões de advogados, o impedimento do trabalho dos defensores nas delegacias, o desrespeito na forma como são tratados pelas polícias; a ilegalidade do inquérito n° 1/2013, por não apurar nenhum crime específico, mas sim para fazer um banco de dados dos manifestantes para torná-los suspeitos de qualquer coisa; e contra as prisões arbitrárias de Fábio Hideki e Rafael Marques, com provas de flagrante forjadas pela polícia.

 

Entre 150 e duzentas pessoas participaram do debate e até as 17 horas, nada aconteceu, apesar do enorme e desproporcional cerco da polícia militar paulista na Praça da Sé. Algo semelhante só aconteceu durante a ditadura civil e militar de 64, quando das missas do operário Santo Dias e do jornalista Vladimir Herzog. O batalhão do choque, com suas vestimentas cinza, colete a prova de bala, armadura chamada de "Robocop", capacetes com viseira, escudos transparentes, sacolas com bombas, escopetas com balas de borracha (de borracha não tem nada, são balas comuns revestidas com uma fina camada de borracha e, por isso, dependendo de onde acertam, podem matar ou ferir gravemente) e as tarjetas de (não)identificação com a sequência alfanumérica semelhante a um chassi de automóvel, nos uniformes. Fica praticamente impossível identificar, mesmo que visualmente, qualquer soldado da PM. Literalmente, eles são os verdadeiros mascarados nas ruas.

 

Havia um clima de expectativa com relação ao que a PM faria. Do lado esquerdo da escadaria da Catedral da Sé, para quem está de frente a ela, soldados do choque formaram uma barreira impedindo a passagem de qualquer pessoa. Mais ao fundo, perto das escadas rolantes da estação do Metrô da Sé, mais policiais parados. Em frente do Tribunal de Justiça, carros e ônibus da PM estavam parados com inúmeros soldados do lado. Parecia, sem exagero, uma praça de guerra, onde os inimigos eram cidadãos fazendo um debate público e nada mais.

 

Cada vez fica mais claro que o conceito de inimigo interno, criação da época da guerra fria e totalmente incorporado na lei de segurança nacional da ditadura - lei esta que continua em vigor, por incrível que pareça, em que pese o país ser uma democracia liberal burguesa representativa -, está cada vez mais em voga no cenário nacional. Desta vez não são mais os opositores da ditadura na luta armada ou não, mas são quaisquer tipos de manifestações populares, de ruas, sindicais, que atentem contra o status quo na área federal, estadual e municipal.

 

Nem é preciso mais a presença das forças armadas na repressão, apesar de que elas podem ser chamadas a atuar repressivamente a qualquer momento. Não sendo necessário, basta a ação das polícias militares, criação da ditadura como força auxiliar do exército para combater inimigos internos do Estado, e não para policiar. E é exatamente isso que vem sendo feito em quase todos estados do país.

 

Nas falas, havia um consenso de que o país tem uma política de Estado (federal, com apoio estadual e municipal) para reprimir qualquer forma de organização popular que possa prejudicar o que quer que seja do atual status quo.

 

Carlos Eduardo Pestana Magalhães – Gato, é membro da Comissão Justiça e Paz de São Paulo.

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