Correio da Cidadania

Transposição: o estupro da Caatinga

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"É de cortar o coração". Foi dessa forma surpreendente que uma repórter – uma profissional - se referiu ao que viu nas obras da transposição em Cabrobó. Ela vira a devastação da Caatinga pelo Exército, as montanhas de árvores empilhadas, justamente numa região onde a desertificação mais avança no semi-árido brasileiro. E olha que o Exército é responsável por apenas 3% da obra e não fez muito mais que 1%. Portanto, o que ela viu é apenas um aperitivo.

 

Se a obra for à frente, aproximadamente 1000 km de canais cortarão a caatinga, sem falar no que vem depois em cada estado receptor. Com o propósito de isolar 2,5 km em cada margem, o resultado final do desmatamento será de pelo menos 2,5 mil km². Não é pouco para uma área já em processo de desertificação.

 

Some-se a esses dados iniciais toda a perspectiva que o aquecimento global traz para o semi-árido brasileiro. Segundo a Embrapa, haverá, no melhor dos cenários, a diminuição de 20% no regime das chuvas e também no volume atual do rio São Francisco. Mais: o nível de evaporação vai se intensificar a cada centígrado de elevação da temperatura.

 

É por aí que passa a encruzilhada da civilização brasileira, desde o Vale do Itajaí ao Vale do São Francisco. Para uns, a obra da transposição é desse tipo de "orgulho nacional", como nos tempos do regime militar. Para outros, não passa de um estupro da caatinga, do rio, de "cortar o coração".

 

Roberto Malvezzi, o Gogó, é coordenador da CPT – Comissão Pastoral da Terra.

 

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Comentários   

0 #4 O debate do São FranciscoAlberto Magno Barreto Filgueir 09-12-2008 13:16
Saúdo a volta do debate sobre a \"transposição\", que já andava meio esquecido. Lembremos que no fim de 2007 uma decisão do STF liberou o início das obras, e é o exército que faz o principal trabalho para que a religação das bacias seja possível. Parecia, na época, que os problemas nordestinos tinham voltado a ser prioridade nacional. Infelizmente, não foi o caso. De um lado, temos o governo tentando realizar uma obra polêmica, mas que estava definida em seu programa, que se pode consultar em várias fontes. De outro, uma resistência organizada, mas sem amplo respaldo (no meu entender) na opinião da maioria da população nordestina, mas que conta com militantes de valor como é o caso do companheiro da CPT. Nenhuma grande obra é feita com \'zero\' de impacto ambiental. O que tem que visto é o benefício compensatório para as populações, e o saldo positivo no caso da perenização das bacias do NE, desde que, é claro, se aprofunde a sua gestão participativa, envolvendo a todos os cidadãos, me parece claro.
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0 #3 TransposiçãoValmir Macedo de Souza 08-12-2008 18:18
Valeu grande gogó (Roberto Malvezzi. Muito bom suas observações. Quero reforçar suas palavras dizendo para o Francisco aí no Rio, que eu também nasci aqui no semi-árido da Bahia e vivo aqui a 40 anos, fiz faculdade em agronomia e busquei aprender a conviver com a nossa realidade (muito sol e agua mal aproveitada), trabalho prestando assessoria a comunidades assentadas e vejo que a melhor opção para combater a fome e sede não é a transposição e sim as várias opções como citou o Roberto dentre outras.
Precisamos unir forças para direcionar o nosso governo a ouvir mais as pessoas que vive em cada habitat onde se tem pensado em desenvolvimento apenas seguido por orientações técnicistas, isso é muito perigoso. Os americanos sabem as catastrofes que já provocaram por atitudes assim.
Saudações nordestinas,
Valmir
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0 #2 Roberto Malvezzi 06-12-2008 15:43
Oi, Francisco,

Ao contrário de você, nasci no sul e moro há trinta anos no sertão da Bahia, trabalhando com comunidades com fome e sede. Temos já bastante soluções para resolver o problema da sede humana por aqui. É só fazer as adutoras previstas pelo próprio governo, captar a água de chuva devidamente. Nosso trabalho de cisternas já colocou água potável para 300 mil famílias. Uma simplea adutora - a do Sertão -, feita pelo governo do Pernambuco, colocou água em 11 municípios da região de Luis Gonzaga, como Ouricuri, Granito e Exu. Podemos dispensar toda mega obra e toda demagogia hídrica. Com metade do dinheiro da transposição, fazendo obras assim, poderíamos oferecer segurança hídrica para 44 milhões de nordestinos, quase quatro vezes o que diz oferece a transposição. Seria bom você vir ver o que está sendo feito pela ASA (Articulaçào do Semi-árido) na terra que você nasceu.
Aí você vai entender melhor o que estamos dizendo.
Roberto.
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0 #1 Francisco Fabian 05-12-2008 14:56
Meus amigos, esse comentarista nunca passou fome ou teve sede e também, nunca deve ter passado dentro da caatinga. Do contrário, seria a favor do povo sofrido do semi árido nordestino, que conheço muito bem, porque nasci lá e só depois vim para o Rio.
Saudações
FM
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