Bolsa Família, reforma agrária e segurança alimentar

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Osvaldo Russo
26/08/2008

 

Nestes quase cinco anos de implantação do Bolsa Família, que transfere renda condicionada a mais de 11 milhões de famílias em todos os municípios, o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), fundado pelo saudoso Betinho, divulga resultados da pesquisa "Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas", revelando aspectos relacionados ao aumento do consumo alimentar e do acesso das famílias a bens e serviços básicos.

 

Segundo os dados divulgados, em que pese 21% das famílias beneficiadas pelo programa (2,3 milhões de famílias) ainda se encontrarem em estado de insegurança alimentar grave, de acordo com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), adaptada para o Brasil pela Universidade Campinas/SP, ocorreu um aumento maior e com mais variedade no consumo das famílias com insegurança alimentar grave e moderada, em contraste com as famílias com segurança alimentar ou insegurança leve, indicando uma mudança no hábito alimentar ao consumir mais proteínas contidas em produtos de origem animal, em geral adquiridos em mercados locais.

 

A insegurança grave está mais associada a famílias cujos titulares não possuem trabalho formal ou que não sabem ler e escrever, atingindo mais fortemente os pretos e pardos, que representam 64% dos beneficiados pelo Bolsa Família, indicando a necessidade de ações afirmativas e políticas de geração de trabalho e renda, acesso à educação formal de qualidade e a programas de alfabetização e qualificação profissional.

 

Do total de beneficiados, 22% residem na área rural e 20,8% plantam algum tipo de produto ou criam animais, dos quais 56,6% são proprietários da terra. 78,3% só plantam para autoconsumo da família, 91,5% não recebem nenhuma assistência técnica e 83% não acessaram nos últimos três anos qualquer crédito agrícola, sendo que só 13,5% receberam o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).

 

Entre aqueles que são proprietários, 19,5% estão em situação de segurança alimentar, enquanto que nos não-proprietários apenas 6,9%. Já entre os assentados do programa de reforma agrária este percentual é de 26,5%, evidenciando a importância do processo de reforma agrária na obtenção da adequada segurança alimentar e nutricional.

 

Desde a redemocratização do Brasil em 1985 até hoje, acumulamos mais de 800 mil famílias assentadas, das quais cerca de 450 mil no governo Lula. O volume de crédito do Pronaf saltou de pouco mais de R$ 2 bilhões na safra 2002/2003 para cerca de R$ 12 bilhões na safra 2007/2008, beneficiando mais de dois milhões de agricultores familiares e assentados da reforma agrária em todo o país. A assistência técnica, antes abandonada, vem sendo incrementada junto aos assentamentos pelo governo atual.

 

A alta internacional dos preços dos alimentos (em verdade, das chamadas commodities) aponta para a necessidade de mudança da matriz de produção agrícola, quer para atender à crescente demanda por alimentos, quer para viabilizar a sustentabilidade ambiental e econômica da produção e consumo de alimentos. Segundo as Estatísticas do Meio Rural 2008 (MDA/DIEESE), a agricultura familiar responde por 1/3 do PIB total da agropecuária, sendo que a sua participação nas cadeias produtivas representa, nas lavouras, 82,2% na mandioca, 41,3% no arroz, 58,9% no feijão, 43,1% no milho e 34,7% no total das culturas. Nos produtos animais, a agricultura familiar atinge 55,4% no leite, 47,9% nas aves, 59% nos suínos e 43,7% no total da produção animal.

 

São inegáveis os avanços proporcionados pelos programas sociais, reduzindo a desigualdade e a pobreza no país. Estes, ao lado do desempenho da agricultura familiar, mesmo numa matriz agrícola hegemonizada pelo chamado agronegócio, demonstram, na área rural, a potencialidade dos assentamentos agrários e da agricultura familiar na geração de empregos e na produção de alimentos. A reforma agrária, no seu sentido mais amplo, massivo e produtivo, constitui, pois, a alternativa democrática, socialmente justa e sustentável para a criação de novas oportunidades de trabalho e renda no campo, visando garantir a segurança e a soberania alimentares da população brasileira.

 

Osvaldo Russo é estatístico e coordenador agrário nacional do PT.

 

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