Alberto Dines: governo petista ameaça liberdade de imprensa

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Mateus Alves
08/05/2007

 

 

O Correio da Cidadania entrevista o jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, que analisa a liberdade de imprensa no Brasil e dá a sua opinião sobre as propostas do governo para a criação de uma rede pública nacional de televisão.

 

 

Correio da Cidadania: Quais seriam as principais questões que envolvem a mídia no Brasil hoje em dia?

 

Alberto Dines: O que me preocupa realmente hoje em dia é mais o governo do que as empresas de mídia. As recentes declarações de Ricardo Berzoini, presidente do PT, de que se deve controlar a imprensa no período eleitoral é algo delirante e fascista, que não passa pela cabeça de um democrata. Tudo bem proibir pesquisas - na França isso ocorre -, mas controlar o noticiário é absurdo. O PT de antigamente aceitaria isso? É claro que não. Agora também o deputado Carlos Zaratini (PT/SP) repete essa bobagem às vésperas do Dia Internacional da Liberdade de Imprensa.

 

Isso é muito perigoso. A esquerda latino-americana está confusa, estão esquecendo que o termo “esquerda” sempre foi identificado com ideais democráticos, com a liberdade. Estão fazendo opções completamente antagônicas com o seu passado, inclusive no Brasil. A esquerda aqui lutou pela liberdade de expressão, e Lula declarou, na véspera das eleições, que ele se transformou no que é hoje graças à liberdade de imprensa. E hoje o PT faz isso! Berzoini atacou a liberdade de imprensa, um professor respeitável como Marco Aurélio Garcia também e, agora, o Zaratini. É uma ofensa ao passado do partido.

 

Outra coisa é que o governo não pode disputar com a mídia a cobertura - pois aí vira chefe de reportagem. Eugênio Bucci foi perfeito em sua formulação quando disse que o governo não pode se assumir como vítima da mídia. Isso não existe - o que pode acontecer é que a mídia pode ser vítima do governo, mas nunca o contrário.

 

CC: Você acredita que tais ataques à liberdade de imprensa continuarão apenas em discurso ou poderão se transformar em algo mais sério?

 

AD: Palavras são palavras, ainda mais quando repetidas. O PT é um partido organizado, essas coisas são palavras de ordem. Em outubro de 2005, Tarso Genro, que era presidente interino do PT nessa época, chamou a imprensa de golpista. Quem fez um golpe foram os "aloprados", segundo a definição do próprio presidente Lula. Fizeram algo que não se equipara a nada que já vi na vida: comprar um dossiê e uma revista canalha para publicá-lo. Isso é terrível, estou muito preocupado pois está havendo uma subversão.

 

É claro que a imprensa tem defeitos - a brasileira, inclusive, tem defeitos de nascença, tem pecados originais. Só que os pecados originais da imprensa brasileira começam no Congresso, a exemplo de uma aberração como essas em que um parlamentar concede canais de televisão e rádio ao mesmo tempo em que é concessionário. É uma aberração, é preciso lutar contra isso.

 

Os parlamentares do PT, sendo que nenhum deles possui um canal de TV ou algo do tipo, não abrem a boca para não ferir os aliados. E isso precisa ser corrigido, esse problema original das concessões precisa ser encarado com coragem. Recentemente contei isso para um jornalista americano que me entrevistava, e ele ficou horrorizado.

 

Há também, é claro, o problema da concentração de meios de comunicação. Agora, dizer que a mídia prejudicou as eleições é demais. A única evidência de que isso aconteceu foi o caso dos "aloprados" com o seu dossiê, que pagaram a revista Istoé para que ela o publicasse. Isso sim é golpismo.

 

Para resolver todos os problemas que há na mídia, vai ser difícil. Poderíamos, porém, começar nas localidades menores, ao invés de começar por cima.

 

CC: Como seria feito esse “começo por baixo”?

 

AD: Olha, propostas não tenho, mas me lembro que no Conselho de Comunicação Social isso foi discutido - e pela primeira vez na história do Congresso. Ao invés de discutir a concentração da mídia nos grandes centros e no plano nacional, deve-se fazer isso em pequenas localidades. Uma pequena cidade não pode ter jornal, rádio e televisão pertencentes a um mesmo dono; isso seria “começar por baixo”.

 

Se o Brasil adotasse a legislação norte-americana, eu já me daria por satisfeito. Seria, pelo menos, uma base para algo, um cala-boca para os empresários.

 

CC: E o que exatamente foi feito nos Estados Unidos?

 

AD: A FCC (Federal Communications Comission, Comissão Federal de Comunicação), uma agência reguladora criada pelo Senado norte-americano na época de Roosevelt, estabeleceu uma série de normas que impedem a concentração da mídia. Ao longo do tempo - especialmente durante o governo Bush -, houve um abrandamento de sua atuação, mas, mesmo assim, ainda hoje há coisas que seria maravilhoso que fossem feitas aqui.

 

CC: Seria o caso, então, da criação de uma agência reguladora no Brasil?

 

AD: Não sei se seria exatamente uma agência; esse Conselho de Comunicação Social, do qual participei na primeira rodada, poderia evoluir. A verdade é que, depois do primeiro mandato, José Sarney colocou seu preposto e acabou com o Conselho. Ele sempre foi contra isso, quando estava com FHC e agora com Lula, pois é um grande barão da mídia. Em abril de 1996, eu já havia escrito sobre José Sarney estar engavetando a criação do Conselho.

 

CC: A relação entre os “donos da mídia” e o governo continua, então, como sempre foi? Nada mudou durante o governo Lula?

 

AD: Continua como sempre. Como é que com José Sarney no governo isso poderia ocorrer?

 

CC: Qual a sua opinião sobre o projeto de televisão pública feito pelo governo federal?

 

AD: Felizmente, isso caiu nas mãos sensatas de Franklin Martins e deixou de ter o caráter mirabolante de quando estava nas mãos de Hélio Costa e Luiz Dulci.

 

O problema dessa rede é que só vai existir uma rede pública de televisão se houver uma maneira de incluir nela a TV Cultura de São Paulo e suas afiliadas - e isso é um problema político-partidário, já que a Cultura é sustentada pelo governo do PSDB. A idéia de colocar Paulo Markun como presidente da emissora é um passo para que haja a oportunidade de um diálogo que possibilite um intercâmbio de programações e permita que a Cultura se integre à rede e receba recursos do governo federal. Banco do Brasil, Petrobras e Eletrobrás, por exemplo, nunca anunciaram na emissora - o que é um erro. Agora, com gente sensata, a coisa pode andar.

 

Existe uma associação chamada ABEPEC (Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais) e tenho a impressão que eles podem criar uma base para que, em cima da rede pública já existente, se contrua algo maior. O que não pode é ficar fazendo tábula rasa, jogar tudo fora e criar uma nova rede. Isso seria errado; é necessário juntar, entre outras, a TV Cultura, a TVE do Rio de Janeiro - emissora que também possui história - e ampliar os recursos para fazer uma excelente rede, como Lula está querendo. É preciso que a TV pública seja isonômica e não separada do resto.

 

CC: A publicidade de estatais não poderia dar um caráter chapa-branca à nova emissora?

 

AD: Sim, claro. Na verdade, o governo deveria anunciar menos, divulgar apenas avisos de interesse público. Já as estatais, que são empresas estatais, podem anunciar - mas não podem esquecer que o governo é apenas um de seus acionistas, que não estão apenas a serviço dele. Aí é necessária uma linha mais equilibrada, mais isonômica, para repetir a palavra. É um aprendizado. A Secretaria de Comunicação e as estatais precisam ver a mídia como um todo, ver as TVs públicas independendo da condição política do Estado à qual estão atreladas.

 

CC: Você acredita que o governo deve incentivar mais as mídias alternativas e independentes no Brasil?

 

AD: Bom, toda a mídia deve ser independente. Não dá pra dizer que a Folha ou o Globo não são independentes e a revista Caros Amigos é - isso não é verdade, a Caros Amigos não é independente. É uma publicação alternativa, mas sempre tem anúncios do governo. A revista Carta Capital, se não tivéssemos reclamado, teria hoje 90% de sua publicidade oriunda do governo, e isso não pode.

 

Claro que o governo tem que ajudar, mas não o governo em si; suas empresas seriam as responsáveis por isso, e com o comportamento midiático mais equilibrado.

 

CC: Recentemente, a ONG norte-americana Freedom House colocou o Brasil na 90ª. posição entre os países com maior liberdade de imprensa. Você acredita se tratar de uma análise realista do país?

 

AD: Isso é uma babaquice. Não porque é uma ONG americana, mas sim porque não se podem fazer rankings e não se pode medir valores subjetivos e morais. Portugal está em 12º. lugar, é um país democrático, mas não merece estar ao lado da Alemanha - e nem o Brasil merece estar nesse 90º. lugar. Eu prefiro dicussões de valores e idéias do que rankings.

 

 

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