Correio da Cidadania

Manifesto contra a venda da CESP

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Ao Conselho Nacional de Política Energética – CNPE

 

Senhores Conselheiros,

 

Na qualidade de cidadãos engajados com os temas de interesse da sociedade brasileira, permitimo-nos vir à presença de Vossas Senhorias para expor, ponderar e sugerir o que segue:

 

A infra-estrutura estatal de energia elétrica de São Paulo compunha-se de três empresas, a Eletropaulo, a CPFL e a CESP, sendo que esta era a segunda maior geradora do Brasil, além de operar um extenso sistema de transmissão e algumas redes de distribuição no interior do estado.

 

Na administração do governador Mário Covas – graças a decisivos aportes do BNDES –, foram privatizadas a Eletropaulo, a CPFL e duas das três empresas em que tinha sido subdividida a CESP. Antes, entretanto, transferiu-se grande parte do endividamento desta para a fatia que permaneceria sob controle do Estado, a qual, por sua vez, foi subdividida em duas partes: uma empresa de transmissão (CTEEP) e uma de geração (CESP Paraná).

 

A CTEEP foi privatizada pela administração do governador Cláudio Lembo, com resultados que já se fazem sentir na queda da confiabilidade do sistema, como se viu há poucas semanas, e em falhas de subestações, que deixaram milhões de paulistanos sem luz durante algumas horas.

 

Restou a CESP Paraná, que tem em seu patrimônio as hidrelétricas de Ilha Solteira (3.444MW), Três Irmãos (808 MW), Jupiá (1.552 MW), Porto Primavera (1.540 MW), Paraibuna (84 MW) e Jaguarí (28 MW), totalizando 7.456 MW, o que a coloca como a terceira geradora do Brasil. O controle da empresa está nas mãos do Estado, que detém 44,66% de seu capital.

 

A CESP Paraná já equacionou o seu passivo financeiro e em 2007 seu resultado operacional apontou um lucro de R$ 178 milhões. Não obstante, em março passado, o governo estadual promoveu um leilão, com o objetivo de vender a sua participação na empresa, pelo que esperava arrecadar R$ 6,6 bilhões. A operação fracassou por falta de apoio do BNDES, evidenciando a grande contradição das privatizações brasileiras, nas quais o dinheiro é público.

 

Cumpre enfatizar que se as bacias hidrográficas forem convenientemente preservadas, as hidrelétricas podem gerar energia por um século ou mais. Portanto, nenhum governo tem o direito de alienar hidrelétricas pertencentes ao patrimônio público por valores estimados com base em fluxos de caixa descontados, limitados pelo prazo de depreciação contábil do investimento. A não ser que os eventuais compradores assumam, contratualmente, os compromissos irrevogáveis de vender a eletricidade gerada a um preço tabelado, calculado à base do "custo + lucro", e de restituir ao Estado, sem reclamar compensações, todos os ativos da empresa no fim do prazo em questão, ao cabo do qual – como é óbvio – o custo da eletricidade gerada ficará restrito apenas ao custo de manutenção, somado às despesas salariais, encargos trabalhistas e seguros.

 

A idade média do parque gerador da CESP Paraná como um todo se aproxima de 25 anos, de sorte que atualmente esse parque gera eletricidade a um custo médio de R$ 10/MWh, custo que cairá para algo em torno de R$ 8/MWh daqui a 5 anos, quando estiver vencido seu prazo médio de depreciação contábil.

 

Se a empresa tivesse sido arrematada por R$ 22 bilhões (incluindo os 6,6 bilhões referentes a ações pertencentes ao patrimônio estadual) como se esperava, os compradores recuperariam o investimento com um rendimento líquido de 12% ao ano, vendendo energia a um preço de R$ 78/MWh. Como nos leilões promovidos pelo governo federal os preços já superam R$ 120/MWh, o investimento poderia ser recuperado no tempo que falta para expirar o prazo de concessão das hidrelétricas da empresa. Cálculos simples, feitos com base nesses números, mostram que, com a energia gerada sendo vendida de forma estrategicamente escalonada no mercado futuro, seria possível comprar a CESP Paraná com um mínimo desembolso de recursos próprios. Isso talvez explique as pressões que têm sido exercidas por grupos que já controlam fatias consideráveis do parque hidrelétrico brasileiro sobre o governo estadual, para que este privatize a empresa.

 

Assinale-se que a operação ficaria ainda mais atentatória aos direitos da sociedade se as concessões fossem prorrogadas, pois, neste caso, a energia de usinas amortizadas seria vendida como se estas fossem novas.

 

Quanto aos aspectos estratégicos, ponderamos que a privatização da CESP Paraná – que está no coração econômico do país e gera 10% da eletricidade consumida no Brasil e 60% da eletricidade consumida em São Paulo – abriria caminho para a formação de cartéis que dominariam o sistema elétrico de ponta a ponta, da geração à distribuição, expondo os consumidores a draconianos aumentos tarifários e a cortes de eletricidade em suas indústrias, casas, escolas, hospitais etc. ao sabor de decisões tomadas por grupos cuja prioridade absoluta é a de extrair máximos lucros de sua operação, não lhes importando o que possa acontecer, por exemplo, com indústrias que tenham que fechar as portas por força do elevado custo da eletricidade.

 

Outra desvantagem da privatização da CESP seria a de que as remessas de lucros daí decorrentes onerariam consideravelmente o balanço de pagamentos do país.

 

À vista do exposto – a fim de impedir que um grave equívoco seja cometido à custa dos legítimos direitos da sociedade brasileira – sugerimos que esse Conselho, no exercício de sua atribuição de assessorar o presidente da República em assuntos do setor energético, manifeste-se no sentido de que só se considere a possibilidade de alargamento dos prazos de concessão das principais hidrelétricas atualmente exploradas pela Companhia Energética de São Paulo mediante um compromisso, assumido formalmente pelo governo estadual, de que esta empresa não será privatizada. Por outras palavras, na hipótese de se estenderem os referidos prazos, o governo de São Paulo não poderia transferir para grupos privados o direito – que lhe seria concedido transitoriamente pela União – de explorar as hidrelétricas da CESP.

 

Com todo o apreço, subscrevemo-nos.

 

Plínio de Arruda Sampaio

Fábio Konder Comparato

Joaquim Francisco de Carvalho

Celso Antônio Bandeira de Mello

José Gelásio da Rocha

Adriano Murgel Branco

 

Observação: os leitores que quiserem se pronunciar poderão fazê-lo enviando o conteúdo dessa carta com respectiva assinatura para o presidente do Conselho Nacional de Política Energética - CNPE -, através do email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. . 

 

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Comentários   

0 #1 Maria Cristina M Sacramento 01-10-2008 13:25
Porque os governos continuam com esse discurso mesmo depois do que se viu acontecer com a ELETROSUL? É justo que governos deliberem pelos bens de um país que estão totalmente pagos? Porque não se limitam a deliber pelos novos projetos que tanto o país necessita? Construam e não destruam!
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