Francisco, o papa tardio

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Roberto Malvezzi (Gogó)
11/07/2013

 

Quando Francisco decidiu ir a Lampedusa – a ilha italiana para onde migram os africanos que querem viver na Europa – apenas para celebrar um réquiem pelos mortos das travessias da África para a Europa, sem status de chefe de Estado, sem nenhuma autoridade europeia ou italiana por perto, estava comprovado que ele não veio para a mesmice. Ele vai a um lugar emblemático da crise humana contemporânea.

 

Todos os gestos e palavras desse papa, entretanto, parecem ter chegado tarde demais, sobretudo para nós latino-americanos. O melhor de nossa Igreja, aquela intensa diáspora para as periferias, acontecida nas décadas de 70 e 80 do século passado, sofreu uma perseguição insana, numa articulação até hoje não muito clara entre os impérios do mundo e o Vaticano.

 

Quando certos escritores escreviam sobre as mundaneidades do Vaticano, ou no Vaticano, parecia mais fantasia que realidade. Mas o enterro do mafioso Renatino no cemitério dedicado aos cardeais a troco de um milhão de euros, o suicídio de Roberto Calvi – presidente do banco Ambrosiano -, os escândalos no IOR, a recente prisão do Nunzio Scarano, nos colocam diante de fatos, não de imaginações. Portanto, é claro que o Vaticano ainda é considerado um espaço de influência global e que os poderes do mundo – inclusive o crime organizado – o disputam com toda ferocidade.

 

Claro que não deveríamos nos escandalizar, afinal, onde está o ser humano, está sua grandeza e miséria. Acontece que até pouco tempo atrás a Igreja era a “sociedade perfeita”, mesmo Agostinho já tendo declarado que ela era “santa e pecadora”, portanto, cheia de defeitos como qualquer instituição humana. Francisco tem rosto humano, nele o reconhecimento dos próprios limites é uma força para os mais fracos. Ele não teme admitir os problemas graves do Vaticano.

 

A Igreja dos pobres e para os pobres, como quer Francisco, aquele que vai a Lampedusa, parecia ter ficado no passado, ainda que restasse sempre “uma semente nalgum canto de jardim”. Ele parece extemporâneo. A América Latina parece ter chegado tarde demais a Roma. Mas o que é justo tem sua própria força e os injustiçados existem aos bilhões. Além do mais, Deus tem seu próprio “time”.

 

Roberto Malvezzi (Gogó) possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.

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