Telecomunicações ficaram reféns de jogo de interesses

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Gabriel Brito
19/06/2008

 

Com o retorno das discussões acerca da compra da Brasil Telecom pela Oi e com as controversas pressões para que se aprovassem as mudanças no PGO (Plano Geral de Outorgas) que permitiriam a fusão, o Correio da Cidadania conversou com Marcos Dantas, ex-membro do Conselho Consultivo da Anatel.

 

Em sua opinião, a fusão das duas empresas é uma decisão necessária para a ampliação dos serviços de telefonia no país, no entanto, conduzida por pessoas que podem ter outros tipos de interesses - já que, segundo Dantas, faltou coragem ao governo em tomar as rédeas do processo logo no início do primeiro governo Lula.

 

No atual estágio das comunicações, o governo deveria ter como prioridade a universalização da banda larga, este sim um segmento pouco desenvolvido no país e que precisa de mais investimentos, alerta o professor do departamento de Comunicação Social da PUC-RJ.

 

A entrevista completa pode ser conferida a seguir.

 

Correio da Cidadania: Primeiramente, como você vê essa fusão entre a Oi e a Brasil Telecom? Ela é saudável para o mercado do país?

 

Marcos Dantas: Olha, antes de tudo, queria registrar que fico muito à vontade para falar desse assunto, pois sempre critiquei a fragmentação da Telebrás e tenho vários textos escritos ao longo desses anos, inclusive um livro, dizendo que tal modelo não daria certo. No livro ‘Lógica do capital-informação’, escrevi um prefácio no qual afirmava que este governo teria de mudar o modelo, sua política no setor. É isso que está acontecendo, como eu previa que ocorreria cedo ou tarde.

 

Quanto à fusão, acho que é necessária, sob pena de não termos em breve qualquer tipo de serviço de comunicação nas regiões mais pobres do país.

 

O segundo ponto, não colocado, é a sociedade brasileira, o desenvolvimento do país e, sobretudo, o atendimento à imensa fatia da sociedade brasileira que não constitui mercado; essas coisas é que devem gerar maior preocupação.

 

CC: Portanto, a fusão seria benéfica ao menos no sentido de ampliar a cobertura do serviço para essas regiões mais pobres?

 

MD: Sem dúvidas. Acontece que a Telemar, principalmente, e a Brasil Telecom são obrigadas a atender a uma imensa parte do país, onde prestar serviço não é rentável. Se não houvesse essa obrigação por contrato, pois são concessionárias de serviço público, simplesmente não estariam atendendo a esse grande Brasil pobre. Para que se tenha uma idéia, em cerca de 1.200 municípios brasileiros, que reúnem 20% da população do país, não existe serviço de telefonia celular, pois nesses locais ela não é rentável.

 

Portanto, as operadoras de celular, que não têm nenhuma obrigação de universalização, não prestam serviços nesses municípios. Em contrapartida, todos contam com o serviço de telefonia fixa, pois tanto a Telemar como a BrT são obrigadas a prestar serviço de universalização e a manter estrutura de comunicação, mesmo que não haja rentabilidade.

 

Sendo assim, nesse sentido, a fusão dessas duas empresas (justamente as duas mais penalizadas, porque a Telefônica está no Brasil rico, São Paulo, não no Tocantins, Amapá, interior da Bahia...) vai permitir a elas juntarem o que possuem do mercado rico – Paraná, Brasília, Rio de Janeiro, parte de Minas Gerais – e ficarem mais fortes para poder continuar prestando os serviços que precisam prestar também ao Brasil pobre.

 

Esse é o principal ponto de vantagem que enxergo na fusão, e que mais cedo ou mais tarde teria de acontecer, apesar de eu ter sido contra a fragmentação da Telebrás.

 

Agora, o que provoca mesmo a extensão do serviço é uma melhoria geral na renda média do brasileiro, o desenvolvimento do país. Se essas regiões tiverem condições, vão passar a fazer parte do mercado. Depende de uma série de fatores de melhoria social também. A existência dos serviços de telecomunicações no país inteiro é um fator de desenvolvimento do país inteiro, não o único. As telecomunicações não estão isoladas da realidade do país, são um componente dela.

 

CC: Mas dessa forma não corremos o risco de incentivar o monopólio no setor, afrouxando restrições para áreas de atuação?

 

MD: Não, isso é discurso ideológico, pois, onde há mercado, existe uma poderosa concorrência. Há mercado de verdade em cerca de 300 a 400 cidades brasileiras e nelas há uma presença forte de dezenas de empresas. Dou como exemplo minha casa. Tenho um telefone da Oi e outro da Embratel, além do celular. Isto é mercado. Onde moramos, existe serviço de vários fornecedores, apoiados em diversas estruturas, disputando mercado. Onde isso não existe, não vai haver concorrência. Onde moro, região de classe média, existem 4, 5 operadoras disputando o cliente; nas regiões pobres do Rio, na favela, não há ninguém. Se for para o interior do Brasil, aí que não tem mesmo.

 

O que cria concorrência ou não é a existência de um mercado que justifique investimento. Isso continuará ocorrendo em cerca de 300, 400 municípios, com uma competição crescente pela banda larga, várias operadoras de telefonia celular e fixa e agora com novos serviços, como wi-fi.

 

No Brasil pobre, onde não há renda, continuará não havendo concorrência. Somente se for obrigatório, como no caso das empresas concessionárias.

 

CC: Vemos artigos na mídia favoráveis e contrários à separação dos serviços de telefonia fixa e multimídia, o que consistiu em uma condição estabelecida pelos conselheiros da Anatel para permitir a fusão. Como você analisa esse ponto?

 

MD: Não consigo enxergar onde está a racionalidade disso. A tendência, e já está visível, é de uma decadência dos serviços de telefonia fixa. Ano após ano, as receitas advindas desse setor caem, o número de assinantes também, assim como o número de pulsos por minuto. É um serviço que num prazo de 10, 15 anos deve ficar totalmente secundário. Não vai acabar, mas perderá importância nesse período, sendo substituído por serviços de banda larga, entre outros.

 

Por outro lado, essa infra-estrutura de telefonia fixa reverte para a União ao final do seu contrato, pois é pública, nos pertence. Não pertence à Telemar, à Telefônica, mas sim à sociedade. Quando este contrato vencer, daqui a mais de 15 anos, poderá ser renovado, mas, caso não o seja, sua infra-estrutura reverte para a sociedade. Outra coisa é que, daqui 15, 20 anos, estará atendendo a menos pessoas, pois a tendência é que a população migre rumo aos novos serviços. Sendo assim, teremos de volta uma infra-estrutura que já não será de tanta utilidade como hoje.

 

Para onde essas empresas precisam se expandir? Para a banda larga. Aonde a sociedade brasileira precisa de um programa de universalização? Na banda larga, é nela que precisamos de uma política pública de universalização, não na telefonia fixa. E quem deve fazer essa política? As empresas concessionárias.

 

Portanto, no momento em que se separa tudo, criam-se custos adicionais na banda larga e obstáculos a uma política de universalização. Essa postura parece muito mais o resultado de disputas internas na Anatel do que de uma decisão revestida de alguma racionalidade; um problema menor, entre os grupos que disputam a Anatel, não um projeto estratégico para o país, pois vamos necessitar é de uma política de universalização da banda larga. Essa divisão só acrescenta custos ao processo, pois a universalização da banda larga é mais cara do que a da telefonia fixa. Não vejo vantagem nisso.

 

CC: Um dos principais argumentos dos defensores do negócio é o de ser a fusão das empresas a chance de o país ter um ‘global player’ no mercado mundial. Isso é realmente necessário à nação ou só traria vantagens de verdade aos donos da empresa?

 

MD: Veja bem, a Telefônica, que atua em São Paulo, remete todo ano para a Espanha, a partir da América Latina, 2,6 bilhões de euros. Não tenho o número específico para o Brasil, mas a soma da América Latina é essa, e São Paulo é praticamente metade disso em termos de mercado.

 

Sendo assim, que São Paulo fosse responsável por cerca de 1 bilhão desse montante não me espantaria. Não afirmo, pois não tenho o número, mas não me surpreenderia que o Banco Central o tivesse. Esse é um dinheiro que sai do Brasil, assim como o que vai sair da Embratel para o México - não sei se a Embratel já está exportando capital para o México, mas ainda vai exportar. É um dinheiro que sai do país sem que nada entre para compensar. Ou a exportação de soja e frango vai compensar? Não paga.

 

Dessa forma, se o Brasil não tiver uma operadora internacional que possa investir lá fora e trazer recursos, continuaremos a exportar capital no campo das comunicações, sem nenhuma entrada que compense essa exportação. Apesar de não saber dos números oficiais, pelos balanços internacionais da Telefônica e do grupo Telmex, podemos deduzir ser enorme a saída de recursos.

 

Portanto, o Brasil precisa de uma grande operadora de telecomunicações que possa repatriar ao país, dentro de alguns anos, uma parte dos recursos que exportamos via Telefônica e Telmex.

 

Mas, para que aconteça isso, não se pode depender somente da vontade das empresas. É preciso que o Estado brasileiro, a Anatel e o BNDES tenham políticas nesse sentido, que essas empresas se comprometam com exportação de serviços de telecomunicações. É necessário também apoio, fomento, até mesmo a obrigação do governo em participar, pois, sozinhas, as empresas nada farão.

 

Há 10 anos, eu achava que não se podia fatiar a Telebrás, pois defendia que ela devia ser para o Brasil o que é a Telmex para o México. Agora, o mercado está ocupado pelas duas, Telmex e Telefônica, é mais difícil. No entanto, o mesmo mercado é dinâmico e essa é uma estratégia que o Brasil precisa tratar, pois a questão das comunicações é geopolítica, um país precisa ter o controle de suas redes de comunicações, de seus próprios satélites. Há muita coisa neste mundo que a gente não sabe como funciona, mas o fato é que podem calar o país se quiserem, e nós não temos o controle de nossas telecomunicações.

 

CC: Você vê o governo empenhado em potencializar os rendimentos para o país nesse campo?

 

MD: Acho que há um lado do governo que incentiva esse retorno. Há um outro lado que desconhece esse fator. Alguns setores do governo conseguem entender a questão e ver por essa perspectiva, como existem também os que não a entendem e olham para questões menores.

 

Na verdade, nosso país não possui uma compreensão muito clara do papel das comunicações no mundo contemporâneo e não há uma estratégia brasileira no campo das comunicações, de forma geral. Portanto, ela avança muito em função de contar com a pessoa certa, no lugar certo, na hora certa. Aparentemente, existem algumas pessoas certas nos lugares certos, mas também existe muita gente errada no lugar errado.

 

Assim, como não há uma política do Estado, tudo fica muito dependente de lutas internas no governo, como essa da Anatel, que para mim reflete essa ausência do Estado. Desse jeito, vamos sempre avançar ou retroceder ao sabor de quem estiver sentado numa cadeira qualquer na hora de tomar uma decisão.

 

CC: A Anatel fica refém dessa ausência de política de comunicações ou ela poderia desempenhar outro papel também?

 

MD: Acredito que hoje ela é completamente refém da ausência de uma política no setor. Quem tem de fazer isso é o Ministério das Comunicações, não a Anatel. Porém, não o faz, não tem ministro e nem, sobretudo, uma equipe técnica capaz de formular uma política.

 

Durante todo o governo Lula, o Ministério das Comunicações não teve alguém capaz de uma grande formulação política nessa área. São ministros que têm uma visão mais imediatista, que tomam decisões em função das pressões ou contrapressões que recebem ou dos interesses aos quais servem. E não há no ministério uma equipe técnica forte, qualificada, pensante, que ajude o ministro a tomar melhores decisões, caso este queira.

 

Portanto, o ministério é muito dependente da própria equipe técnica da Anatel, que possui quadros técnicos capazes de pensar, ou de uma ou outra assessoria que alguém eventualmente preste ao ministro. Quer dizer, o ministério é muito frágil, tanto em quantidade como em qualidade; com isso, não temos uma formulação política no país.

 

Temos poucos núcleos acadêmicos que pensam  uma estratégia de comunicação para o Brasil, não temos nada porém nos partidos políticos. Então, de fato, as decisões vão acabar favorecendo os ‘interesses dos interessados’, que são os grandes grupos que conhecemos, de radiodifusão e de telecomunicações.

 

CC: A ausência de uma política de comunicações vai manchar o processo de fusão?

 

MD: Pode prejudicar o processo sim, certamente. Faz com que se percam as oportunidades positivas. Não são processos determinísticos, são possibilidades, que fique claro isso.

 

No entanto, é evidente que as possibilidades podem se realizar ou não. Porém, para que aconteçam, precisam estar embasadas em políticas públicas e visão estratégica. Se isso não acontece, as oportunidades são perdidas e ganha o varejo.

 

CC: Ainda nesse sentido, você não acredita que o fato de mudarem itens do PGO (Plano Geral de Outorgas) depois de iniciadas as negociações entre as duas empresas e de haver pressão pela mudança dos votos de dois conselheiros cria um grave conflito ético?

 

MD: Acho ruim que tenha acontecido isso, apesar de achar necessário. Aconteceria com ou sem pressão das empresas. Sinceramente, não estou tão preocupado com esse aspecto. Esse discurso é aquilo que chamaria de udenismo. Estou preocupado com a importância do fato em si. É necessário esse processo? É necessário. O governo deveria ter tomado a liderança desde o início? Sim, o governo e a Anatel. Tomaram a liderança? Não, pois não tiveram coragem.

 

Fui do Ministério das Comunicações, no início do governo Lula, e inclusive produzi na época um documento que dizia claramente que deveríamos trilhar este caminho. Depois, esse documento vazou para a imprensa e fui metralhado de tudo quanto é lado.

 

Quer dizer, o governo Lula, tampouco a Anatel, não teve coragem de assumir a liderança do processo e, a partir daí, conduzi-lo da melhor maneira possível.

 

Resultado: o processo se impôs. Hoje ele é necessário, porque as empresas não têm como sustentar seus compromissos sociais de universalização sem essa fusão, deixando numa posição ruim o governo.

 

CC: Em resumo, seria o processo certo conduzido da maneira errada?

 

MD: Sim, é uma boa maneira de definir. Acho que dentro dessa idéia há um conjunto de questões que não estão claras e precisam ficar. Essa fusão e também a reorganização do PGO têm de estar condicionadas a algumas visões estratégicas do país.

 

Por exemplo, a um programa de universalização de banda larga; isso não tem sido falado. Outro caso: desenvolvimento industrial tecnológico. As empresas precisam recuperar o compromisso que a Telebrás tinha com o desenvolvimento industrial tecnológico brasileiro; este é outro ponto que precisa ficar melhor colocado.

 

Também tem de haver alguma regra muito clara que impeça a desnacionalização dessa nova empresa futuramente. Acho até que o Estado deveria ter uma ação dourada (mecanismo que permite o antigo controlador de ter poder de veto em questões consideradas estratégicas) na empresa, entre outros elementos.

 

Enfim, há uma série de condicionantes que deveriam ser postos na mesa como parte de uma política de governo e de Estado, mas que não são colocados. Acho que essas questões são mais importantes que discutir ética e outras coisas.

 

Gabriel Brito é jornalista.

 

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