Indiferença com eleições no Congresso impõe necessidade de reforma na política

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Valéria Nader e Gabriel Brito
04/02/2009

 

Consumadas as eleições congressuais, que terminaram com dupla vitória do PMDB (Sarney no Senado e Michel Temer na Câmara), o Correio da Cidadania conversou com o senador gaúcho Pedro Simon, quadro histórico do partido.

 

Para ele, é inegável que o PMDB se fortalece com os triunfos. Porém de pouco adianta se o partido não deu sinais de que pretende voltar a ser protagonista dos principais pleitos nacionais, contentando-se com o "papel de noiva", indecisa em dar a mão a Serra ou a Lula.

 

Simon atenta ainda para a indiferença popular em torno do tema, de primeiríssimo interesse geral, pelo menos teoricamente. Tal comportamento seria revelador da mágoa das pessoas com a política, desiludidas com a impunidade e descrédito dos nossos congressistas.

 

Por fim, o senador apontou na direção de uma reforma política (que a seu ver pode ser conduzida sob o mandato de Sarney) abrangente, regulando partidos, a fidelidade a eles, votações no plenário; estabelecendo lista suja que separe o joio do trigo; e introduzindo o controle governamental de gastos de campanha, a fim de "acabar com esse atual processo, em que se gasta uma fortuna para que o sujeito se eleja deputado ou senador".

 

Correio da Cidadania: A forma como se desenrolaram os acontecimentos afeitos à disputa para as eleições no Congresso revelou o que do atual momento político, a seu ver?

 

Pedro Simon: Primeiramente, a conseqüência é que o PMDB, que possui a maior bancada na Câmara e no Senado, conquistou as duas presidências, algo bastante relevante. A segunda é que na composição final, inclusive no Senado, houve um entendimento entre todos os partidos, inclusive entre partidários do Sarney e do Tião Viana.

 

A resposta que posso dar é, assim, que o PMDB obteve uma grande vitória, por ter conquistado as duas casas. Não que seja um fato excepcional, mas para o partido é muito expressivo.

 

Eu só não sei se realmente o PMDB terá condições de somar pontos para manter a continuidade de tal posição.

 

CC: E a eleição de Sarney, de que significado se reveste, não só para o PMDB, mas para o país?

 

PS: Isso é muito interessante de se analisar. Votei no candidato do PT, mas o discurso do Sarney, em que ele prestou esclarecimentos e mostrou sua experiência e competência, me fez reconhecer que ele se movimentou muito bem, pois chegou à presidência do Senado garantindo que modificaremos a maneira de transmissão e edição das MPs, e que teremos uma reforma tributária e política.

 

Creio que, na idade dele, como o próprio diz, não veio para se acomodar, e sim para prestar um trabalho à nação, o que acredito ser possível de acontecer.

 

CC: Haveria condições de se implantar uma verdadeira reforma política hoje em nosso país? Sarney, por exemplo, pode ajudar a levá-la a cabo, a seu ver?

 

PS: Acredito que sim. Tendo a disposição e manifestando a vontade, creio que mais do que ninguém ele pode fazer isso. É a terceira vez que assume a presidência do Senado e ele realmente demonstrou ter competência.

 

Como ele mesmo diz, "nos anos de Congresso, a única coisa que não consegui fazer foi inimigos". Pude vê-lo confraternizando com o Collor, que quando se elegeu presidente disse horrores do Sarney, sendo que a justiça eleitoral até lhe concedeu direito de resposta (a acusações injustas, diga-se de passagem). É uma mostra de que reúne o entendimento e a capacidade para efetuar este trabalho. Falo isso com a tranqüilidade de quem não votou nele, mas reconhece sua capacidade para o trabalho.

 

CC: O que dizer da postura de Lula e do próprio PT, que, mesmo tendo candidatura própria, não demonstraram qualquer contrariedade com a candidatura e, agora, com a eleição de Sarney?

 

PS: A impressão que tenho é a de que o Lula ficou muito mais contente com a vitória do Sarney do que ficaria com um triunfo do Tião. Sarney, como todo mundo sabe, é simpático ao Lula, tendo até votado nele, e também à candidatura da Dilma. Creio que o Sarney se identifica mais que o próprio Tião Viana com o Lula.

 

CC: E o que pensar de uma declaração do próprio Sarney, segundo a qual teria simpatia por Dilma, mas reconheceria a competência de Serra e de Aécio? Essa não é uma declaração paradigmática do PMDB que atira para todos os lados e rema conforme a maré?

 

PS: O PMDB não tem candidatura própria. Na eleição passada, não apoiou nem o candidato do PT e nem o do PSDB. Também não fez convenção e tampouco indicou candidato.

 

Chegou a fazer uma prévia na época entre o Germano Rigotto e o Anthony Garotinho (governadores de então do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, respectivamente), mas não chegou nem a fazer convenção para ratificar a posição. E agora caminha para o mesmo futuro, o que acho lamentável.

 

Na última eleição presidencial, não teve candidato a presidente, a vice e nem se posicionou e, no entanto, fez a maior bancada de senadores, de deputados e o maior número de governadores. Já em 2008, fez o maior número de prefeitos e vereadores no Brasil, além de ter registrado o maior número de eleitores, com 6 milhões de votos a mais que o segundo lugar. Agora faz os presidentes do Senado e da Câmara e ainda assim na eleição presidencial se presta ao papel de noiva. E não apresenta candidatura própria.

 

CC: Como encarar situações como o apoio que o PSDB, do bloco de oposição ao governo, declarou que daria ao candidato do PT na disputa pela presidência do Senado?

 

PS: A informação que temos aqui é a de que o PSBD se dividiu; metade votou no Tião, metade ficou com o Sarney. Inclusive, quem foi eleito primeiro vice foi um nome do PSDB (Marconi Perillo-GO), que certamente votou no candidato do PT e foi escolhido mesmo assim.

 

Acho que o presidente não tinha uma posição, mas respeitou o que era benéfico. Antes, queria tomar uma posição radicalizada, quando na verdade a eleição se transferiu para avaliações muito pessoais, que não ficaram necessariamente em torno de PT e PMDB, situação/oposição.

 

CC: O PMDB se fortalece eleitoralmente com essa vitória, ou, de outro modo, alguma ala do partido sai ‘vitaminada’?

 

PS: Não há dúvidas de que se fortalece. No momento em que tem as duas presidências e a votação do restante da mesa já consumada, fica claro que o partido sai muito fortalecido.

 

Porém, lamentavelmente, continua do mesmo jeito. Quer dizer, metade é Serra, metade é Lula, e não se cria um movimento em torno de uma candidatura própria.

 

CC: Como você vê o interesse atual da população por essas eleições no Congresso?

 

PS: O povo já não tem muito interesse. O Congresso Nacional está numa situação de conceito muito baixo perante a opinião pública, nossa credibilidade, infelizmente, é muito pequena.

 

Talvez eu não tenha acompanhado como devesse essa eleição, mas Temer e Sarney assumem as respectivas presidências já pela terceira vez.

 

Portanto, realmente não houve nenhum interesse, somente uma grande indiferença do povo com essas eleições do congresso.

 

CC: O que corrobora um pouco a idéia aqui discutida desde o ano passado de que há uma despolitização em andamento na nação.

 

PS: Não só despolitização, mas é que a política não corresponde. O problema da despolitização e da mágoa do povo é o Brasil ser o país da impunidade, onde só ladrão de galinha vai para a cadeia. Um país onde se pratica, comenta, analisa a corrupção, mas nada acontece.

 

Isso gera um desgaste muito grande para a classe política, já que quem faz as leis somos nós. E se elas não são cumpridas, fazendo prevalecer a justiça, nós caímos no descrédito diante da sociedade brasileira, na política como um todo e, de modo especial, no Congresso Nacional.

 

CC: Onde residiria a possibilidade de renovação da vida parlamentar, com maior participação dos reais interessados no processo, que é a própria população representada?

 

PS: Eu, que estou há quase 60 anos, desde a época estudantil, na vida política, vejo que essa atenção com relação à classe política aumenta exatamente por conta da mágoa da sociedade e pelo fato de estarmos nivelando as coisas por baixo: bandalheira, corrupção e ninguém condenado, ninguém na cadeia. Assim, não há diferenciação entre os membros da política, mesmo que muitas das acusações que saem na mídia sejam injustas com a classe. Mas como não acontece nada, não há julgamento para que se separe o joio do trigo, acabamos todos nivelados por baixo.

Por conta disso, há uma dificuldade de fazer pessoas de certos setores aceitarem cargos políticos. Um professor universitário, um bom empresário, um intelectual, um profissional liberal de grandeza não aceitam o convite para entrar no mundo político, por acreditarem que verão seus nomes enlameados e depois não terão condições de se defender e limpar a biografia.

 

Portanto, é cada vez maior a dificuldade de renovação em bom nível. E as pessoas que vêm... Algumas ainda são bem intencionadas, mas quem poderia, com seu nome, passado e biografia, entrar na vida pública e aumentar, recuperar, a credibilidade política se recusa a entrar no meio.

 

CC: Quais seriam os itens mais importantes em uma eventual reforma política que poderiam fazer prosperar uma mudança na vida parlamentar?

 

PS: Não tenho a menor dúvida de que uma das primeiras coisas a serem feitas seria em relação aos partidos políticos. Não podemos continuar com 40 partidos, sem conteúdo, sem contexto, coisa alguma. Temos de criar o voto digital, a votação em lista, acabar com esse atual processo, em que se gasta uma fortuna para que o sujeito se eleja deputado ou senador, isso não pode continuar. Tem de haver o gasto público de campanha, deve-se estabelecer votação em partido, para que se impeça essa guerra, esse mar de dinheiro que vemos ser jogado em campanhas. E outro ponto é a fidelidade partidária.

 

Portanto, esses itens – controle de gasto da campanha, voto por distrito ou por lista, fidelidade – são algumas das mais importantes medidas de uma reforma política.

 

Além disso, também sou favorável à lista suja, acho que candidato com ficha suja não pode disputar eleições. Mas a justiça eleitoral tem a obrigação de julgar o caso, para que se condene ou absolva o réu antes do início da campanha. Não pode ficar numa gaveta de promotor ou de tribunal.

 

Realizando-se tais medidas, a vida política brasileira melhoraria 1000%. Todo mundo acha isso bom, mas, lamentavelmente, até agora não se fez nada.

 

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

 

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