Correio da Cidadania

Disputa pela reitoria da USP ignorou as questões essenciais ao ensino superior

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No início da noite do dia 12 de novembro, e após adiamento devido à invasão da reitoria ocorrida dois dias antes, foi concluído o processo de escolha para o cargo de novo reitor da principal instituição de ensino superior do país, a Universidade de São Paulo. O escolhido de José Serra foi o físico João Grandino Rodas, cujo mandato se estenderá até novembro de 2013. 

 

Após a votação, configurou-se a lista tríplice, formada por Glaucius Oliva, João Grandino Rodas e Armando Corbani Ferraz, recaindo agora sobre o governador José Serra o direito de escolher, sozinho, quem será o novo reitor da USP. Para falar do assunto, o Correio da Cidadania conversou com Octaviano Helene, presidente da ADUSP, a Associação de Docentes da USP, até meados deste ano, que logo esclarece que o atual processo eleitoral está longe de satisfazer as necessidades de todos que vivem a universidade.

 

Para ele, é correto pensar que a universidade encontra-se em um momento de alienação dos principais problemas da sociedade, o que se reflete na ausência de discussão durante as eleições a respeito de políticas de educação, formação de professores, investimentos em ciência e tecnologia, enfim, de todos os temas candentes da vida acadêmica. Por fim, não acredita em um mandato razoavelmente satisfatório e permeado por tais diretrizes.

 

Correio da Cidadania: Como vê o atual processo eleitoral para a reitoria da USP?

 

Octaviano Helene: É um processo complicado, pois conta com três etapas que não possuem muita relação entre si e não representa todas as partes interessadas igualmente. No primeiro turno votam o Conselho Universitário, os Conselhos Centrais e as Congregações das Unidades (que contam com participação de alunos, professores e funcionários). Depois, chega-se aos oito mais votados, que vão para o segundo turno.

 

Já no segundo turno, o processo toma outra cara. Votam só os Conselhos Universitário e Central, com pouca representatividade de docentes eleitos. Daí se forma a lista tríplice que chega às mãos do governador, que por sua vez decide sozinho quem será o reitor.

 

É um sistema eleitoral complicado e consideramos que precisa ser revisto.

 

CC: A realização de uma eleição paralela pela ADUSP, a Associação de Docentes da USP, com razoável número de votantes voluntários, e a invasão da reitoria de segunda-feira, 9/11, que impediu a realização do segundo turno, são demonstrações de que a atual maneira de conduzir a universidade e decidir seus caminhos se encontra distante dos interesses de quem vive a universidade?

 

OH: Fizemos essa eleição paralela para colocar em discussão a necessidade de democratização da universidade, entre outros pontos, como o ensino à distância, a carreira docente e pautas dos movimentos. No primeiro turno da eleição oficial, tiveram direito a voto 1925 integrantes do Conselho Universitário, dos quais 1673 são docentes. E o segundo turno acentua esse processo desigual. Por conta disso que não o consideramos representativo e fizemos uma outra votação, na qual só se podia escolher um nome, ao invés dos três que permite a eleição oficial.

 

A partir disso chegamos ao resultado que apontava a vitória do Francisco Miraglia, o que nos fez entrar em um acordo e chamar o voto nele no segundo turno da eleição oficial. O nosso procedimento envolveu setores para os quais a USP muito contribui, através de educação, ciência, tecnologia, cultura etc. Mas, com o atual processo eleitoral, as propostas políticas a esses setores não foram totalmente explicitadas. Assim, é muito comum a existência de acordos como esse que saiu de nossa eleição.

 

CC: A professora de história Zilda Yokoy afirmou que a direção da Universidade é mais conservadora hoje em dia do que em sua fundação e prova disso seria o fato de a instituição não se pronunciar a respeito de ‘assuntos essenciais’, além de ter criticado o processo eleitoral, marcado por barganhas de todo tipo entre os concorrentes. O que teria levado a universidade a esse quadro, caso esteja de acordo?

 

OH: Muitas coisas, não há um fato único. O problema é que a universidade, como disse a professora, realmente é omissa em muitas questões bastante importantes para o estado de São Paulo. Só citando algumas, pode-se lembrar a questão educacional, de política educacional, da formação de professores, da política científica e tecnológica, financiamento à pesquisa... Em nada disso a universidade como instituição tem participado, opinado, contribuído. Vejo isso como um problema muito grande, ligado ao que me referi há pouco, sobre o fato de o candidato(a) a reitor(a) não explicitar em seu programa nada que diga respeito a tais assuntos.

 

O que levou a tal quadro foi o fato de, no estado de São Paulo, a universidade pública ser muito minguada. É o estado onde a universidade pública é mais minguada, quer comparando ao total da população, quer comparando à proporção entre instituições públicas e privadas. Grosso modo, 10% dos estudantes em São Paulo estão em instituição pública. Muito menos que o segundo colocado, o Rio de Janeiro, onde a participação do setor público é muito maior. E em relação à média nacional, essa diferença fica maior ainda.

 

Portanto, o estado de São Paulo é onde o ambiente está mais privatizado. Inclusive em relação ao tamanho da população. Se compararmos o número de vagas oferecidas no ensino superior público com o número de concluintes do ensino médio, São Paulo fica em último lugar, e bem firme. Não é que disputa o penúltimo. Está em último de maneira bem afirmada. Há cerca de 20 mil vagas no ensino público superior e cerca de 450 mil formandos no ensino médio. É uma proporção descabida.

 

Dessa forma, a universidade foi se fechando, se afastando da sociedade. Foi se fechando sobre si mesma, omitindo-se de um lado e ficando comprimida pelo outro, cada vez mais restrita em suas funções.

 

CC: Como analisa a passagem de Suely Vilela pelo cargo?

 

OH: Foi uma gestão muito complicada. No início, ela recebeu apoio até de setores progressistas da universidade. Tinha sido pró-reitora de pós-graduação, tendo uma postura triste em relação, por exemplo, aos cursos pagos. E depois chegou ao ápice, que foi chamar a polícia naquele fato que todos conhecem, com os policiais entrando na universidade e batendo em professores, estudantes e funcionários, que acabaram feridos na ocasião.

 

Foi uma gestão muito, muito complicada. Esperava-se muito mais dela.

 

CC: Diante das políticas de educação que se verificam no estado de São Paulo, acredita que haja a possibilidade de uma condução e visão diferentes dos últimos anos na Universidade? Notícias como a saída do ranking da Revista Times das 200 melhores universidades do mundo não poderiam forçar reflexões?

 

OH: Aproveitando essa questão do ranking, sobre a posição das universidades brasileiras no ranking mundial, de 100, 200 ou 300 melhores, certamente as grandes (USP, UnB, UFRJ, UFMG etc.) estão entre as 500 melhores. A pergunta que cabe é se se trata de um bom ou mau sinal. No Brasil, é um mau sinal, pois significa a não expansão das instituições públicas de ensino superior. Assim, acontece que as de bom nível, capazes de oferecer alguma condição de pesquisa, com bons estudantes e infra-estrutura, vão se adensando. Porque, como os novos formados nos últimos anos não têm grupos de pesquisa, todo esse desenvolvimento no setor de pesquisa científica, tecnológica, no ensino superior de qualidade não tem por onde se espalhar, acaba ficando concentrado.

 

Portanto, no caso brasileiro, estar bem posicionada no ranking é mau sinal. Se ao invés de uma USP tivéssemos seis, toda essa densidade que a USP possui se espalharia por meia dúzia de instituições. Por conta disso, a posição das universidades ficaria ainda mais abaixo. O que seria ótimo, pois precisamos dessa quantidade de USPs na região metropolitana de São Paulo. E tal raciocínio vale também em Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro...

 

Em suma, como as universidades públicas não se expandiram, acabaram se adensando. Portanto, ocupar uma boa posição do ranking é um sinal da concentração, da não expansão do ensino superior. É por aí que pretendo puxar a questão.

 

CC: Entre os oito indicados para o segundo turno, quem te parecia mais capaz de um mandato satisfatório?

 

OH: Na consulta organizada pela ADUSP, quem ganhou a eleição, com cerca de 40% dos votos, foi o professor Francisco Miraglia. Dessa forma, presumo que levaria um programa que foi aprovado por grande parte da universidade, já que foi explicitado e ele ganhou as eleições.

 

Portanto, ele teria condições de levar uma proposta de uma universidade muito mais aberta, democrática, ampla, e que respondesse aos anseios da sociedade.

 

Gabriel Brito é jornalista.

 

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