Inocentes úteis

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Gilvan Rocha
02/12/2013

 

 

 

É necessário termos a clareza de que o movimento socialista, depois de sucessivas derrotas, experimenta, hoje, o seu momento de mais aguda prostração. Mas não basta reconhecer esse fato, o que por si já seria uma grande coisa. É necessário aclarar as causas que motivaram a se chegar a esse estado de derrota, lembrando que todo o processo se inicia nos anos 1912/13, quando o imperialismo conseguiu dobrar os partidos operários, impondo a bandeira da “defesa da pátria” e convertendo esses partidos em agremiações social-patriotas.

 

Seguiram-se alguns embates e houve um momento de esperança quando a insurreição socialista na Rússia tornou-se vitoriosa em outubro de 1917. Mas essa vitória trazia consigo um destino inevitável: caso a revolução não avançasse na Europa ocidental, sucumbiria. Foi exatamente o que se deu e, a partir daí, emergiu a forma mais perversa da contrarrevolução, o stalinismo.

 

Diz um adágio popular que o pior inimigo é o falso amigo. O stalinismo, usando o nome de comunista e o carimbo de “marxista-leninista”, logrou desempenhar o triste papel de linha auxiliar na manutenção do capitalismo. Através da Terceira Internacional, esse trabalho contrarrevolucionário foi possível de acontecer em escala mundial.

 

Moscou se autoproclamou “pátria mãe do socialismo” e passou a implementar uma política que tinha, como princípio, resguardar os interesses do Estado soviético a qualquer custo, isto mesmo, a qualquer custo, mesmo que ele representasse a inviabilização da revolução mundial, como veio a ocorrer.

 

Milhares de pessoas, convertidas aos partidos comunistas, passaram a acreditar no fraudulento discurso de que existiam dois mundos ou dois sistemas socioeconômicos concorrentes: de um lado, o capitalismo decadente e, do outro, o socialismo ascendente. Diante dessa dualidade, os devotos dos partidos comunistas, a maioria deles dotada da mais extrema boa fé, tornaram-se inocentes úteis aos interesses dos burocratas soviéticos, travestidos de comunistas.

 

Inocentes, extremamente crédulos, sempre capazes de sacrificar suas liberdades, quando não a própria vida, em nome da defesa intransigente da “pátria mãe do socialismo”, eles se fizeram presentes em todo o recanto do mundo e praticaram a mais ferrenha disciplina, sempre dispostos a obedecer piamente os mandos de Moscou, com muito mais fervor e credulidade do que os católicos seriam capazes de seguir as diretrizes do Vaticano.

 

Há um equívoco recorrente em se imaginar que o oposto ao stalinismo é o trotskismo. Isso não passa de um deplorável engano. O stalinismo, esse filho direto e operador da contrarrevolução, apresenta-se em várias roupagens, como temos insistentemente repetido. Existe o stalinismo ortodoxo, o stalinismo de bigode; existe ele na sua feição maoísta; existe o kruchevismo; o fidelismo; e, inequivocamente acentuado, o stalinismo-trotskista. Todos esses segmentos contribuíram ou contribuem, de uma forma ou de outra, para a manutenção do sistema capitalista.

 

Não fosse assim, como se explicaria que um sistema socioeconômico completamente esgotado, sem nenhuma chance de apresentar o mínimo de esperança para as massas trabalhadoras, mergulhado na UTI da história, poderia exibir tanta força política, não fosse o papel contrarrevolucionário do “marxismo-leninismo” ou do “marxismo-leninismo-trotskismo”?

 

Qual resposta daríamos a essa questão, senão reconhecer que a sobrevivência do sistema socioeconômico vigente só tem sido possível através da combinação entre a direita explícita, ou seja, aquela representada pela burguesia imperialista, e a contrarrevolução de caráter stalinista?

 

Estamos suscitando uma verdade que pode parecer herética, mas, lembremos que heresia foi a teoria da evolução natural da espécie; heresia foi a afirmação de Galileu, quando anunciou que a Terra se movia; heresia foi a afirmação de Marx, quando promoveu a ruptura com a filosofia idealista e anunciou o materialismo dialético; e, acrescente-se, hereges foram Giordano Bruno, Copérnico, Laplace e tantos outros que tiveram o papel de desvendar mistérios, afrontando o reino oficial e oficioso da mentira.

 

Coloquemos os preconceitos e a credulidade beata e acrítica de lado e nos lancemos ao debate livre e franco, pois só assim haveremos de romper o círculo de ferro da mentira que nos mantém presos aos grilhões da ignorância que nos é imposta. Só a verdade é revolucionária.

 

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Gilvan Rocha é presidente do Centro de Estudos e Atividades Políticas – CAEP.

Blog: www.gilvanrocha.blogspot.com

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