Brasil: lugar perigoso de viver?

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Maria Clara Lucchetti Bingemer
08/08/2007

 

 

Nada devolverá à família da pequena Alanis, de dois anos de idade, morta no trágico acidente da TAM, vôo 3054, a alegria de seus olhinhos e sorriso.  A vida de Alanis, assim como a de seus pais, foi tragicamente interrompida pelo brutal acidente que fez o avião atravessar a avenida e explodir ao chocar-se contra o prédio da própria empresa.

E assim como Alanis outros: crianças, jovens, adultos e idosos que viviam e gostavam da vida.  Nada os devolverá ao convívio com suas famílias e entes queridos. Apenas a fé em Deus, que não deixa perecer para sempre nenhum dos seus, pode confortar a estes que têm de acordar todo dia e sentir no peito a dor que não passa e o vazio que jamais será preenchido.

Os mortos se fazem presentes pela comunhão dos santos e a saudade que não permite esquecê-los. São recordados na memória inolvidável dos momentos vividos e essa recordação pode ser carregada de consolo pelo fato de não sofrerem mais e gozarem da paz que nunca termina na visão eterna do Criador. Não impede que a dor seja imensa e profundamente injusta. Não morreram por chegarem ao termo de seus dias. Suas vidas foram interrompidas por uma série sem fim de incompetências, negligências e omissões criminosas.

E, no entanto, é preciso cuidar dos vivos.  Embora a fé nos diga que a vida é eterna e a morte apenas uma passagem para uma vida mais plena, a interrupção da vida antes da hora é sempre uma injustiça que afeta a dignidade humana e também o coração de Deus.  Já o poeta João Cabral de Melo Neto cantava o drama da “vida severina”, interrompida “de emboscada antes dos 20, de velhice antes dos 30, de fome um pouco por dia”.

O Brasil de hoje parece estar reinventando novas e sofisticadas formas de “vida severina”.  Viver em nosso país passou a ser sinônimo de perigo. Abençoado por ausência de abalos sísmicos e tsunamis que ceifam num minuto milhões de vidas; de flagelos comuns a outras latitudes como temperaturas baixíssimas e frios inclementes; por inexistência de vulcões, o Brasil está se tornando muito perigoso para a vida humana.

Em nossas grandes cidades, pacíficos cidadãos não podem sair às ruas para exercer seu direito de caminhar com um mínimo de segurança.  Espera-os a cada passo a bala perdida no tiroteio entre o traficante e a polícia, o ataque do assaltante que leva seus bens e sua vida, o mau estado das ruas que lhes ameaça a integridade física, a irresponsabilidade dos condutores de veículos, moto ou carro ou o que for.

Agora ficou perigoso também andar de avião.  Ler o conteúdo da gravação dos últimos segundos da agonia dos pilotos do vôo 3054, onde se pode verificar que o Airbus voava lotado de passageiros com todos os instrumentos de pouso em decomposição e falência de funcionamento nos apavora.  E ouvir as declarações dos responsáveis mais ainda.  Nelas ouvimos prazos longínquos.

Senhores, a vida não espera, não pode esperar.  É frágil como o sopro e desprotegida como uma flor de jardim.  E ao mesmo tempo grande e preciosa como uma montanha florida.  Assim era a vida de Alanis.  E de outros que se foram prematuramente no fatídico 17 de julho.  

O povo brasileiro aguarda, trêmulo de pavor.  Os perigos de viver no país parecem começar a apontar-lhes o caminho da emigração para outros pontos do planeta.  Ou então o confinamento cada vez maior em suas residências, onde nem por isso estão a salvo das balas perdidas que também penetram aí.  O direito de ir e vir nos está sendo silenciosamente cassado.  Começamos a ter que escolher entre este ou a vida.  É realmente uma escolha de Sofia: violenta, agressiva e pouco ética.

 

 

Maria Clara Lucchetti Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor” (recém-lançada, Ed. Rocco), entre outros livros. (http://www.users.rdc.puc-rio.br/agape)

 

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