Correio da Cidadania

Periferias existenciais

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Ainda que de uma forma contida, há muita esperança nas bases com o novo papa. Ele trouxe de volta palavras, propostas e anúncios que há muito não víamos mais dentro de nossas Igrejas: “uma Igreja dos pobres e para os pobres; que os padres se aproximem do povo; aproximar-se do povo é mais que uma autoajuda, é crescer na graça de Deus; lembrar-se da crise ambiental; estar no caminho das pegadas de Jesus etc.”. Além do mais, inovou ao nos chamar para as “periferias existenciais”.

 

Só o tempo nos dirá o que significa essa expressão tão densa como uma estrela de nêutrons. Na verdade essas preocupações estavam varridas da Igreja, sobretudo da liturgia. Ela foi sequestrada por grupos que passaram a cultivar verdadeira egolatria, onde palavras como pobre, justiça, fraternidade, solidariedade, caminho etc. não tinham mais lugar.

 

Se quiser, então, o papa pode logo fazer algumas mudanças para que tenham efeito no futuro. Sem obedecer a uma ordem de importância, a primeira é nomear bispos próximos ao povo, pastores, não administradores de dioceses.

 

Segunda: rever a formação dos padres. As últimas safras – com todo respeito aos que continuaram com o pé no chão – estavam mais preocupadas com a roupa de grife, o carro do ano, programas de auditório, assim por diante. Formar padres que estejam a fim de pisar na lama novamente não vai ser fácil.

 

Terceira: revalorizar a vida religiosa que foi para as periferias. Quem tem prática pastoral sabe que foram os religiosos, sobretudo as religiosas, quem assumiam a animação da catequese, das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), dos estudos e círculos bíblicos, das paróquias, das pastorais sociais.

 

Quarta: revalorizar os leigos e leigas. Depois do retrocesso, muitos bispos chegaram às dioceses – e padres às paróquias – simplesmente desmantelando tudo que tivesse cheiro de povo, particularmente onde os leigos eram as lideranças. Assim, milhares de catequistas, agentes de pastoral, lideranças comunitárias, militantes de pastorais sociais, de um dia para o outro, nem eram mais considerados como pessoas bem-vindas nos espaços eclesiais. Vai ser difícil recuperar a confiança, mas sempre é possível.

 

Por fim, que o papa prossiga com seus gestos simbólicos. Nas pastorais sociais conversávamos que ele poderia mudar o jeito de visitar os países. Esses grandes eventos, como a jornada mundial da juventude, são caros, difíceis e exigem cobertura do Estado. Logo, os evangélicos vão protestar com esses custos.

 

Portanto, ele poderia simplificar, vir de avião comum, ficar uma semana em Itaici com seus irmãos bispos, ouvir, falar, celebrar em Aparecida, visitar uma favela. Quem sabe visitar um país da África que esteja com muita fome, um Haiti, um lugar de impactos ambientais destruidores, assim por diante. Para isso não precisa se comportar como representante de Estado, mas como um pastor.

 

Poderia vir para o XIII Intereclesial de CEBs, que vai acontecer no Juazeiro do Norte, em janeiro de 2014. Iria se encontrar com a nata da devoção nordestina a um homem simples, cheio de contradições, que foi expulso da Igreja, mas a ela se manteve fiel até o fim. Padre Cícero é mesmo o santo mais popular do Brasil. Embora nem sempre a voz do povo seja a voz de Deus – soltem-nos Barrabás! –, nesse caso não há erro. Seria a reconciliação do Vaticano com os pobres do Nordeste brasileiro.

 

 

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Roberto Malvezzi (Gogó) possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.

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