Correio da Cidadania

Ameaça à soberania é argumento de ‘má fé’ contra demarcação contínua de Raposa Serra do Sol

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Em face das recentes disputas entre índios e arrozeiros invasores pelas terras de Raposa Serra do Sol, em Roraima, o Correio da Cidadania entrevistou Egon Heck, coordenador do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) no Mato Grosso do Sul, para tentar esclarecer alguns fatores que cercam a questão.

 

Para Egon, que desqualifica os argumentos de que a soberania nacional estaria ameaçada, os índios têm total e histórico direito à terra reivindicada, e sua luta serve de exemplo para todo o povo brasileiro. Além disso, também faz alertas em relação à violência praticada por empresas donas de grandes propriedades contra os povos indígenas, destacando que os arrozeiros não estão preocupados em colaborar com a economia da região, e sim com interesses econômicos privados.

 

Correio da Cidadania: Qual sua opinião sobre a demarcação contínua?

 

Egon Heck: Com relação à Raposa Serra do Sol, tenho um sentimento claro de que é um direito dos povos brasileiros que foram invadidos, tiveram suas terras tomadas. Temos respaldo na Convenção 169 da OIT, na declaração dos direitos dos povos indígenas, E na própria Constituição.

 

Com todos esses fatores, não restam dúvidas de que as terras pertencem aos povos Makuxi, Wapixana, Ingaricó, Taurepang, Patamona, enfim, todos os povos que lá habitam.

 

CC: O que você pensa dos argumentos, essencialmente defendidos pelo Exército, de que a soberania do país estaria ameaçada com a demarcação contínua, especialmente em uma área de fronteira?

 

EH: Eu creio serem de má fé, ou algum tipo de informação tendenciosa. É absurdo, sob o aspecto sociológico e político, que a demarcação da terra indígena possa ser uma ameaça à soberania do país. Tanto é absurdo que, por se tratarem de terras indígenas, são propriedade da União. Isso significa que são áreas duplamente protegidas, que trazem mais segurança ao país.

 

Aliás, propriedades privadas de grandes multinacionais deixam que se estabeleçam nessas terras grupos de fachada que tentam defender essa situação, como os próprios arrozeiros, que são pontas de lança dessas argumentações falaciosas de que a terra indígena colocaria em risco nossa soberania e prejudicaria a economia.

 

A soberania do país há muito tem estado em risco, mas não por causa dos índios, pelo contrário. Na luta pela soberania do país, os próprios Makuxi têm ajudado, com argumentação jurídica de que aquela terra, enquanto terra do Brasil, é de direito pleno dos índios. Toda essa questão desmonta de maneira cabal qualquer tipo de argumentação, que foi colocada de má fé no meu ponto de vista.

 

CC: Há alguma legitimidade nos interesses defendidos pelos arrozeiros?

 

EH: Eles, a rigor, são umas seis pessoas da área, representando talvez 60 políticos e grupos econômicos, que por sua vez representariam uns 600 tipos de interesses econômicos nacionais e internacionais. Todos esses, juntos, fecham o cerco em relação aos índios, afrontando até a Constituição do país. Na verdade, os arrozeiros encarnam esse pequeno grupo de interesses econômicos e políticos.

 

CC: Existem ainda as argumentações de que Raposa Serra do Sol estaria inviabilizando a economia do estado.

 

EH: Fala-se isso também. É outra mentira deslavada, pois ela representa 7% do território do estado apenas e, mais do que nunca, os próprios Makuxi têm demonstrado capacidade de se colocar a serviço da própria economia regional. E tanto é mentirosa essa argumentação que os próprios arrozeiros não cumprem a Constituição e tampouco produzem para o país.

 

Portanto, é totalmente mascarada a argumentação de que querem permanecer ali para fortalecer a economia do estado. Poderiam fazer isso em várias outras áreas, que inclusive foram colocadas à disposição deles.

 

CC: E qual a sua avaliação sobre a posição do governo, do Cimi e da Funai em toda a questão?

 

EH: Tenho a impressão de que há uma convergência nas posições do ministro da Justiça, Tarso Genro, do presidente Lula e do presidente da Funai, no sentido de desmascarar as argumentações que tentam criar um clima de banditismo na região, afrontando as próprias leis do país. Isso, evidentemente, é colocado com muita maestria e fundamentação pelas mais distintas posições que vejo em vários órgãos e claro que essa argumentação é sólida, baseada nas leis e na Constituição do país.

Tenho acompanhado toda essa trajetória dura, na qual algumas organizações lutam há mais de 30 anos, sofrendo atentados, assassinatos, e tenho acompanhado principalmente o processo organizativo desse povo nas grandes assembléias que realizam. É um processo muito sério na defesa e luta por seus direitos, o que é uma demonstração - não só em Roraima, mas em todo o país - da importância que têm todos aqueles cujos direitos originários e constitucionais devem ser respeitados. E só o serão na medida em que a população tiver consciência e também lutar por isso.

 

Pode-se dizer que se trata de um exemplo heróico para o nosso país, de um povo que durante 30 anos lutou, teve diversas lideranças assassinadas, casas queimadas, prisões, mas que ainda está aí, de cabeça erguida e altivo, exigindo seus direitos.

 

CC: Pensando na Funai mais especificamente, como você avalia o papel que ela tem desempenhado nos últimos dois, três anos?

 

EH: Acho que a última presidência da Funai tem demonstrado uma disposição que não se via anteriormente. Uma clareza política na luta pelos direitos indígenas, que significa também que, dentro do estado, há interesse na questão. Apenas lamentamos que seu sucateamento histórico nos últimos anos não lhe dê força política suficiente para fazer o enfrentamento que deveria.

 

Acredito que, do ponto de vista do discurso político, sem dúvida tem demonstrado uma clareza e coerência muito grandes. Porém, nos resultados, sua eficácia tem sido muito tímida.

 

CC: Você acha que a situação pode acabar enveredando para confrontos graves?

 

EH: Existem vários cenários possíveis. Espero que a irracionalidade não prevaleça nesse grupo que tenta tumultuar um processo tão claramente construtivo, conduzido em todos os níveis na legalidade, e que agressões tão vãs contra esse povo não ocorram, incluindo a tentativa de se criar um clima de terrorismo na região.

 

Que isso não permaneça, porque creio que todas as apelações praticadas por eles, de arregimentar forças, pagar mercenários para brigar com os índios e incentivar um derramamento de sangue, são de uma covardia enorme. Isso tudo só mostra a falta de caráter e, efetivamente, de coerência e boas intenções dos arrozeiros.

 

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Comentários   

0 #3 Terra indígenaHélio Q. Jost 28-04-2008 12:02
Quer me parecer que sobre o assunto faltou debate. Sou favorável à preservação da cultura nativa, mas acredito que não podemos (-nem devemos) "confinar" os índios em suas reservas. Nessa região, -em que a miscigenação entre índios e brancos é uma realidade, o que é bonito e inevitável-, nem todos são plantadores de arroz e se as terra são públicas, que se limite o tamanho das propriedades. Ouço falar de pessoas que estiveram nessa e outras áreas indígenas limítrofes que estranhos (estrangeiros) têm acesso livre a essas e outras reservas na fronteira e mantém estreito contato com os índios que inclusive estariam falando inglês e francês. -É verdade? -E as riquezas minerais em fronteiras desguarnecidas não são uma ameaça à soberania?
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0 #2 terra indigenaEdson Castanhera 25-04-2008 20:14
Prezados Senhores,
A lei tem que ser cumprida, a área é indigena, a antropologia provou, então cumpra-se a lei e fora os invasores.
Agora quanto aos arrozeiros, que tática terrorista impressionante, depois dizem que o MST é o perigo!
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0 #1 Resposta ao CimiHumberto Azevedo 24-04-2008 09:35
Comento a opinião do coordenador-geral do Cimi, publicada na última quinta-feira, 24 de abril, no sítio www.correiodacidadania.com.br. A argumentação colocada pelo coordenador deste organismo não é compatível com a realidade.

Chamar os produtores rurais de invasores não é honesto e completamente equivocado. Os \"arrozeiros\" como este entrevistado falou não são invasores. São pessoas que acreditando num projeto de governo ou de Estado saíram de suas regiões, principalmente do sul do País, sobretudo na década de 70, quando atendendo a um chamamento das autoridades brasileiras à época foram em busca de sonho e trabalho integrar a região amazônica ao resto do Brasil.

Eles não eram (e nem são) invasores até o Decreto presidencial, datado de 2005, que demarcou a área indígena.

Falo isso com conhecimento de causa. Acompanhei como testemunha ocular os fatos.

Em 2004, a Câmara dos Deputados organizou uma Comissão Externa para acompanhar o processo de elaboração final do Decreto e sugerir a aplicação do mesmo. O relator da referida Comissão Externa foi ex-deputado Lindberg Farias (PT-RJ), atual prefeito de Nova Iguaçu, que em seu relatório sugeriu várias medidas e que devido ao ranço autoritário existente nas autoridades do Poder Executivo (de qualquer Poder Executivo de qualquer governo de qualquer partido) não acatou nenhuma.

A elaboração do Decreto presidencial ouviu apenas os setores favoráveis pela demarcação de maneira contínua.

Não ouviu o seu ministério da Defesa!

E quais eram (são) as sugestões propostas pelo ex-deputado Lindberg Farias: 1-) Identifica a preservação do município de Uiramutã (RR) como essencial para a manutenção do Estado brasileiro na região; 2-) Sugere que algumas áreas, sobretudo dos produtores de arroz, não fossem incorporadas a reserva indígena; 3-) Afirma claramente ser essencial a existência de postos das Forças Armadas do Brasil ao longo da área demarcada.

O que é que o governo fez? Nada. Não acatou nenhuma sugestão do ex-deputado petista.

Acatou apenas as sugestões extremistas e radicais de pessoas ligadas ao uma parte do movimento indigenista.

Setores do movimento indigenista com visão diferente da demarcação contínua também nem sequer foram ouvidas.

Será que o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), ex-ministro do governo Lula, também age de má-fé quando também não concorda com a demarcação de maneira contínua?

Por tudo isso expresso repudio as declarações do coordenador-geral do CIMI.

O decreto assinado em 2005 é sim um atentado a soberania brasileira.

Nem eu, nem os produtores de arroz e ninguém quer que a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol deixa de existir.

É importante que os indígenas ou nativos da terra brazilis sejam contemplados pelo Estado brasileiro após 500 anos de existência. Mas querer impor a contemplação aos nativos da maneira como está sendo proposta, aliás proposta que não é de um governo ou de um partido e sim do governo Collor para cá, com supressão de direitos aos demais brasileiros não é o melhor caminho.

Caminho, aliás, apenas defendido por pessoas militantes do movimento indigenistas ligados a diversas organizações não governamentais que nitidamente não defendem o interesse da Nação.

A demarcação como está proposta pelo Decreto presidencial é um risco ao domínio brasileiro em suas fronteiras, assim como, só interessa a pequenos grupos e não ao conjunto amplo e restrito da sociedade brasileira.

Por isso e não deveras a uma campanha inconseqüente o STF (Supremo Tribunal Federal)julgará se o Decreto presidencial é constitucional ou não.

Mas a análise do STF não será de mérito e sim se o Decreto é legal. E isso não porá fim ao imbróglio da Reserva Raposa Serra do Sol.

O que porá fim será a aprovação pelo Congresso Nacional de um Decreto Legislativo que suprima o Decreto presidencial e regulamente a área indígena de maneira patriótica e justa para todos os brasileiros que lá vivem.
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