O ódio de classes como mística

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Roberto Malvezzi (Gogó)
06/01/2010

 

O ódio de classes como mística de luta sempre foi inaceitável para os cristãos. Recordo-me dessa questão posta por Frei Betto a Fidel Castro em seu livro "Fidel e a Religião". Não me recordo exatamente as observações de Fidel, apenas que não punha esse princípio como um dogma marxista.

 

Mas eu não falo do ódio das classes subalternas. Aliás, por mais sórdido que seja, sempre me recordo de Millôr Fernandes, quando ironizando a organização dos pobres: dizia em outras palavras que eles "nutrem um profunda admiração por seus patrões". Vi ao longo desses anos que os subalternos brasileiros – salvo os movimentos organizados - são levados mais por esse sentimento do que pelo ódio aos dominantes. Nunca me esqueço uma vez, no porto de Remanso, São Francisco, um visitante querendo uns peixes que eu pescara, que afirmava de modo contínuo: "sou motorista da família Ermírio de Morais". O ufanismo dele não era por ser motorista, mas por trabalhar na família do empresário.

 

Quero falar do ódio de classes que esses dias está sendo destilado por setores da mídia contra os pobres organizados – esse é o problema -, da revelação pública do sentimento de Boris Casoy contra os garis, de parlamentares como Caiado e Kátia Abreu, de fazendeiros que esmagam os Guaranis no Mato Grosso, do chefe do Supremo que devolveu a terra aos fazendeiros quatro dias depois de o presidente da República repassá-las aos Guaranis, assim por diante. Se havia algum pudor em esconder esse preconceito de classe, de etnia, ele não existe mais.

 

Os cristãos se alimentam do amor aos injustiçados, não do ódio aos injustos. Não é a mesma atitude. A indignação faz parte de nossas vidas, não fechamos os olhos para a realidade, não tapamos os ouvidos, não torcemos o nariz, mas não queremos destruir pessoas. Queremos superar injustiças. No jogo bruto da realidade, a distância entre um e outro pode ser a de um fio de cabelo. Por isso, o discernimento deve nos acompanhar sempre.

 

Nesse começo de ano, quando 2010 nos oferece o aperitivo do que será 2100, quando a fúria de Gaia contra os humanos chegará ao limite, além do caos ecológico, no Brasil continuaremos enfrentando o ódio de um punhado de ricos, apoiados por seus intelectuais orgânicos, que insistem em manter um Brasil rompido ao meio pelo ódio e preconceito de classes.

 

Roberto Malvezzi (Gogó), ex-coordenador da CPT, é agente pastoral.

 

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