O discurso estreito de Serra

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Wagner Iglecias
13/04/2010

 

Em qualquer eleição um candidato que pretende vencer tem de buscar ampliar, ao máximo, o arco de forças políticas que o apóiam e as faixas do eleitorado que aprovam suas propostas. Posto isto, cabe a pergunta: a quem José Serra quis se dirigir quando, no lançamento de sua pré-candidatura à presidência da República, atacou as "falanges do ódio" e declarou em alto e bom tom que quer ser o "presidente da união"? Num discurso pouco empolgante, mas muito duro, pareceu querer colar no PT e no governo Lula a pecha do sectarismo e da divisão do país entre ricos e pobres, e arrematou afirmando que, "quanto mais mentiras os adversários disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles".

 

Será esta a estratégia mais correta para alguém que terá de enfrentar um governo que alcança mais de 70% de aprovação popular e tem prestígio em todas as classes sociais, segundo as pesquisas de avaliação? Será que os diversos setores empresariais das finanças, da indústria, do comércio e do agronegócio que aprovam o governo Lula vêem o Brasil hoje imerso numa luta entre ricos e pobres? Será que esta percepção de falta de união nacional existe entre a legião de brasileiros que ascenderam à classe média nos últimos anos?

 

Fernando Collor dizia que com seu governo pretendia deixar a direita indignada e a esquerda perplexa. Collor, como se sabe, fracassou em sua tentativa, e quem de fato conseguiu aquele feito foi Lula, por mais incrível que isso pudesse parecer há alguns anos. O demo-tucanato parece ter dificuldades de admitir que o PT e o governo Lula não dividiram o país. Ao contrário. O governo petista mostrou-se mais competente que o consórcio PSDB/DEM para administrar o capitalismo brasileiro, para desgosto da direita oposicionista e da esquerda socialista hoje abrigada nos pequenos partidos que surgiram de rupturas com o PT. Goste-se ou não, Lula promoveu uma revolução capitalista durante seu mandato e uniu boa parte do país em torno da produção, do crédito e do consumo, sobretudo pela incorporação de milhões de brasileiros pobres à economia. Não é a toa que chega ao fim de seu segundo mandato com altíssimos índices de popularidade, ao mesmo tempo em que grandes grupos empresariais multiplicam seus lucros e o povão consome como nunca consumiu.

 

Amplos estratos da base e do topo da pirâmide social brasileira estão se dando bem com este governo, ao passo que quem realmente não o tolera são alguns setores médios da população. De fato, certa classe média hoje no Brasil é movida por uma combinação de sentimentos que a faz sentir-se perdedora sob o governo Lula: a sensação de injustiça na relação custo/benefício entre tributos pagos e serviços públicos recebidos; a experiência de ver na ascensão dos brasileiros pobres a elevação do custo dos serviços que estes historicamente sempre lhes ofereceram a valores irrisórios; a indignação com a corrupção na esfera pública e, finalmente, o apego crescente a velhos preconceitos sociais. Desta forma, quando Serra afirma, em seu discurso, que, "de mim, ninguém deve esperar que estimule disputas de pobres contra ricos, ou de ricos contra pobres", busca inculcar no eleitor uma polaridade que não é percebida de forma tão radical no dia a dia da maioria das pessoas, à exceção talvez daqueles segmentos de classe média que desaprovam o governo Lula.

 

O brasileiro, via de regra, é conservador, e tem sérias restrições ao discurso do "nós contra eles" ou do "rico contra o pobre". Que o diga o próprio lulo-petismo, que apostou durante tanto tempo na contraposição de classes e que, uma vez no governo, trabalhou tão arduamente pela composição entre interesses tão divergentes quanto os que compõem uma sociedade tão complexa como a brasileira. Com um discurso onde parece querer jogar o "pobre contra o rico" no colo do PT e de Lula, Serra continua falando a uma faixa estreita da sociedade, dirigindo-se apenas a seu eleitorado cativo, de classe média, do centro-sul do país e vinculado ao setor privado, por quem o português "errado" de Lula, programas como o Bolsa Família e as cotas especiais nas universidades, por exemplo, são fortemente rejeitados.

 

É perfeitamente compreensível que o demo-tucanato queira livrar-se da imagem de partido das elites e das oligarquias que o lulo-petismo tenta lhe pregar, mas em tempos de pax lulista, com bons índices de crescimento econômico, lucros recordes obtidos pelas grandes empresas e níveis de renda e consumo ascendentes entre os mais pobres, não será extemporânea e improdutiva a aposta que a oposição parece fazer nessa espécie de "luta de classes", querendo imputá-la justamente a um governo tão macunaimicamente conciliador quanto o de Lula?

 

É curiosa a estratégia do demo-tucanato. Parece que quer tentar convencer o eleitorado de que pode manter a parte boa da herança do lulo-petismo depurando-a de Lula e do PT. Para isto aposta no mote "O Brasil pode mais". E o Brasil, apostará também?

 

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP.

 

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