Anestesia Social e locupletação das elites

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Raymundo Araujo Filho
23/12/2011

 

“Para que chorar o que passou
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
renascerá em outros corações”

Luzes da Ribalta (Limelight), Charles Chaplin


Todos aqueles que receberam um mínimo de impressões corretas sobre a realidade dos povos sabem que o mecanismo mais usado, ao longo dos tempos, para manter o poder econômico das elites sobre as classes de trabalhadores e pobres em geral estimula a alienação, através do bombardeio, pelos meios de comunicação, de imprecisões, quando não verdadeiras mentiras, sobre a realidade que nos cerca.

 

Alguns que enchem a boca e o peito com seus “ismos” originados na Europa, através, é verdade, de muitas lutas, mas também de muitas guerras e disputas fratricidas, crêem que a luta de classes se inicia a partir dos escritos de Karl Marx, esquecendo-se eles que o ilustre personagem teve o mérito de, ao analisar a história dos povos e do capitalismo industrial, que mal surgia na Europa do século XVIII, colocar algumas questões importantes para a idade moderna. Não foi o único, mas apenas aquele ao qual as burocracias ideológicas mais se adaptaram.

 

Da descrição de Êxodos na Bíblia Sagrada aos anarquistas contemporâneos de Marx, muitos tiveram a mesma percepção (e não precisamos ser religiosos ou anarquistas para vermos isso), mas a inconseqüente luta fratricida pelos instrumentos de poder, e não pela luta de classes em si, concedeu a alguns (talvez os mais cruéis e anti-humanistas) o monopólio desta chamada luta de classes, agindo muitas vezes com a mesma violência irracional (ou a favor de interesses mesquinhos) que criticavam em seus oponentes.

 

Pessoalmente, desde a infância e mais ainda na maturidade (ou idade mais avançada, ao menos), aprendi a reconhecer em quem tem outras referências culturais, que não aquelas que me formaram de maneira mais cotidiana, muitas vezes as mesmas intencionalidades e percepções sobre as coisas, suas origens e o desenvolvimento da história da humanidade, o que me impediu de arrotar arrogantemente as minhas referências como as mais “completas” ou “certas”. Aprendi a ter vergonha da SOBERBA, desde a tenra idade.

 

Por isso, talvez, eu tenha aprendido muito da minha profissão de veterinário com gente que nunca cursou os bancos universitários e nunca usou jaleco. Talvez por isso, eu tenha me tornado um veterinário homeopata e especialista em plantas medicinais, coisa que não se aprende naquelas masmorras universitárias, verdadeiros shoppings “bloomingdales” do comércio das ciências, que nada têm a ver com “avanço das ciências”.

 

O querido amigo já falecido, com quem pude privar de boas jornadas no Rio Grande do Sul, o professor José Lutzemberg (o maior ecologista do século XX) foi processado pelo conselho de agronomia por ter declarado que “os agricultores estariam em bem melhor situação se não tivessem existido os engenheiros agrônomos”. O processo extinguiu-se com a sua morte, muito entristecido que estava pelo fato de o pessoal do PT de lá ser o único grupo no mundo que o reconhecia como “ex-ministro de Collor” e não como o maior cientista do século XX em sua área.

 

Pra quem hoje tem sarney, collor, jader barbalho e renan calheiros como “tropa de choque” da aventura Lullo-Dillmista-Petista-PMDBista, que já vai para nove anos de entrega do país, até que não foram mal, os sacripantas petistas.

 

Assim, na política não poderia ser diferente, na relação entre os “especialistas” e o povo em geral, da mesma maneira que, como nos legou nosso geógrafo maior, e tão excluído de sua comunidade acadêmica “uspiana”, o professor Milton Santos (agora, já falecido, todos dizem respeitá-lo...), “hoje as inovações tecnológicas não vêm mais das necessidades identificadas na sociedade, mas sim das necessidades comerciais e de domínio das corporações capitalistas”. Tal noção também foi expressada pelo engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro, no prefácio de meu livro A Arte e Ciência da Criação de Animais Sem Drogas ou Venenos (desculpem a propaganda...).

 

O desenvolvimento da luta pelo poder, e não exatamente da luta CONTRA as elites econômicas, tal como o uso do cachimbo, através dos tempos deixou muita gente com a boca torta, ou a fim de calar a boca de muitos outros que divergiam.

 

Assim, chegamos ao nono ano desta aventura de poder exercido por aqueles que hegemonizaram uma experiência, o PT, que nascera com alguma força popular (mas natimorta pelo seu modelo europeu, imposto a nosotros ao sul da linha do equador como se fosse o modelo adequado a nossa trajetória histórica). Tornaram-se “especialistas” em política, aliás, má política. Aquela puramente corporativa, aonde grupos com interesses paroquiais vão se formando em torno, por cima e por debaixo, dos nacos de poder, este advindo, é lógico, da exploração da força de trabalho, aqui muito bem representada pelos impostos pagos desigualmente por pobres e ricos (em clara vantagem para os ricos), pelos baixos salários recebidos pelos trabalhadores e pela exclusão social de largas faixas da população.

 

O Bolsa Família definitivamente não inclui ninguém, ou não seria gestado pelo Consenso de Washington (ler Henry Kissinger e sua “receita” escrita, em 1982, de políticas compensatórias para a América Latina). Finalmente, tal política se apresenta ainda na supressão de direitos históricos, aliás, pelos quais se iniciaram memoráveis jornadas de lutas e acontecimentos, como A Comuna de Paris (de cuja memória histórica a maioria dos que se dizem de esquerda no Brasil foge, como o diabo foge da cruz), além de tantas outras que dignificam a espécie humana, apesar de seus detratores (um pouco de luz nas trevas atuais).

 

Assim, a estes que traem o povo pelo qual dizem lutar “diuturnamente”, não restou outro mecanismo, não mais para incentivar a luta de classes, mas para manter privilégios de uma burocracia perversa, formada na e pela conquista pura do poder, mal formando jovens de 30 anos atrás, hoje velhos e carcomidos burocratas, conservadores e, por que não, fascistas modernizados pelo discurso da remota lembrança de suas lutas contra a ditadura militar, em armas. Esquecem-se de que muitos outros também travaram a mesma luta, de forma muito mais massiva, sem precisar de arroubos típicos de pequenos burgueses intelectualizados, que foram incentivados a pegar em armas pela ditadura militar a serviço do imperialismo e do capital, que por sua vez queriam, na verdade, ter a desculpa para exterminarem o que realmente os ameaçava: o movimento operário autêntico e suas organizações classistas, “independentes do Estado, das igrejas e dos partidos políticos”, nas palavras de Waldemar Rossi na abertura da homenagem à Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, no dia 15 de outubro de 2011, no Memorial da Resistência (antigo DOPS de São Paulo).

 

Que cada um, neste fim, não dos tempos (ainda), tenha a dignidade de identificar os impetrantes ou vítimas da Anestesia Social em favor da locupletação das velhas e novas elites que se formaram nestes últimos 30-40 anos, uns acumulando dinheiro e poder, outros apenas servindo subalternamente aos assassinos econômicos e sociais que estão aí, rindo à toa.

 

Privatizar, dizendo-se contra as privatizações; envenenar, dizendo-se contra os venenos nos alimentos; concentrar terras nas mãos de cada vez menos famílias, dizendo-se a favor da Reforma Agrária; praticar o arrocho salarial, dizendo-se a favor da classe trabalhadora; negar mísero aumento salarial para aposentados e pensionistas, exterminar a saúde e a educação pública de qualidade, exportar produtos primários e importar industrializados, dizendo-se desenvolvimentistas; praticar acordos espúrios com a linha dura militar, dizendo instalar uma Comissão da Verdade; esquecer a data do AI-5 (além de um, meu, NENHUM outro foi escrito sobre o triste episódio neste 13 de dezembro, ao menos no Brasil - ou Brazil?); e tantas outras técnicas, talvez herdadas de Goebbels (leiam Os Filhos de Goebbels), mesmo que alguns ainda não saibam a origem de suas práticas perversas na sociedade.

 

Assim, prezados leitores deste artigo direcionado para uma retrospectiva sobre 2011, espero que, ao comerem as suas rabanadas natalinas, olhem bem para as crianças reunidas e felizes em suas casas, e pensem que país estão a construir para elas, além de pensarem um pouco nos filhos da exclusão social em curso que envergonha religiosos e ateus, como este escriba revoltado com o que vê e se obriga a analisar.

 

Raymundo Araujo Filho é médico veterinário homeopata e dedica este artigo a Waldemar Rossi e Maria Célia Vieira Rossi e a todos aqueles que não traíram a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, aos movimentos comunitários autênticos e à tarefa de construirmos um país e um mundo melhor e justo.

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