Correio da Cidadania

Soberania alimentar clama por revisão da oligopolização no setor de fertilizantes

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É muito contraditória a atual situação da agricultura brasileira. Ela está sob controle de multinacionais, enquanto os agricultores brasileiros não têm acesso aos fertilizantes direto da fábrica. O Comitê em Defesa dos Pequenos Agricultores, criado em 2008, denuncia que, hoje, após a desestatização da Petrofértil, em 1993, encontraram fertilizantes a preços absurdos: US$ 450 a tonelada. E mais: o Brasil importa 17,3 milhões de toneladas, o que corresponde a 65% do fertilizante que consome. Este é o modelo dependente, no qual o país foi lançado há 15 anos atrás, com o fatídico Programa Nacional de Desestatização (PND), do governo Collor. Não dá para aceitar um grande país como o Brasil, de sólo fértil, com forte potencial da agricultura familiar, estar dependente de multinacionais. De auto-suficiente, o país passou a depender da indústria de fertilizantes estrangeira, oligopolizada pela Bunge, Mosaic/Cargil e Yara.

 

Na década de 1990, a AEPET já advertia a sociedade brasileira de que tal situação de dependência poderia ocorrer, caso o governo Collor levasse a termo o PND, notadamente com a desestruturação do Grupo Petrofértil, de importância estratégica para o país. Passados 15 anos da referida privatização, a sociedade brasileira retomou forte campanha para mudar tal quadro, e os primeiros sinais de vitória estão surgindo no horizonte. No entanto, os brasileiros deverão mostrar capacidade de unidade e firmeza para que a vitória se concretize.

 

Segundo informou o Sindiquímica-PR, o desenvolvimento da agricultura brasileira só foi possível porque o Estado decidiu realizar um grande esforço de investimentos para dotar o Brasil de uma indústria de matérias-primas para fertilizantes nitrogenados e fosfatados, cujo montante investido se estima em cerca de US$ 2 bilhões. Depois de uma fracassada experiência do setor com a iniciativa privada, em 1976 foi criada a Petrobrás Fertilizantes (Petrofértil), que reuniu cinco empresas: Ultrafértil, Nitrofértil, ICC, Goiasfértil e Fosfértil, além das Arafértil e Indag. Com as crescentes altas do petróleo e dos alimentos, hoje, aumenta em muito de importância o retorno da Petrobrás ao setor de fertilizantes, fator preponderante para se fazer justiça social em segurança alimentar do povo brasileiro.

 

Em 1990, com a instituição do Decreto 9.643, o trator neoliberal do governo Collor esmagou a Petrofértil. A AEPET, demais entidades e parlamentares iniciaram campanha nacional contra tal crime, que na análise da AEPET era o prenúncio de um futuro ataque ao Sistema Petrobrás. Avaliação correta. Em 1997, com a criação da Lei 9478/97, o monopólio estatal do petróleo foi quebrado. Hoje, o setor petrolífero brasileiro foi invadido por diversas empresas estrangeiras, uma real ameaça à soberania nacional. No momento, a sociedade está exigindo urgente mudança na Lei 9478/97, para que prevaleçam os interesses nacionais, notadamente com a descoberta da chamada área do pré-sal.

 

Em seu boletim nº. 01, de fevereiro de 1992, a AEPET avaliava que o processo de desestatização do setor de fertilizantes causou apreensão, sobretudo por ter desestruturado o Grupo Petrofértil como um todo, não apenas uma ou outra empresa do grupo. Estava claro que a intenção dos neoliberais era entregar, de bandeja, e com financiamento do BNDES, o setor às multinacionais. A AEPET ressaltava que o setor de fertilizantes é estratégico para qualquer economia e que, no caso brasileiro, deverá desempenhar `papel de máxima relevância para a retomada do processo de desenvolvimento econômico do país`. Tal avaliação da entidade ainda está atualíssima. Como falar em democracia e justiça social, com alimentos cada vez mais caros?

 

Reestatizar o setor de fertilizantes é garantia de mesa farta e barata ao povo. Em 1992, a AEPET prognosticava, ainda, que o PND poderia se transformar em instrumento de `transferência de propriedade estatal para privada` e desestruturar um segmento industrial cujo papel é de máxima relevância para o país. E foi o que aconteceu: transferência do poder estatal para o privado das multinacionais.

 

Conforme ressaltou o Sindiquímica-PR, corroborando com o que afirmara o técnico da Petrobrás, Ali Aldersi Saab, em sua apresentação no Workshop XistoAgrícola, em abril/2008, entre os compradores da Fosfértil S/A, o principal acionista foi a Holding Fertifós, criada por um grupo de misturadoras fertilizantes (Manah, Solorrico, IAP, Cooperativa Cotia, Fertibrás, Fertiliza, Takenaka, Fertipar), visando participar do leilão de privatização acima citado. Ao longo dos anos, fusões e aquisições mudaram a composição da Holding, ficando hoje basicamente a Bunge, através da Manah e IAP, com 52,31%, Mosaic/Cargil através da Solorriso e Fertiliza, com 33,07%, e Yara (Fertiliza e Trevo), com 12,76%, além de Fertipar, com 1,37%. Até 1992, a Petrobrás dominava o setor, com 100% (Forfértil e Ultrafértil).

 

Segundo afirmou Aldersi Saab (2008), `com os dados disponíveis sobre o market share do mercado de fertilizantes no Brasil, estimou-se o Índice Herfindahl - Hirshman (HHI), cujo valor se situou em torno de 2.463. Os organismos de proteção à concorrência dos Estados Unidos da América definem como altamente concentrados mercados com HHI superiores a 1800. Assim, baseando-se na regra americana, pode-se concluir que o mercado de fertilizantes no Brasil se configura como um oligopólio`.

 

O Comitê em Defesa dos Pequenos Agricultores, em manifesto à sociedade brasileira, no dia 12/05/08, apresentou ao governo Lula oito pontos. No terceiro ponto, o Comitê propõe a criação de novas produtoras de fertilizantes, sob controle do Estado brasileiro, com cotas para o agricultor. `Como medida imediata, apoiamos a construção de novas produtoras de fertilizantes compostos, porém que estejam sob o controle da empresa Petrobrás. É necessário o retorno da Petrobrás ao setor, ao invés de uma holding de produtores de soja, como chegou a ser sinalizado pelo governo. Sobretudo, porque é preciso garantir uma cota diferenciada no preço dos fertilizantes para o agricultor familiar e camponês`.

 

Além do Comitê de Pequenos Agricultores, outras entidades da sociedade brasileira e parlamentares, como, por exemplo, tem se destacado o deputado federal Dr. Rosinha, promoveram, no dia 12/05, audiência pública na Assembléia Legislativa do Paraná, na qual lançaram as propostas: reestatização da empresa Ultrafértil/Fosfértil; quebra do oligopólio das transnacionais; redirecionamento da política de financiamentos para o pequeno produtor; controle estatal sobre o preço dos fertilizantes, com atuação da Petrobrás; interrupção imediata na criminalização dos movimentos sociais; incentivo ao modelo agroecológico, à agricultura familiar, entre outras propostas.

 

Para parlamentares e diversas lideranças da sociedade brasileira, presentes àquela audiência, a retomada das atividades da Petrobrás na área de fertilizantes amenizaria os efeitos do oligopólio que domina o setor no país. O encontro reuniu especialistas, movimentos sociais, parlamentares e integrantes do poder público. Cerca de 200 pequenos produtores rurais, vindos de mais de dez municípios do estado, também participaram da audiência. O diretor de Comunicações da AEPET, Fernando Siqueira, compareceu ao evento. `Precisamos fazer balanços também numa série de outras áreas privatizadas`, disse. `A Petrobrás deve voltar a pôr a Nitrofértil na ativa, além de assumir a importação e a distribuição de matéria-prima, principalmente considerando que fertilizantes são um produto fundamental na produção de alimentos, sendo, portanto, tão ou mais estratégico do que o petróleo`. Nesse sentido, Siqueira ressaltou que `a Petrobrás tem um papel fundamental nisso, pois ela produz hidrogênio e nitrogênio, que são insumos para a produção de fertilizantes nitrogenados. Hoje, nós temos um cartel internacional que oligopoliza o fornecimento de fertilizantes e não vende em menores quantidades para os pequenos agricultores, prejudicando enormemente a agricultura familiar`.

 

O abuso de poder econômico na privatização do setor de fertilizantes, conforme denuncia o Sindiquímica-PR, ocorreu logo em 1994. A empresa Votufértil sentiu o poder da cartelização. Segundo matéria da Gazeta Mercantil de 05/03/96, a pequena produtora de fertilizantes teve que acionar o CADE para impedir o abuso econômico das grandes misturadoras contra as pequenas. A holding Fertifós havia reduzido de 1,71 mil toneladas para 703 mil a cota de fertilizantes para esta misturadora, além de aumentar o preço dos insumos em 70%, conforme matéria da `Folha de Londrina`, de 14/12/95.

 

O Sindiquímica-PR lembra, ainda, que, além de formarem um lobby para pressionar o governo a mudar as alíquotas de importação, para próprio benefício, os novos donos suspenderam a venda de fertilizantes, em qualquer volume, na porta da fábrica para os pequenos agricultores, o que os obrigou a comprarem somente das grandes misturadoras (os novos donos da Ultrafértil), pagando até 300% a mais pelo produto, inviabilizando a sobrevivência de diversos agricultores.

 

Sinais positivos no horizonte - a mobilização da sociedade brasileira parece estar surtindo seus primeiros sinais de esperança no horizonte. Neste mês de maio, diversos jornais noticiaram as primeiras manifestações concretas da Petrobrás de retorno ao setor de fertilizantes. O governo federal também se manifestou favoravelmente à empreitada. O Jornal do Commercio, de 10/06/08, noticiava: `O governo quer reduzir a dependência externa dos fertilizantes e ampliar a oferta, visando um conseqüente aumento na produção de alimentos`. A mesma matéria, entre outras propostas, noticiou que a estatal planeja construir novas unidades de fertilizantes no país, em meio à forte demanda pelo produto, e deve voltar a licitar reservas de potássio que possui na Amazônia e para as quais não encontrou compradores em tentativas anteriores.

 

O jornal Monitor Mercantil, de 10/06/08, noticiou que as diretorias da Petrobrás e da Vale do Rio Doce serão chamadas pelo governo para estudar a possibilidade de elevar, no curto prazo, a produção de insumos destinados à produção de fertilizantes, de modo a reduzir a dependência brasileira das importações de adubos. O governo pretende, no longo prazo, elevar a oferta interna para que o Brasil produza 80% dos adubos que consome.

 

São os primeiros sinais de uma imprescindível mudança de rumo no setor de fertilizantes no Brasil. Mas será preciso que a sociedade brasileira permaneça mobilizada para que a `vontade política` saia da teoria (do papel) para a prática, pois o país não pode suportar mais a dependência, que antes não existia. Essa contradição insuportável e incompreensível deve ser solucionada. A AEPET deseja que as autoridades levem em frente a disposição de tirar o país de tal dependência, pois será bom para os nossos agricultores, para o povo brasileiro e para o Brasil.

 

Publicado originalmente no boletim `AEPET Notícias` número 349 (julho, 2008).

 

José Carlos Moutinho é jornalista.

 

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Comentários   

0 #2 parabénsJOSÉ MANOEL DA SILVA NETO 24-07-2008 19:33
VENHO AQUI COMPARTILHAR DE MINHA FELICIDADE, POIS EM RECEBER ESSE INFORMATIVO QUE SEMPRE ESTA A NOS ALIMENTAR E PROVOCAR PARA O CONTROLE SOCIAL,POIS PARTICIPO DE MOVIMENTOS POPULARES DOS QUAIS ESTÃO ATUANDO DE FORMA INTERSETORIAL.
VALEU E AGRADEÇO A ATENCÃO E ESTOU A COMPARTILHAR AS INFORMAÇÕES, E JOGANDO A SEMENTE DO CORREIO,QUE SEMPRE ESTA A NOS ATUALIZAR E COM CUSTO ZERO...
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0 #1 Raymundo Araujo Filho 24-07-2008 17:49
A Farsa do Agronegócio
Raymundo Araujo Filho

Neste fim do ano de 2004 completa-se dez anos de um forte apoio ao que se passou a chamar Agronegócio, ou \"agrobusiness\" como preferem alguns, de forma pernóstica, como se não tivéssemos uma língua pátria.
Mas o que vem a ser, então, esta atividade que tomou conta da mídia, da economia e da consciência dos políticos que não têm ou perderam o mínimo senso da realidade e de outros valores, antes reverenciados como coisa de gente decente como, por exemplo, dignidade que nos leva ao discernimento entre o bom e o ruim.
O agronegócio nada mais é do que o desenvolvimento exponencial das atividades agropecuárias por setores associados, como são o latifúndio, a indústria de agroquímicos e venenos agrícolas, maquinários agrícolas pesados e outros, os quais nunca tiveram nenhum interesse no desenvolvimento do Brasil como um País soberano. Sempre visaram, como visam agora, apenas o lucro.
O chamado agronegócio, hoje, devasta a nossa natureza, destruindo implacavelmente nossas matas, florestas e cerrado, derrubando nossas riquezas à base do correntão (equipamento de arrasto de espécies vegetais), queimando milhares de hectares de espécies autóctones que guardam não somente a maior biodiversidade vegetal do mundo, mas também aquilo que poderia ser transformado em riqueza muito maior do que a soja.
Em nome de um propalado equilíbrio da Balança Comercial, estamos queimando todo o nosso bioma (carga genética) vegetal, animal e dos microorganismos, matérias-primas da medicina mais requintada que hoje existe, através de substâncias essenciais de alto valor no mercado de fármacos e cosméticos.
Matamos, de roldão, a fauna silvestre mais rica do planeta, em grave momento de extinção. Poluímos e extinguimos os nossos mananciais hídricos, irreversivelmente, com venenos e técnicas agressivas que assoreiam e secam as fontes de nossos rios (cerca de 60% nascem no cerrado brasileiro).
Socialmente, o agronegócio(novo nome para o latifúndio) causou, em uma década, o maior êxodo rural que se tem notícia no planeta. Entulhando nas periferias das grandes, médias e pequenas cidades brasileiras um número enorme de famílias (seres humanos) que, impedidos de exercerem o seu trabalho na agricultura familiar, produzindo os históricos 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, passam a ser os clientes do Fome Zero, Bolsa Família, Bolsa Esmola e outros remendos, chamados agora de programas sociais, que tanto orgulham o presidente Lulla, na sua imodesta incompreensão das coisas.
E essa brava gente brasileira deixou o campo pelos mesmos motivos que persistem hoje no governo do presidente Lulla: Ausência de apoio político e projetos competentes para a agricultura familiar, ausência de vontade política para fazer a reforma agrária, em que pese toda a propaganda falaciosa que somos alvos diariamente pela comunicação do governo e pela mídia aderida e sem opinião própria (apenas interesses), como é a maior parte da mídia brasileira, totalmente subserviente aos interesses dos \"de cima\".
E todo este desastre para produzir o quê? Soja, algodão, fumo, boi gordo (ou inchado?) e outras matérias-primas agrícolas e animais que transitam como vedetes nas bolsas de mercado futuro no exterior, atendendo pelo nome de \"commodities\", que servem apenas para movimentar o complexo agroindustrial internacional promovendo, em um primeiro momento, uma forte transferência de renda do campo para a cidade e, em um segundo momento, dos países dominados para os seus algozes do Primeiro Mundo. Mas, 2005 vem aí. E será a prova dos nove.
Assim, infelizmente por cairmos em nova desgraça, poderemos ter novos argumentos para que o povo brasileiro seja alertado que, ou muda o governo ou muda-se de governo.
*Raymundo Araujo Filho é médico veterinário homeopata e facilitador de projetos de agricultura familiar
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