Correio da Cidadania

Questões para o MST (2)

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É bastante conhecida a passagem em que Marx cita o "cercamento dos campos" na Inglaterra, possibilitando a expulsão dos camponeses e sua substituição por carneiros para a produção de lã. Os trabalhadores expulsos iriam para as cidades trabalhar nas fábricas, muitas vezes produzindo casacos de lã cuja matéria-prima advinha dos carneiros que os substituíram no campo.

 

Este exemplo demarca a história do capitalismo. É um sistema mercantil, que se centra na produção de mercadorias, e não no ser humano. Assim, todos os países que desenvolvem a reprodução do capital tendem a expulsar os camponeses ou, quando muito, integrá-los ao sistema. Hobsbawn em seu conhecido livro "A Era dos Extremos" afirma que a urbanização foi a mais importante mudança deste século, pois, até meados do século XX, praticamente todos os países do mundo ainda mantinham uma população rural bem superior à população urbana. No fim do século, mesmo os países periféricos e "rurais" conhecem uma impressionante migração campo/cidade. Diz: "A mudança social mais impressionante e de mais longo alcance da segunda metade deste século, e que nos isola para sempre do mundo do passado, é a morte do campesinato". (p.284).

 

E assim caminha o capitalismo. Quanto mais o capital adentra em nações para a sua reprodução, menos necessita do trabalhador no campo. No mundo atual, os países considerados "mais atrasados para os padrões capitalistas", como países africanos, asiáticos ou latino-americanos, são os que apresentam uma maior população camponesa.

 

O Brasil vem conhecendo este fenômeno há algum tempo. Fazendo um recorte para o período JK, veremos que a proposta de "cinqüenta anos em cinco" já havia levado a uma grande migração campo/cidade. O período militar radicalizou com sua proposta de "modernização conservadora", "conquista de fronteiras" e "apoio ao agronegócio".

 

Todos estes governos se propunham a "desenvolver" o capitalismo no Brasil e, consequentemente, "urbanizar o país".

 

Nas últimas décadas, o capitalismo mundial tomou novo formato, com a sua reprodução neoliberal. O agronegócio estava consolidado. Mesmo setores de esquerda começaram a crer que a reforma agrária não seria mais necessária. É neste momento que entra em cena o MST, dizendo que existiam trabalhadores querendo terras e que poderíamos ter um projeto de país que os incorporasse. Não era necessário seguirmos o modelo do capitalismo mundial que elimina os camponeses ou os submete. Assim, o MST torna-se um dos mais importantes e criativos movimentos não só pela defesa da reforma agrária, mas também ao questionar o capital e propor um modelo de país em que os camponeses teriam um importante papel.

 

Porém, o capital possui diversas formas de se reproduzir. E a reprodução não acontece apenas no campo da economia, mas também, e concomitantemente, da política. Governos marcadamente neoliberais, como o de Collor ou FHC, foram substituídos por governos liberal-sociais, como o de Lula/Dilma. Se o governo FHC trazia para a cena a luta de classes, com praticamente toda a esquerda se mobilizando contrariamente, nos governos Lula e Dilma a confusão foi instaurada. Muitos movimentos de trabalhadores ficaram desorientados e passaram a fazer análise de "governo em disputa", ou "governo de coalizão de classes", quando claro estava que a única coalizão nos governos Lula e Dilma era a coalizão da classe burguesa.

 

Assim, novamente insisto para que discutamos, no campo da esquerda, estas questões.

 

Não existe reforma agrária capitalista, a não ser para submetê-la ao projeto do capital. Se os trabalhadores querem um projeto autônomo e socialista, devem se organizar para disputar a luta de classes contra os setores do capital incrustados nos meios de produção ou nos governos. A denúncia e a luta contra o capital, representado por capitalistas ou por governos, deve ser o principal objetivo dos socialistas. Coalizões com governos menos ruins ou mais ruins apenas interessam à reprodução do capital. Proponho que discutamos estas questões com franqueza.

 

Leia também:

 

Questões para o MST (1)

 

Antonio Julio de Menezes Neto é sociólogo, doutor em Educação e professor na UFMG.

 

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Comentários   

0 #2 ComentárioPaulo Henrique 22-04-2011 23:26
Antonio Júlio, mais uma vez vc acerta na discussão que promove com seus textos. Um abraço cordial, Paulo Henrique
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0 #1 Abril AnêmicoRaymundo Araujo Filho 21-04-2011 21:32
Sinto-me recompensado em ver que setores REALMENTE de esquerda fazem, como venho fazendo há muito tempo (mas muito tempo MESMO) um contraponto crítico aos dirigentes dos Movimentos Sociais e Sindicais, que não são nem Anjos nem Demõnios, apenas são pessoas com suas capacidades de análises e interesses pessoais, coletivos e corporativos, aliás, como qualquer um de nós (a corporação que defendo é dos SEM CORPORAÇÕES).

Assim, o prof. Antônio Julio nos brinda mais uma vez com um artigo que aponta para mais algumas questões cruciais que devem pautar a eleboração de táticas e estratégias do MST e demais Movimentos Sociais do Campo.

Por não fazê-las, talvez por já estarem entregues aos interesses mais mesquinhos que seduzem muitos dirigentes, é que os Sindicatos, com suas Federações, Regionais, Municipais, Coletivos unificados e sei lá mais o quê, na questão de Rebelião em Jirau, por exemplo, apenas variaram entre o fascista “voltem ao trabalho (pra que patrão com sindicalistas destes?)” e o “estamos aqui para garantir os trabalhadores”.

Foi o que se viu: Perseguições a quem se meteu a besta contra os patrões e o governo e DEMISSÃO em massa. Calabar está em voga...

O estilo do prof. Antônio Julio é competente, educado, mas firme e incisivo. Mas, mesmo assim, recebeu críticas baixas, apenas adjetivas e, como a mim, foi “mandado” para a “militância real”, como se idiotas fôssemos.

O meu estilo é um pouco diferente do prof., visto eu não ter vínculos institucionasis a preservar (e não recrimino quem os tem) e, talvez por ele ter escutado mais os seus pais do que eu, no quesito educação. Eu, como sabem, muitas vezes deixo a educação de lado (embora aqui no Correio eu tente me “comportar” muito bem...), pois li certa vez que “bem educado é aquele que só é MAL educado, quando quer”. Assino em baixo.

Assim, venho escrevendo sobre os desvios estratégicos, táticos, além dos desvios de conduta por parte de dirigentes do MST (às vezes criminosos, como a falcatrua da exclusão de filhos de agricultores do PRONERA MG, e da AMEÇA DE MORTE E PERDA DO EMPREGO do companheiro Julio Castro, por ter feito a denúncia. E, muitas vezes sem me obrigar a ser bem educado, aliás, coisa que aprendi com o próprio stédile. Só que ele faz bravatas, e eu não. Eu gosto de matar a cobra e mostrar o pau.

Portanto, para que o debate aqui no Correio da Cidadania seja substantivo, aviso a estes “adjetivadores sem conteúdo”, que as imprecações vazias e “conselhos” sobre o que cada um deve fazer (se fossem bons, seriam vendidos e não dados), terão respostas a altura da infâmia, ficando a moderação da página com a difícil tarefa de publicar ou não. Na marra e sem respostas à altura, aqui não passarão!

Mas, no papo, no bom papo, podemos tudo....até divergir. Fica o aviso.

A questão do MST que temos colocado em pauta (e não sem prejuízos pessoais (para aqueles que pensam que eu vivo a vida flanando), tem tudo a ver com o que a “brilhante” direção do Movimento, stédile a frente, propôs como caminhos a seguir. Isso sem contar os desvios contumazes e corriqueiros, muito próprio de quem se acostumou a dirigir os outros, como os aristocratas gostam e fazem.

E, este abril Vermelho de 2011 não me deixa mentir, após conseguir nomear o presidente do INCRA, o MST foi ocupar a secretaria de agricultura da Bahia, recebendo 600 Kg de carne de segunda por dia (para os ricos, o governador Jaques Wagner “Love” dá fié mingnon) para, após alguns dias desta propaganda do governador “dando comida a quem tem fome, pois são nossos aliados, os Sem Terra”, o MST “levanta a ocupação”, com seus dirigentes dizendo-se satisfeitos com as propostas feitas pelo bondoso governador, após audiência, com a chegada deste, da China.

Parece até que foi tudo combinado.

E a Reforma Agrária? Vai mal obrigado....

P.S. - Depois não querem que eu reclame!
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