O Futuro dos Agrocombustíveis

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Roberto Malvezzi (Gogó)
25/04/2008

 

Ao propor a cota de 20% de energias renováveis até 2020, a União Européia está abrindo as portas para importação maciça de outros países, já que constatou não ter condição de produzir para satisfazer suas necessidades. No conjunto dessas energias, os líquidos poderão ocupar 10%. Assim, está criando um espaço no mercado de energias que o Brasil busca ocupar, particularmente com o etanol, seja produzindo em território brasileiro, seja aliciando países da América Central e da África para contribuírem na ocupação do mercado.

 

Entretanto, o assunto é cada vez mais controverso dentro da própria União Européia e a diretiva em construção que vai estabelecer os parâmetros ainda não está garantida. Pelo contrário, começa a haver recuos importantes, como o da própria Alemanha, país da maior economia da U.E. e com peso diferenciado nas negociações. A audiência pública sobre agrocombustíveis acontecida no parlamento alemão no dia 20/02/08 deixou evidente as profundas contradições que se alastram pelo mundo quando se fala na produção de agrocombustíveis.

 

Vale ressaltar que a apresentação de um "mau exemplo" internacional na audiência veio da Indonésia, que derruba suas florestas para plantar palma africana, com a finalidade de produzir biodiesel. Além das conseqüências ambientais, particularmente sobre sua floresta tropical, há fatores sociais nefastos, como remoção de comunidades, concentração de terras, aumento da insegurança alimentar.

 

A apresentação da experiência positiva veio do Brasil, através do representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário Brasileiro (MDA), afirmando que o programa do biodiesel é um sucesso, incorpora 100 mil famílias de pequenos agricultores; portanto, além de não ter restrições ambientais, favorece a inclusão social da parcela mais pobre da população brasileira. Questionado sobre o trabalho degradante nos canaviais, a escravidão, a concentração da terra e da água, esquivou-se dizendo que "a cana tem outra história, mas o programa do biodiesel já nasceu em outros parâmetros".

 

Obviamente, chamou a atenção que, para se discutir o papel dos agrocombustíveis no mundo, o Brasil enviasse um representante do MDA e não do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Seria uma forma de esquivar-se dos questionamentos feitos sobre a expansão e modos de produção do etanol? Seria porque uma audiência no parlamento alemão não tem relevância para a política do governo brasileiro? Ou seria ainda uma forma de fazer propaganda a partir de um programa mais palatável, mas que na verdade escondia todos os problemas dos canaviais brasileiros, inclusive sua relação com a expansão da soja e da pecuária sobre a Amazônia?

 

O fato é que os parlamentares questionaram a política brasileira de agrocombustíveis. Não aceitaram isolar o programa do biodiesel do conjunto de outros programas como o etanol. Questionaram a relação da expansão dos agrocombutíveis com o trabalho degradante, o trabalho escravo, o desmatamento do Cerrado, Pantanal e Amazônia.

 

Quando a palavra coube a especialistas convidados para opinar, o da FAO foi incisivo: "o número de pessoas no planeta vai aumentar em 3 bilhões até 2050. Como vamos alimentar essas pessoas, se destinarmos ainda mais terras para produzir agrocombustíveis?". O segundo perito foi ainda mais direto: "temos que congelar imediatamente as cotas de importação – sem expansão – porque representam um desastre para os países em desenvolvimento".

 

Efetivamente, o preço dos alimentos está subindo no mundo inteiro. Nesses dias, nesse país, tivemos elevação do preço do arroz, feijão e outros produtos básicos. Na própria Alemanha, em conversa com pequenos agricultores, eles afirmaram que "agora vale a pena plantar trigo, já que o produto triplicou de preço nos últimos anos". Quem reclamou foram os produtores de biogás, baseado em um tipo específico de milho. Segundo eles, começa faltar matéria prima, "já que agora os fornecedores preferem plantar trigo".

 

Mais tarde, em conversa particular com um assessor dos Verdes, ele revelava preocupação "em como vão ser abastecidos os oitocentos carros que a China lança por dia no mercado chinês". Nas preocupações do assessor da FAO e do assessor dos Verdes está sintetizado o paradoxo que só vai crescer e já se revelou uma tsunâmi: "vamos usar as terras agrícolas para produzir alimentos para mais 3 bilhões de pessoas que vão habitar a Terra ou para produzir agrocombustíveis para os carros chineses e do resto do mundo?"

 

Roberto Malvezzi (Gogó) é coordenador da CPT.

 

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