A crise é do modelo civilizatório

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Roberto Malvezzi
26/02/2009

 

É comovente – sem nenhuma ironia – o esforço de Obama de reerguer os Estados Unidos. As propostas no campo das energias limpas, prometendo milhões de empregos e propondo novas tecnologias são saídas inteligentes, para o futuro. O próprio presidente americano já admitiu que "talvez não voltemos a ser mais o que éramos". Mas, partiu no rumo certo.

 

É comovente também Lula, extremamente preocupado com o desemprego dos brasileiros. Nesse sentido, Lula é sincero. Sua visão de mundo gira no sentido de alavancar o capital e, assim, gerar empregos. Mas ele não consegue visualizar outra possibilidade de sociedade. Por isso, o Brasil, ao contrário de caminhar na direção de seu potencial eólico, solar, de biodiversidade, incorporando as populações num novo processo civilizatório, onde o Brasil pode ser a ponta de novas tecnologias, de uma nova ciência e de uma nova economia, insiste em rumar ao passado, com um programa energético absolutamente vencido, baseado na energia nuclear, termoelétricas, petróleo da camada pré-sal e grandes obras que não se sustentam em si mesmas. É pena, mas, mesmo que Mangabeira se considere o grande estrategista no "vazio das idéias brasileiras", ele mesmo pensa na lógica de prosseguir nos moldes da civilização decadente.

 

É comovente ver gente das esquerdas lamentar que "o neoliberalismo está em crise e as esquerdas não têm plano de saída". Não têm porque também as esquerdas tradicionais são tributárias desse modelo de desenvolvimento produtivista e predador. Quando o muro de Berlim caiu, os países do Leste Europeu estavam numa situação ambiental mil vezes pior que os de tradição capitalista. Portanto, só as esquerdas que entenderem que a crise é do modelo, não apenas do neoliberalismo, poderão contribuir na construção de um novo modelo civilizatório.

 

A crise do modelo prevista – é preciso, sim, ressaltar - não será apenas "longa e prolongada" como afirma João Pedro Stédile, mas irreversível. Mesmo que haja espasmos mais serenos – mais ou menos emprego, economia mais dinâmica ou mais estagnada -, ao avançarmos para o esgotamento total do petróleo (instransponível), o escasseamento dos solos agrícolas, da água, da biodiversidade, com a agravante do aquecimento global, a humanidade terá que se reinventar porque os impasses serão objetivos e intransponíveis. Impossível uma transição sem sofrimento. Porém, toda crise traz em sua essência a dor e a nova possibilidade de modo inseparável.

 

Que sociedade e que planeta nos aguardam num breve futuro? Não sabemos. Até o final do século, a sociedade e o planeta serão completamente diferentes do modo como hoje os conhecemos. O pior dos cenários é projetado por James Lovelock – 4 bilhões de pessoas morrerão por conta do aquecimento global e o planeta será tórrido, com vida apenas nos pólos. Impossível prever o que sobrará da atual sociedade humana. Mas ele mesmo admite que Gaia é maior que nossa compreensão e que o melhor agora seria uma "retirada sustentável", enquanto Gaia nos permite diálogo. Um cenário menos dantesco a FAO nos ofereceu esses dias: a população do mundo vai chegar a nove bilhões em 2050 e a produção de alimentos vai cair 25%.

 

O Brasil poderia sair na frente com uma "CHESF EÓLICA", uma "CHESF SOLAR", uma grande empresa de pesquisa da biodiversidade, uma reforma agrária ampla para ampliar o lastro produtivo de alimentos – numa crise civilizatória, energia e alimentos são as bases imprescindíveis da transição -, um novo campo de tecnologias para energias limpas, transportes coletivos, assim para frente. Mas o que temos é o PAC nos moldes do regime militar, embora ele tenha a dimensão positiva – que poderia avançar – do saneamento ambiental. Essa sim, uma dimensão também do futuro.

 

Enfim, nem a esquerda e nem a direita têm a solução porque simplesmente ela não existe. Não há carta na manga e nem coelho na cartola. Mas precisamos de lideranças que tenham uma visão consistente da crise civilizatória e decidam dar passos para o futuro, conclamando não só os "cérebros", mas o conjunto organizado, inconformado e criativo da sociedade. Esse é o vazio.

 

Roberto Malvezzi (Gogó), ex-coordenador da CPT, é agente pastoral.

 

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