Debates ociosos

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Joaquim Francisco de Carvalho
26/01/2009

 

Com algum desânimo, acompanho, de longe, os debates travados entre ambientalistas à outrance e barrageiros profissionais, em torno da hidrelétrica de Belo Monte. A meu ver, eles aproveitariam melhor o tempo se enfrentassem problemas tais como, entre outros, o conflito entre os interesses imediatos da poderosa indústria automobilística e a urgência de se tomarem medidas vigorosas para conter drasticamente, e em curtíssimo prazo, as emissões de CO2. Como se sabe, o setor de transportes responde por uma fatia ponderável dessas emissões, de modo que a gradativa substituição do transporte rodoviário de cargas pelas modalidades ferroviária e hidroviária, e o transporte urbano individual, pelo transporte coletivo eletrificado, contribuiria para í-las diminuindo sensivelmente.

 

Alguns ambientalistas costumam amimar os debates contra os barrageiros com a extravagante achega de que "hidrelétricas emitem mais gases de estufa do que termelétricas".

 

Ora, é verdade que hidrelétricas emitem gases de estufa, mas nunca nas proporções de termelétricas. De fato, dado o balanço de massas da reação de combustão do gás natural (essencialmente metano), uma termelétrica a gás, com 1.000 MW de potência elétrica e eficiência termodinâmica de 0,50 (semelhante à Piratininga, por exemplo), operando com gás de poder calorífico igual a 38,6 megajoules por metro cúbico, emite 7.392 toneladas de CO2 por dia, se operar com fator de capacidade igual a 0,80. Sim, sete mil e trezentas e noventa e duas toneladas de CO2, por dia! Ora, são raríssimas as hidrelétrica que emitem tudo isso, mesmo num mês inteiro...

 

As emissões das hidrelétricas vêm, quase todas, da decomposição de material orgânico remanescente no fundo dos reservatórios, com liberação principalmente de metano, que se dissolve na água. Durante o funcionamento da hidrelétrica, boa parte dessa água passa pelas turbinas e sai borrifada em gotículas de gases dissolvidos. Esse aerossol, por assim dizer, é aspergido até a uma distância de 10 a 15 metros da saída dos túneis de descarga.

 

Há, ainda, as emissões provenientes do uso de combustíveis fósseis na construção da hidrelétrica e na fabricação e transporte de seus componentes eletro-mecânicos, mas estas são marginais, só ocorrendo durante a implantação da obra.

 

As emissões de gases dissolvidos podem ser muito reduzidas pela interposição de cascas (lâminas delgadas) de concreto armado, construídas justaposta e inclinadamente sobre a saída dos túneis de descarga das turbinas, com a finalidade de interceptar e devolver as gotículas ao curso d’água, a jusante. A fração restante não causa grandes impactos porque, embora seja 22 vezes mais opaco às radiações infravermelhas do que o CO2, o metano decompõe-se muito mais rapidamente do que este.

 

A presença de gases dissolvidos nos reservatórios seria bem menor se os responsáveis pela construção de hidrelétricas desbastassem previamente as áreas a serem inundadas e removessem toda a madeira e resíduos orgânicos para locais não inundáveis. Além disso, nas estações secas, quando cai o nível dos reservatórios, o lodo e resíduos vegetais acumulados nas orlas deveriam ser removidos. Em seguida, para evitar que esse material se decomponha ao ar, emitindo metano, pode-se compostá-lo e, em função de estudos agronômicos a serem feitos caso a caso, aproveitá-lo como fertilizante, em plantações circunvizinhas. Determinados ambientalistas bem que poderiam empregar parte de seu tempo para acompanhar essas questões.

 

Se essas orientações tão simples fossem adotadas, as emissões dos reservatórios hidrelétricos ficariam reduzidas à escala das emissões de qualquer lago natural. Só falta, agora, que os ambientalistas-polemistas se insurjam contra os lagos naturais...

 

Além das hidrelétricas de grande porte, como as de Belo Monte e as do Rio Madeira, que têm provocado tantas polêmicas, há também as pequenas hidrelétricas, cuja potência conjunto atinge o considerável valor de 17,5 MW.

 

Enfim, qualquer país que disponha de capacidade técnica e industrial procura explorar ao máximo o seu potencial hidrelétrico. Na Europa, por exemplo – apesar da alta densidade demográfica –, as hidrelétricas, de grande, médio e pequeno porte, respondem por 17% do suprimento de eletricidade, indo de 99% na Noruega, 76% na Suiça, 65% na Áustria, 51% na Suécia, 23% na França, 12% na República Tcheca, 6% na Polônia, e até na Alemanha e na Grã Brtetanha, que não são especialmente aquinhoadas com potenciais hidráulicos, as hidrelétricas entram com 4% e 3%, respectivamente.

 

O Brasil gera atualmente quase 90% da sua eletricidade em hidrelétricas, mas, sob a pressão das campanhas "ambientalistas", vamos acabar gerando menos de 78% até 2.018. O resto virá das térmicas a gás e a carvão. Não deixa de ser uma bela meta, pelo menos para a EPE – Empresa de Pesquisa Energética - e para quem gosta de tapar o sol com CO2...

 

De resto, as concessionárias de aproveitamentos hidrelétricos deveriam ser as maiores aliadas das florestas, uma vez que a derrubada destas comprometeria o regime hidrológico, com sérias perdas para a própria geração hidrelétrica. Aí está um bom tema para uma campanha construtiva. E, de certo, há muitos ambientalistas construtivos.

 

Joaquim Francisco de Carvalho, licenciado em Física e mestre em Engenharia Nuclear, foi engenheiro da CESP, coordenador do setor industrial do Ministério do Planejamento, vice-presidente da FINEP e presidente do então recém-criado IBDF (atual IBAMA).

 

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