Universidades públicas paulistas são o novo alvo da 'abordagem fiscalista'

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Valéria Nader
11/05/2007

 

O sucateamento da educação no Brasil, desde os níveis básico e fundamental até o ensino universitário, e nos âmbitos público e privado, é um dos dados mais assustadores de nossa realidade. Desde escolas primárias sem luz elétrica até a proliferação de universidades privadas, verdadeiras indústrias do ensino, voltadas aos objetivos do mercado e sem qualquer interesse em aprofundar o conhecimento e a cidadania de seus alunos, o cenário é desolador.

As inquietações podem se aprofundar na medida em que nos detemos na pesquisa de algumas atitudes concretas que são tomadas no enfrentamento dessas anomalias. Atendo-se, em primeiro lugar, a uma abordagem meramente quantitativa, enquanto os gastos com juros no ano de 2006 somaram 160 bilhões de reais, a proposta de orçamento para a Educação previa, no final do ano passado, um crescimento de 15,7%: de R$ 17,3 bilhões em 2006 para R$ 19,9 bilhões em 2007.

Extrapolando-se essa abordagem para uma visão qualitativa, a situação não parece melhor. Quando se trata de políticas sociais, o que se percebe são governos que, em seus diversos níveis, municipal, estadual e federal, não adotam um enfoque universalizante na solução das distorções, preferindo agir focalizadamente sobre as conseqüências de problemas que são históricos e estruturais.

Não faltaram, nesse sentido, a título de ilustração e de posteriores análises, críticas ao programa recentemente lançado pelo governo federal, o PAC da Educação, tido por vários estudiosos como muito voltado à busca de resultados e tendente ao incentivo de uma competição despropositada e pouco produtiva por recursos.

Investida contras as universidades paulistas

Em meio a essa realidade, as universidades públicas paulistas - que, a partir do final da década de 80, passaram a gerir seus orçamentos autonomamente, possibilitando-lhes estabelecer as suas próprias prioridades, produzindo conhecimento e racionalizando custos ainda que diante da crescente exigüidade de recursos - começaram o ano de 2007 diante de uma desagradável surpresa.

Dando continuidade à marca impingida à Educação pelo governo tucano de Alckmin, avançando sobre o projeto de educação pública e tornando-o cada vez mais precarizado e privatizado - por meio, dentre outros, de seguidos vetos ao repasse de verbas para as universidades estaduais -, o atual governador Serra lançou, desde janeiro, cinco decretos, que ferem frontalmente a autonomia universitária.

Para Cláudia Drummond, estudante de Letras na USP e uma das ocupantes da reitoria da universidade desde o dia 3 em protesto contra os decretos, “as medidas de Serra encorparam esse processo de sucateamento da educação, pois, no começo do ano, o governador contingenciou verbas para a universidade, o que gerou inúmeras dificuldades, tanto para o pagamento do funcionalismo quanto para a manutenção de cursos e de pesquisas. Além disso, também foi suspensa a contratação de professores e funcionários, quando sabemos que, na USP, há um problema muito sério de professores. Na FFLCH, por exemplo, essa questão é muito grave. Tivemos também inúmeros problemas de infra-estrutura que, com a falta de verbas, não puderam ser solucionados imediatamente”.

Segundo Cláudia, “vai ser também priorizada a pesquisa operacional em detrimento da pesquisa básica”. Corroborando acintosamente as prioridades explícitas das faculdades particulares, que se voltam aos interesses mercadológicos, afronta-se, portanto, aquele que ainda poderia ser considerado o diferencial essencial das universidades públicas, que é a manutenção do tripé pesquisa, ensino e extensão.

Justificativas falaciosas

A criação da Secretaria de Ensino Superior, uma das medidas determinadas pelos decretos, tem como uma de suas justificativas a promoção da integração organizacional e orçamentária das universidades paulistas, públicas e privadas, com a conseqüente racionalização de sua administração.

No país dos vultosos superávits fiscais (receitas menos despesas, excluídos os juros das últimas), para efetuar o pagamento dos juros da dívida pública e sanar o apetite dos especuladores financeiros, é sempre bom desconfiar das justificativas “racionalizadoras”. Uma das conseqüências que se pode antever da criação dessa nova secretaria será o atrelamento do gerenciamento das universidades ao governo - ou melhor, à Fazenda - estadual, comprometendo as suas autonomias administrativas.

Podemos, assim, esperar pela “fragmentação da educação pública, colocando as universidades estaduais dentro de uma secretaria de Ensino Superior, as FATECs, na secretaria de Desenvolvimento, e o ensino básico, na secretaria de Educação”, avalia Cláudia.

A ocupação da reitoria da USP

Desde o começo do ano, os estudantes vêm tentando travar um diálogo com a reitoria da USP sobre o sucateamento da educação e, pontualmente, sobre os decretos de Serra, para que ela possa se pronunciar sobre estes decretos e apontar alguma solução para os inúmeros problemas destacados.

Após várias tentativas frustradas, decidiu-se por um ato que pudesse dar início ao diálogo, ocupando-se a reitoria. Os objetivos da ocupação, salientados por Cláudia, dizem respeito a alguns pontos considerados essenciais pelos estudantes.

Dentre eles, destaca-se a questão da moradia: “reivindicamos melhorias na assistência estudantil e a permanência de estudantes que não têm condições de se sustentar dentro da universidade. Já faz 77 dias que estudantes da USP em São Carlos estão morando dentro de salas de aula, pois não há moradia suficiente. E aqui, no campus do Butantã, em São Paulo, a reivindicação é por mais três blocos, pois existem alunos que, desde o começo do ano, precisam dormir dentro do CPUSP, já que não existem vagas suficientes”.

A reivindicação por mais professores, uma pauta antiga no movimento, e o posicionamento público da reitoria sobre os decretos do Serra constam também entre as demandas prioritárias para os estudantes . Apesar de saberem que a reitora Suely Vilela é favorável aos decretos e que a universidade não tem poder de decisão para revertê-los, os estudantes consideram fundamental que tal posicionamento se torne público na comunidade acadêmica, para que o debate seja feito de forma mais qualificada.

Um debate inédito e necessário

Após o ato inicial de ocupação da reitoria no dia 3 de maio, houve no dia 4 uma assembléia da qual participaram mais de 1200 estudantes. Na quinta-feira, 10 de maio, decidiu-se pela paralisação das aulas e pelo engajamento dos estudantes no ato do funcionalismo público na Avenida Paulista.

Até a conclusão dessa matéria, haviam sido feitas várias negociações, com o vice-reitor e com a reitora, sem que tivessem sido atendidos os reclamos básicos dos estudantes.

O futuro da ocupação ainda está por ser decidido, assim como é incógnito o resultado das negociações. O importante nesse momento é, no entanto, verificar que, fazendo coro a uma incipiente, mas auspiciosa, retomada de consciência dos movimentos populares, os estudantes estão claramente insatisfeitos com os rumos da educação na Universidade de São Paulo. Mais do que insatisfeitos, estão dispostos a se mobilizar na luta pelas melhorias no ensino.

A declaração da estudante Cláudia não deixa dúvidas quanto a esse tão necessário fervor: “O fundamental é que os estudantes da USP inteira, e não somente os do campus Butantã, estão dando prosseguimento a esse debate, ainda por cima, feito em polvorosa, contra o sucateamento da educação. Estiveram presentes mais de 1200 estudantes na assembléia de sexta-feira, 4 de maio, de todos os campi da USP, fato que não ocorria há cinco anos”.

 

 

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

 

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