‘Reitoria da USP despreza civilidade republicana’

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Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação
22/06/2010

 

Em greve desde o dia 5 de maio, funcionários da USP continuam acusando a reitoria das três principais universidades do estado (USP, Unicamp e Unesp) de total aversão ao diálogo. Decorridos quase 50 dias da paralisação, não se conseguiu sequer o início de conversas sobre o reajuste salarial. Após a concessão de aumentos diferenciados a docentes e funcionários, feriando a isonomia acordada em 1991, deu-se início à greve dos funcionários e, posteriormente, cortou-se o ponto dos mesmos, o que os deixou sem o salário de maio.

 

Para tratar do fato que por diferentes circunstâncias ocorre pela terceira vez em quatro anos, o Correio da Cidadania conversou com João Zanetic, presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp). O professor de física diz que esperava um diálogo mais civilizado, pois os representantes dos trabalhadores já tentavam iniciar as tratativas em fevereiro e só foram atendidos após três meses. O corte arbitrário do ponto foi o estopim, sendo revidado com a tomada da reitoria.

 

E para melhor elucidar o comportamento dos reitores, Zanetic traça o paralelo com outros recentes movimentos de reivindicação, igualmente tratados como irrelevantes pelo governo, que não aceita sentar e negociar, preferindo sempre acusar os trabalhadores de estarem fazendo política.

 

Como de costume, a mídia rema para o mesmo lado e corre atrás de manifestantes encapuzados, fingindo não existir retaliações a lideranças. Alimentando a eterna espiral de criminalização dos movimentos sociais e de trabalhadores, simultaneamente sufoca os espaços de expressão dessa parcela.

 

Correio da Cidadania: Temos presenciado nos últimos anos várias manifestações nas universidades públicas, principalmente com ocupação de suas reitorias por funcionários, alunos e também professores. A USP tem sido um dos maiores palcos dessas ocupações, a atual distando da anterior, em 2009, em menos de 1 ano. Como você enxerga este momento?

 

João Zanetic: Esse é um momento em que temos nossa negociação de data-base, sempre no primeiro de maio. No mês de janeiro, nós do Fórum das 6 (entidade que agrupa professores e funcionários das 3 universidades) começamos a negociar. Neste ano em particular, face ao comportamento intransigente visto nas últimas negociações, decidimos construir uma pauta que nos permitisse, já em meados de maio, ter uma negociação de reajuste concluída, incidindo nos holerites do início de junho.

 

Infelizmente, os reitores foram totalmente intransigentes. O primeiro ofício que mandamos ao Conselho de Reitores foi em 12 de fevereiro, solicitando que antecipassem a negociação para entre 19 e 23 de abril. Infelizmente, isso não aconteceu, pois eles não responderam, o que só fizeram em 11 de abril, marcando para maio a primeira reunião.

 

E na primeira reunião, em 11 de maio, tivemos na verdade uma não negociação. Houve uma conversa muito ríspida, principalmente por parte do presidente do CRUESP (Conselho dos Reitores das Universidades do Estado de São Paulo), que abafava os interlocutores do Fórum das 6, dizendo que o reajuste de data base seria de 6,57%, quase 1,5% acima da inflação do período, e que os 6% que em março eles haviam anunciado como reajuste aos docentes (ora como equiparação com os docentes das federais, ora como reestruturação de carreira) não seriam, como queria o Fórum, extensivo aos funcionários.

 

Foi por conta disso que se criou o embate. Os docentes tiveram os 6% mais os 6,57%, portanto, 12,57%, enquanto que os funcionários apenas 6,57%. A partir daí, o Fórum das 6, por conta da isonomia salarial prevista desde o acordo de data base de abril de 1991, tem como reivindicação a busca dessa isonomia.

 

Por conta disso, houve o que eu chamaria de crônica de uma ocupação anunciada, provocada pelo CRUESP e construída pelos reitores das universidades, especialmente os reitores da USP e da Unicamp (João Grandino Rodas e Fernando Ferreira Costa, respectivamente).

 

Correio da Cidadania: No que se refere tanto ao grau de adesão alcançado por parte de funcionários, alunos e professores e às pautas que estão em questão, o que pensa desta atual ocupação à luz da anterior? Conseguirá avanços em relação ao que vimos em 2009?

 

João Zanetic: Dessa vez é diferente, a ocupação é de funcionários. A deliberação da ocupação veio da assembléia do Sindicato dos Trabalhadores da USP, correspondente aos funcionários. Podem-se encontrar alguns docentes ou estudantes lá, mas foi o comando de greve que deliberou pela ocupação. E ela nem se deu pela reivindicação do reajuste, mas em função de o reitor da USP ter decidido descontar o salário dos funcionários no holerite de março. Cerca de 1000 funcionários tiveram a maior parte de seu salário descontada e por isso veio a ocupação. Ocupação que não decorreu, portanto, da negociação de data-base.

 

Correio da Cidadania: Parte da mídia tem ressaltado aspectos negativos das manifestações, particularmente no que se refere à presença de ‘encapuzados’. Se, por um lado, o governo do estado teria reagido com violência descabida em vários momentos, os encapuzados realmente configurariam um ‘ato de vandalismo’ da ocupação atual. O que pensa disto? Por que alguns têm se manifestado dessa forma?

 

João Zanetic: As fotos que publicam é aquilo: ‘vovó mordeu o cachorro’. Sabe-se lá se por medo de retaliações, encontra-se um funcionário caracterizado dessa forma e já se coloca a pecha de encapuzado.

 

Por conta da deliberação da diretoria da ADUSP (Associação de Docentes da USP) de transmitir aos funcionários o andamento das decisões das assembléias ou da própria diretoria, tive a oportunidade de entrar lá e conversar com o comando de greve. E não vi nenhum encapuzado.

 

Assim, de novo, a mídia, como no caso da greve dos professores da educação básica, faz o papel que lhe interessa enquanto meio de comunicação próximo aos interesses do capital, isto é, opondo-se quase sempre às greves. Na greve do Judiciário foi a mesma coisa, nunca havendo um tratamento simpático aos movimentos e nunca sendo imparcial também.

 

Aliás, quanto a nós professores, como já ocorreu em outras oportunidades, a possibilidade de expressarmos nossa posição por meio da mídia é complicada, raramente conseguimos publicar artigos na página 2 do Estadão ou na página 3 da Folha.

 

Correio da Cidadania: Há algum tipo de interlocução com o governo do estado?

 

João Zanetic: Não há esta interlocução. Nosso contato é com os reitores, pois a universidade tem a autonomia do uso dos 9,57% do ICMS arrecadado pelo estado. Dessa forma, a negociação é com o Conselho de Reitores.

 

E até aqui não houve diálogo, só intransigência. Data base significa negociação com os reitores, como permite a autonomia universitária, mas estes se comportam de fato como patrões de empresa.

 

Não dialogam com os sindicatos e acordo de data base pressupõe um acordo eficaz, atendendo total ou parcialmente às reivindicações, mas de toda forma dialogando, o que até agora não ocorreu.

 

Isso tudo se soma ao fato de o reitor da USP ficar propalando inverdades em seu generoso espaço da mídia (coisa que não tivemos), aterrorizando a população com seu discurso, chamando os ’40 milhões’ a se manifestarem, como se toda a população do estado fosse se manifestar como deseja o reitor.

 

Correio da Cidadania: Relativamente à antiga gestão de Suely Vilela na reitoria, a atual apresentaria, todavia, algum sinal mais positivo?

 

João Zanetic: Não, não apresenta nada. Creio que a Suely vai deixar saudades em relação ao Rodas. Pelo menos é o que temos visto. Não há diálogo nenhum, ele vai na mídia e chama a Cidade Universitária de terra de ninguém... Uma afirmação no mínimo irresponsável.

 

Correio da Cidadania: Como pensa que vai encerrar-se esse novo momento de reivindicações? Quais as pautas colocadas pelos funcionários que considera mais pertinentes e qual a chance de serem atendidas?

 

João Zanetic: Ainda estamos tentando negociar nossa reivindicação de data base, de 16% mais uma parcela fixa para diminuir a distância entre os menores e os maiores salários na universidade; depois, apresentamos uma contraproposta de 12,9%, porém extensiva aos funcionários.

 

Ou seja, recuamos da proposta original, mas os reitores não fizeram movimento algum de atender às reivindicações isonômicas entre funcionários e docentes das três universidades paulistas.

 

Solicitamos uma nova reunião, estamos fazendo pressão, no dia 16 houve um ato na Unicamp... E estamos no impasse até agora.

 

Correio da Cidadania: Acredita que tenderão a crescer as tensões caso se mantenha esse modelo de gestão das universidades, incluindo a maneira como se escolhem reitores ou se formam conselhos?

 

João Zanetic: Isso é difícil de dizer. Pensávamos que nesse ano conseguiríamos estabelecer uma negociação civilizada. Mas isso não ocorreu. Quem quebrou o andamento...

 

Se numa negociação de data base, reconhecida pelos dois lados, pois foi assinada em abril de 1991 pelo CRUESP e o Fórum das 6, não se responde por três meses ao ofício enviado, é porque estão desprezando a civilidade republicana, que prevê acordo. Se, além de tudo, ao nos manifestarmos, nos ignoram e marcam uma data arbitrária, põem uma pedra nessa civilidade.

 

Em negociação de data base você tem de estabelecer, de fato, uma negociação. É simples. Não adianta só ficar em conversa e não negociar.

 

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

 

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