A Petrobras como chantagem: A jabuticaba amarga de Dilma Rousseff

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Ana C. Carvalhaes
10/04/2014

 

 

Dizia-se no entorno do Planalto, no primeiro governo Lula, que o entusiasmado presidente costumava cumprimentar o então CEO da maior empresa brasileira, na época o petista Luís Eduardo Dutra, com a brincadeira: “E então, como é que vai a nação amiga?”.

 

Lula brincava, mas não exagerava. Com reservas hoje estimadas (depois do muy questionável “bilhete premiado” do pré-sal) em 16,56 bilhões de barris de óleo equivalente (boe, medida utilizada para incorporar também as jazidas de gás), a Petrobras produz aproximadamente 2,6 milhões de boe diários (2013), tem uma força de trabalho de mais de 100 mil mulheres e homens, opera em 25 países, tem um lucro de R$ 23,6 bilhões e é 13ª maior companhia de petróleo do mundo no ranking da revista Forbes. A Petrobras é maior do que a economia de muitos Estados do mundo.

 

O peso da empresa na economia nacional não se mede apenas pelo estratégico papel de abastecer e fazer mover uma economia que os poderosos, petistas incluídos, insistem em manter baseada na dupla transporte rodoviário-combustíveis fosseis.

 

Os governos do PT se valeram do controle da “estatal ma non troppo” para executar com sorte de iniciantes seu projeto “liberal-desenvolvimentista”. De um lado, com uma política de incentivo à indústria nacional na área de construção naval e componentes, que de alguma maneira colaborou para as taxas tímidas de crescimento econômico. De outro, com uma expansão subimperialista sobre os países latino-americanos e alguns africanos.

 

E sempre com controle da inflação por meio do controle dos preços de combustíveis nas bombas – medida fundamental também para manter em trânsito a crescente frota de automóveis (perto de 40 milhões de veículos), que faz a festa de lucros da indústria automobilística, embora torne inviável o dia-a-dia nas grandes cidades e o ar urbano no Brasil cada vez mais irrespirável.

 

Projeto extrativista

 

Com a descoberta da província petrolífera do pré-sal – algo como 14 bilhões de barris de petróleo, que de cara duplicou com certeza as reservas do país (podendo chegar a triplicar) –, o projeto do governo do PT-PMDB para o petróleo e gás natural saltou em qualidade quase na mesma proporção. Como anunciou Lula em 2006, já não se trataria apenas de garantir a autossuficiência em derivados de petróleo para abastecer o país, mas de investir para tornar o Brasil um exportador de óleo refinado, ou seja, de derivados.

 

A partir daquele momento, além de exportador de grãos (fundamentalmente soja) e minérios, o Brasil neoextrativista seria também exportador de gasolina, diesel, querosene de aviação, petroquímicos. E a Petrobras voltou-se loucamente a investir e obter empréstimos pesados para duplicar a produção do país até 2015 e triplicá-la até 2025 ou 2030. Os megaprojetos da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), além das ampliações e adaptações de outras 14 refinarias existentes, fazem parte do sonho megalômano da cúpula petista convertida a tocadora de obras do capital global. Este é o contexto que explica a atual situação de endividamento da companhia (R$ 267,8 bilhões, sendo R$ 249 bilhões de longo prazo).

 

Ficou evidente, nessa trajetória setorial, a completa irresponsabilidade do governo brasileiro - como, aliás, até o momento, dos chamados “governos progressistas” latino-americanos em geral – com a preservação ambiental  e a “sustentabilidade” que pregam em dias de festa e eleições e o total descompromisso com um debate sério sobre um novo modelo econômico que combata a desigualdade social histórica e a falácia do impossível crescimento infinito, preservando as riquezas naturais e incentivando novas fontes energéticas e novos meios de transporte e mobilidade.

 

Menos de meio estatal, mais de meio privada

 

Há algo, no entanto, igualmente grave e merecedor de reflexão na brincadeira do ex-presidente da República sobre a “nação amiga”. A expressão com que Lula tratava a Petrobras era também uma ironia fina com o poder da empresa. Um poder resultante de sua riqueza, êxito tecnológico e econômico, mas também da autonomia advinda do modelo de gestão resultante da privatização branca executada no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso.

 

FHC queria e podia privatizar a Petrobras, como fez com a igualmente poderosa Vale do Rio Doce. Depois da derrota da greve dos petroleiros de 1996 e a furiosa repressão à organização sindical que se seguiu, as condições estavam dadas.

 

Mas o projeto privatizante passava por fatiar o sistema Petrobras e isso a poderosa (detentora de informação) e qualificada (detentora de conhecimento técnico) burocracia dirigente da casa não admitia. Aceitava a negociação em bloco, para valorizar seus passes, segundo fontes fidedignas. Fatiamento, não.

 

E assim se deu a negociação. A Petrobras escapou da privatização total, mas tornou-se o que petistas notórios chamam de jabuticaba, algo que só dá no Brasil. Uma empresa de capital aberto, com parte ínfima do capital oferecido em 2000, com escândalo midiático aos trabalhadores, para compra com parte do FGTS. Com ações em bolsa, inclusive em Nova York (por meio de American Depositary Receipts, ADRs), mas com controle do capital votante pelo governo brasileiro. Assim, meio barro, meio tijolo. Mais de meio privada, menos de meio estatal. Fatiada em “unidades de negócio”. Cada diretoria praticamente uma empresa à parte. Controle de produtividade.

 

Com exceção em lei para que não tenha que cumprir a lei de licitações dos órgãos públicos. Controle de balanços pelos órgãos do mercado (como a Comissão de Valores Mobiliários e sua similar americana, a SEC), muito superficialmente pelo TCU. Nenhum controle da população e dos trabalhadores brasileiros.

 

No mundo do petróleo, costuma-se dividir as grandes companhias em IOCs e NOCs. As IOCs são as companhias internacionais privadas, como a Exxon-Mobil norte-americana, a BP inglesa, a Royal-Dutch-Shell, anglo-holandesa. E as NOCs são grandes estatais, como as companhias da Arábia Saudita e do Irã. Pois a Petrobras é uma coisa à parte, classificada como IOC, mas sempre “perseguida” pelas agências de classificação de risco do mercado financeiro pelo inevitável “uso político” de seus cargos e decisões, como o freio aos aumentos do preço dos combustíveis, que, pela ótica dos investidores, prejudica o lucro dos acionistas.

 

Os governos petistas não mexeram um dedo, como em geral em qualquer área econômica, para reverter os estragos da privatização branca de FHC. Ao contrário, vêm usando e abusando, em particular desde que tiveram que assentar sua governabilidade na aliança com o clube de caciques regionais que atende pela sigla de PMDB, das diretorias e cargos da estatal nas negociações políticas. Assentos na diretoria, nas subdiretorias da Petrobras, da Transpetro e outras subsidiárias são moedas de troca corrente entre os partidos da base aliada de Lula e agora de Dilma Rousseff.

 

Por isso, já se tornou uma tradição tragicômica da política institucional brasileira que, a cada novo ministério almejado pelo PMDB, surja a ameaça de uma CPI da Petrobras. Desta vez, com o escândalo da compra da Refinaria de Pasadena (Texas, Estados Unidos), Dilma Rousseff pagou para ver até onde ia a chantagem de Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Deverá pagar por uns bons meses, senão pelo resto de seus dias pela aposta errada.

 

Os “segredos” e surpresas da Petrobras, no entanto, não são um problema apenas de Dilma Rousseff, de Lula, do PT e da fisiológica base aliada do governo. O indefensável modelo de gestão da maior e mais simbólica empresa brasileira é um problema de todas e todos que se propõem a pensar um novo modelo de país e uma nova matriz energética para as novas gerações (porque não haverá pesquisa na área sem colaboração dos cérebros da Petrobras).

 

Afinal, não é admissível que a crise aberta com o escândalo de Pasadena, com a investigação da propina no caso da Holanda e com a necessária investigação sobre o suposto superfaturamento da Refinaria Abreu e Lima sejam peças de campanha eleitoral de Aécio Neves e de Eduardo Campos-Marina Silva. E mais que isso: sejam utilizados, pelos mesmos ideólogos da jabuticaba, para uma furibunda campanha pela privatização e fatiamento total da companhia, cuja importância para o país ninguém põe em dúvida.

 

A Petrobras precisa deixar de ser uma caixa preta na mão dos governos e do condomínio de partidos fisiológicos por eles formados. As estatais precisam de controle social, de transparência, começando pelo controle de seus próprios trabalhadores, organizados de maneira independente. Mas precisam também de representantes da sociedade civil nos seus conselhos de administração: da OAB, da ABI, da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobras), dos Sindicatos, da FUP, da FNP, do movimento ambientalista, do movimento estudantil, do movimento popular, do Ministério Público.

 

Claro que, para que isso se dê, é preciso renacionalizar a Petrobras, reconvertê-la em 100% estatal. Defendê-la tal como era nos anos 50, sem mecanismo de controle social democrático, é jogar água no moinho dos Aécios e dos Campos, ávidos por abrir caminho para os abutres das petroleiras internacionais.

 

 

Leia também:

'Mídia requenta Pasadena para acabar com a Petrobras e ajudar na entrega do Pré-Sal’

 

Ana C. Carvalhaes é jornalista e integrante da Executiva Estadual do PSOL/RJ

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