‘Não espero nada nem do Congresso, nem do Executivo e nem do Judiciário, somente da sociedade’

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Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação
14/04/2012

 

Em meio a mais um imenso escândalo que teria potencial para esfarelar metade da República, desta vez envolvendo o senador Demóstenes Torres e suas relações com o bicheiro/empresário Carlinhos Cachoeira, cujos negócios e interesses eram cuidados por um dos parlamentares mais moralistas e “anticorrupção” dos últimos tempos, o Correio da Cidadania conversou com outro senador, Pedro Simon (PMDB-RS). Após alguns dias de afastamento, logo voltou à tribuna afirmando se tratar do pior, entre tantos, momento da Câmara Alta desde que a habita.

 

Diante de tamanha desmoralização das instituições, Simon não hesita em desacreditar todas as instâncias do poder, admitindo que somente a participação e interferência da sociedade podem alterar o atual rumo de nossa política de cabaré. Apesar de reconhecer méritos éticos em Dilma, em quem deposita confiança para moderar minimamente o jogo fisiológico e o “troca-troca em que a base aliada já está viciada”, o senador cita a lei da Ficha Limpa como exemplo de que mudanças positivas só podem vir de fora dos poderes.

 

Sobre seu partido, Pedro Simon afirma que não tem mais nada a ver com o velho MDB e sua situação de descrédito é irreversível, o que reforça suas esperanças na atuação e pressão da sociedade civil. E mesmo elogiando a presidente Dilma, faz coro a alguns críticos do governo ao analisar sua relação com José Sarney, pois, tal como fez Lula, “dá a ele mais atenção do que eu gostaria”.

 

A entrevista completa pode ser lida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Antes de iniciar a entrevista, vimos a fala do senhor na tribuna do Senado, onde ressalta que a semana passada foi talvez das piores que já passou no Congresso. Sendo assim, como o senhor vem enxergando o atual momento político de nossa República, especialmente no que diz respeito à relação da atual mandatária com o Congresso - com sua base aliada e com a oposição?

 

Pedro Simon: Em relação ao Congresso, creio que a presidente tem, ao contrário dos dois presidentes anteriores, uma relação que venho considerando positiva no sentido ético, merecendo meu apoio e respeito. Mas, na verdade, esse relacionamento com o Congresso simplesmente continua mau como nos mandatos anteriores.

 

Embora Dilma tenha dito algo ao contrário em entrevista à revista Veja, a verdade é que o Congresso continua funcionando na base do troca-troca, com os partidos exigindo nomeações em troca de aprovar projetos.

 

Isso é lamentável, mas é a realidade, embora a gente reconheça o esforço que ela tem feito no sentido de amenizar esse troca-troca.

 

Uma palavra que, na democracia, lutamos pra consolidar, e que tem tido destaque, é a ‘governabilidade’. Ou seja, o governo não tem maioria e, num sistema pluripartidário e heterogêneo como o nosso, é preciso agregar vários partidos e correntes para se caminhar adiante.

 

Embora tecnicamente haja uma maioria enorme com os partidos que apóiam a presidente, na hora de cada votação importante, tem de se fazer nomeações e aprovar emendas aqui e acolá. O cenário prossegue o mesmo.

 

Correio da Cidadania: Para quem olha a política de fora, parece estar-se diante de um momento, no mínimo, pouco promissor, operado unicamente na base de chantagens políticas, resultantes em um troca-troca barulhento e inócuo nas cadeiras ministeriais, conforme salientado. Como o senhor avalia, neste sentido, a atuação dos partidos oposicionistas na Câmara e no Senado nesta atual gestão?

 

Pedro Simon: A oposição tem sido um tanto fraca. Nos grandes estados que tem em suas mãos, São Paulo e Minas Gerais, ela vive uma indecisão interna sobre quem será seu homem forte em 2014, e não consegue se firmar.

 

Enquanto isso, a situação econômica no país, e sua repercussão na sociedade, vão bem, com a imagem de que se melhora de vida, aumenta-se o poder aquisitivo, e a presidente desfruta da imagem de alguém que realmente tenta realizar um governo sério. Assim, o papel da oposição fica difícil, pois ela está sem grandes bandeiras para levantar e debater.

 

Nas próprias eleições, foram para as ruas com um discurso impreciso, acusando a Dilma de desconhecida. Mas, durante a campanha, alguns projetos (principalmente o Bolsa Família e a imagem que Lula passou de que ela era a mãe do PAC) deixaram a oposição sem bandeiras de campanha. E a meu ver, a oposição continua nessa situação, não vejo nela a capacidade de criar fatos novos.

 

Agora mesmo, com o problema do senador do antigo PFL, atual DEM (Demóstenes Torres), e o governador de Goiás, Marconi Perillo, fica ainda mais enfraquecida, entrando, em minha opinião, numa situação muito delicada.

 

Correio da Cidadania: A presidente Dilma tem recebido menções honrosas, subliminares que sejam, de nossos veículos de comunicação, ao contrário do que ocorria à época de Lula – seria uma gestora eficiente, atenta aos preceitos técnicos em seu governo, indutores da faxina que promoveu nos ministérios. Ocorreu, a seu ver, uma faxina ou um movimento reativo às denúncias da imprensa e às pressões da base opositora, e também aliada?

 

Pedro Simon: Na era Lula, com o mensalão, gerou-se uma falta de credibilidade ética. Ele conseguiu levar o mandato até o final, saindo-se até bem, mas, na parte ética, o governo deixou a desejar. É nessa parte que a Dilma vem mostrando alguma diferença, fazendo modificações e tendo atitudes que lhe dão destaque na opinião pública. Não enxergo a tal faxina, portanto, como um movimento reativo, creio que se trate de postura que realmente faça parte da visão da presidente, do pensamento dela.


Correio da Cidadania: E como vê esta que se chama de a base aliada do governo atual, tão ampla e aparentemente sempre prestes a pular do barco?

 

Pedro Simon: Eu vejo, no fundo, no fundo, que a base aliada está muito viciada nesse troca-troca do qual falamos... Foi o caso do PR, que saiu do governo porque queria colocar um membro seu no Ministério dos Transportes. E a Dilma resistiu, a meu ver muito bem. Perdeu o aliado, mas mesmo assim não cedeu. Nisso, foi muito bem.


Correio da Cidadania: O seu partido, o PMDB, aliado do governo, parece aos olhos do público cada dia mais esfacelado, com aquela que se poderia chamar de ‘banda boa’ já bem minguada, quase sumida... Como o senhor enxerga e se relaciona com este partido, após tantos anos ocupando a tribuna?

 

Pedro Simon: A imagem do PMDB, atualmente, é quase irreversível, sem muita saída. Desde que Tancredo e Ulysses morreram que o partido perdeu o rumo. Temos um comando que não tem nada a ver com a história e biografia do velho MDB.

 

Não sei o que vai acontecer, mas vez ou outra ocorre algo positivo. O atual presidente do partido (Valdir Raupp, senador por Rondônia) mandou um ofício para todos os líderes, prefeitos e parlamentares do partido para que nas eleições todos eles tomem conhecimento da lei da Ficha Limpa, de modo que procurem indicar candidatos que não tenham sua ficha marcada nesse sentido. É a primeira vez que se faz isso, porque até então o partido não mostrava interesse algum pela moralidade. Mas, na verdade, o desgaste é irrefutável.

 

Ressalte-se, no entanto, que, até governos anteriores, o PMDB parecia uma grande exceção nesse jogo de fisiologismo. Só que hoje é regra nacional este fisiologismo. No PT, as brigas intestinas são até maiores, os principais cargos e posições estão na mão do PT. As antigas divisões só existem em relação à troca de favores. O PMDB continua assim, mas, hoje, lamentavelmente não existe exceção pra ninguém.


Correio da Cidadania: E como o senhor analisa a relação de um dos membros mais simbólicos desse atual PMDB, José Sarney, com a presidente Dilma?

 

Pedro Simon: Eu nunca relacionei o Sarney com o MDB, antes de tudo. Mas, bem, a presidente se entende mais do que eu gostaria com o Sarney, ela busca e continua buscando seu apoio. Está se dedicando muito a ele. Acredito que ele foi uma das pessoas que mais influenciaram o governo Lula e mais influencia no governo Dilma.

 

Correio da Cidadania: O que espera da atuação parlamentar, na Câmara e no Senado, diante de um cenário político a cada dia mais banalizado, apequenado? O que o senhor enxerga como algo capaz de mudar um pouco essa realidade?



Pedro Simon: Eu não espero nada, nem do Congresso, nem do Executivo e nem do Judiciário, e que a sociedade não espere que eles mudem muita coisa. O que vejo com otimismo é a sociedade se movimentando, sendo exemplo disso a própria lei da Ficha Limpa. Só foi aprovada no Congresso por conta da movimentação social, assim como no STF. E ela que se movimente agora, fazendo cobranças na mídia e nas discussões mais diretas de internet, de redes sociais, o que me gera mais confiança. É por causa disso que vai se instalar a comissão de ética, será escolhido relator, presidente, será aceita a denúncia contra o senador Demóstenes Torres e processos virão. Por que se sucederam estes fatos? Por pressão da sociedade.

 

As instituições são as mesmas, os políticos são os mesmos e não vão se moralizar da noite para o dia. Sendo assim, o que mudou? A sociedade. O que disse na tribuna nesta segunda-feira, 9, é que a sociedade está saturada, cansou, e agora manifesta seu descontentamento. E o Senado entendeu, tanto que o Conselho de Ética, que não funcionava há 7, 8 meses e ninguém fazia nada, com denúncias sendo arquivadas pelo seu presidente sem ninguém tomar conhecimento, já está se mobilizando para as apurações. E agora, ou o senador Demóstenes apresenta uma defesa consistente ou sua situação ficará grave.

 

Correio da Cidadania: E o que pensa das gestões, a atual e as futuras, de nossos Executivos diante deste cenário político em que mandatários são feitos de quase reféns?

 

Pedro Simon: O primeiro passo vem da presidência da República. Dilma já teve uma atitude que FHC e Lula não tiveram, como se viu, volto a dizer, no Ministério dos Transportes, quando teve uma atitude firme. Deixou uma pessoa que considera técnica e de sua confiança, perdeu um aliado de um partido que tem sete senadores e não mudou de posição, o que é muito bom se continuar assim.

 

O Supremo viverá um momento muito bom. Se pegarmos a entrevista dada pelo presidente do STF (Carlos Ayres Britto) às páginas amarelas da Veja, veremos que se abre um momento sensacional. O momento mais bonito do Supremo será vivido nesses próximos sete meses. E o Congresso Nacional virá atrás. Ou seja, se a sociedade continuar agindo e pressionando, faremos nossa parte.

 

Correio da Cidadania: Ao lado da pressão social, o que poderia incidir em um tal cenário de forma a começar a reverter a realidade política tão promíscua e medíocre? Uma reforma política seria um caminho?

 

Pedro Simon: Infelizmente, neste momento não acredito em reforma política. Perdemos a chance de fazê-la no ano passado, que era o grande ano. Se o que está acontecendo agora tivesse ocorrido no início do ano passado, teríamos chances maiores, a coisa seria diferente. Agora não há mais chances, pois, daqui a pouco, começa a campanha política e, logo mais, não haverá sequer quorum para votações.

 

Acredito, portanto, que perdemos, lamentavelmente, uma chance, pois o Congresso não quer reforma nenhuma. Quer continuar como está: o presidente da República é o rei, os governadores têm de negociar muito com ele, prefeitos têm de chegar de pires na mão e assim fica tudo muito cômodo.

 

Tampouco querem fazer a reforma tributária, que valorize estados e municípios; a União não quer fazer. E o Congresso não quer saber de reforma política, pelas mesmas razões basicamente. Imagina se querem votar uma reforma profunda, que os impeça de indicar quem quiserem para cargos, usar só verba pública de campanha, fidelidade partidária... As emendas que saem daqui para reforma política são piores do que aquilo que já existe.

 

Lamentavelmente, neste Congresso, não acredito em nada nesse sentido.

 

Correio da Cidadania: O que seria, de todo modo, uma reforma política efetiva em sua opinião, quais seriam as medidas mais essenciais para tentar inverter a nefasta rota hoje predominante?

 

Pedro Simon: A fidelidade partidária é um item; a seriedade na criação de partidos, para não existirem 40 partidos como temos hoje, mas somente aqueles que possuem solidez, é outro; também cito o voto distrital, que define o mínimo necessário para um partido eleger seus nomes; a reforma econômica, ou seja, um novo pacto federativo é um ponto importante, restabelecendo novos papéis para União, estados e municípios; as questões que versam sobre a impunidade na corrupção também. São esses os pontos que considero mais fundamentais.

 

Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

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