Aos trotskistas

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Gilvan Rocha
06/01/2014

 

 

 

Antes de tudo, devemos dizer, claramente, que nossas opiniões nada têm de pessoais. Reconhecemos como abnegados e de boa fé a imensa maioria dos militantes das múltiplas correntes do trotskismo. Reconhecemos, também, como soldados da Terceira Internacional Comunista, uma legião de bravos e devotados. Lembramos que o PCB tinha, em suas fileiras, pessoas da estirpe moral e da têmpera de Carlos Marighella, Mário Alves, Joaquim Ferreira, Davi Capistrano, Apolônio de Carvalho e alguns outros, dispostos a servir, mesmo com o preço de suas vidas, aos ditames dos seus credos.

 

Infelizmente, cada um dos agrupamentos políticos de matriz stalinista considerava-se “o partido da revolução” e, portanto, “o povo eleito de Deus”. Isso levava a descambar para a lógica de que tudo que se fizesse era em nome da “causa” e, assim, era legítimo. Dessa maneira, a prática de falsificar a História, excluir e exterminar dissidentes, promover a calúnia como instrumento de disputa e desqualificar os desafetos eram condutas naturais dentro dessa ótica.

 

O trotskismo, como produto subjacente da contrarrevolução vitoriosa, na medida em que não assumiu a derrota e não rompeu com as resoluções políticas aprovadas no X Congresso do PC russo, em 1921, particularmente com o monolitismo, o ultra-centralismo burocrático e o conceito de “partido da revolução”, consagrou-se como uma indiscutível corrente stalinista, embora dissidente da Terceira Internacional.

 

Voltemo-nos a pensar. Como se explicaria o múltiplo fracionamento dos trotskistas, não fosse o monolitismo levado às últimas consequências? Como se explicaria a impossibilidade de conviver, sob o mesmo teto, os diversos grupos que se assumem como trotskistas e se ocupam em se acusar reciprocamente? Eis algumas perguntas que reclamam respostas sensatas.

 

Por sua vez, torna-se necessário lembrar que um dos mais eficazes, pois bem fundamentado, críticos do modelo de partido defendido por Lenine, em 1903, foi, justamente, Leon Trotsky, através de sua genial obra “Nossa Tarefa Política”, publicado em 1904. Nessa obra, Trotsky, depois de reverenciar Pavel Axerold, chamando-o de mestre, deu curso à tese confirmada do substituísmo, que consistia em prenunciar que o modelo leninista de partido levaria o partido a substituir os trabalhadores, o Comitê Central a substituir o partido e uma figura canonizada a substituir o Comitê Central. Não somente foi confirmada essa profecia, como o substituísmo, na URSS, teve como partícipe, na sua construção, o empenho talentoso de Leon Trotsky. Dessa forma, Trotsky, de 1917, renegou o Trotsky profético, de 1904. Eis um fato irrefutável.

 

Não é à toa que os trotskistas se empenham em esconder a sua obra “Nossa Tarefa Política” e, em seu lugar, divulgam outras, calcadas nos conceitos equivocados de “revolução traída”, “revolução desfigurada”, “revolução política regeneradora”, “Estado operário burocratizado”, “momento termidoriano da Revolução Russa” e outros despropósitos que só se prestaram e se prestam a aglutinar seguidores beatos e acríticos, que em nada ou quase nada contribuem para a luta anticapitalista.

 

Falsificando a história, Trotsky, expulso da URSS, passou o resto de sua vida empenhado em afirmar que havia sido leninista desde sempre. Por sua vez, ele não teve a hombridade de se reportar à “Oposição Operária”, liderada por Alexandra Kollontai, escondendo sua postura de opressor e perseguidor dessa fração política.

 

Ao invés da fúria dos beatos, diante dos questionamentos aos seus “santos” infalíveis, ao invés de se enredar nas acusações pessoais, tentando a desqualificação, deveriam, os trotskistas, em nome dos interesses da revolução, encarar esses questionamentos como de natureza política, ou seja, despidos de qualquer propósito menor. Essa posição é a que devemos esperar daqueles que pretendem a discussão livre e democrática, acima dos credos, pois, como já disseram, a dúvida é um dos pilares do saber e a convicção é mais perniciosa do que a própria mentira.

 

Por fim, acrescentemos, para avaliação, o seguinte fato: nos seus quase noventa anos de existência, o trotskismo teve um papel residual em todos os processos revolucionários, quando não completamente ausente. Assinalemos alguns casos. A Revolução Chinesa não teve a participação dessa corrente política. Na guerra civil da Espanha, os trotskistas tiveram um papel danoso, quando investiram contra o POUM. Na França da frente popular de Léon Blum, da mesma forma. E que dizer de sua ausência na revolução cubana? Ou da revolução boliviana, de 1952? E do processo chileno? E quanto ao “Maio” francês? Em todos os episódios históricos significativos, pós-Revolução Russa, o trotskismo teve participação próxima de zero e, em alguns casos, se assemelhavam, pelo seu artificialismo, a algo parecido a uma verdadeira ficção política.

 

Bem no estilo stalinista, o trotskismo não se atém à História e, quando a faz, procura distorcê-la ou tornar cada fato histórico, de relevância, em página virada. Eis o verdadeiro caráter dessa corrente política, sempre predisposta ao gueto com seu sectarismo insano.

 

Gilvan Rocha é presidente do CAEP - Centro de Atividades e Estudos Políticos.

Blog: http://www.gilvanrocha.blogspot.com

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