A “revolução democrática” de 64 e a formação ideológica das forças armadas

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Marcelo Dorneles Michel
31/03/2008

 

Estamos em uma data significativa, trinta e um de março. Data que representa o vermelho do sangue de homens dignos derramado arbitrariamente por nossos militares. Isso mesmo! Pelos militares, justamente aqueles que deveriam defender a pátria brasileira. Trinta e um de março de sessenta e quatro, o dia do golpismo. Data que não deve ser apagada da memória dos brasileiros. E não deve ser esquecida para que golpismo e arbitrariedades como aquele não aconteçam jamais.

 

É interessante, e poucos refletem sobre isso, o perigo da formação ideológica de uma categoria que tem sob suas mãos o poder das armas. Por possuir poder dessa imensidão, é justa e prudente a neutralidade política no máximo que for possível da instituição que a exerce. Por que, então, nossos militares recebem formação direitista e conservadora dentro das academias das forças armadas? A que interesses essa formação serve?

 

Falo com conhecimento de causa, pois passei alguns anos nas fileiras do exército como oficial temporário. Passamos por tentativas de doutrinação a favor do pensamento político direitista conservador, a ponto de tentarem nos convencer, com convicção, dos erros intencionais cometidos pelos historiadores ao contar a história do Brasil durante o Regime Militar. É inconcebível, na caserna, alguém ousar demonstrar um mínimo de simpatia por partidos, movimentos ou pessoas ligadas a tendências populares ou progressistas.

 

Em uma instituição que preza a hierarquia e disciplina, e faz isso corretamente por ter a força das armas, não raramente presenciei atos de desrespeito ao chefe maior das forças armadas, o Presidente da República. Analfabeto, burro, guerrilheiro, alcoólatra e despreparado eram as formas de se referirem ao presidente Lula. Desrespeitoso foi também como o comandante de minha unidade se referiu ao chefe Nelson Jobim, Ministro da Defesa, ao chamá-lo de despreparado em frente aos seus oficiais, durante uma reunião com os mesmos – o famoso Bom Dia.

 

]No Exército, descobri que não houve golpe, mas uma "revolução democrática". Revolução que suspendeu e cassou direitos políticos, impediu os moradores de cidades consideradas estratégicas de elegerem seus prefeitos; depuseram governadores eleitos democraticamente; censuraram a imprensa; torturaram e mataram cidadãos que lutavam pela dignidade, justiça, liberdade e paz em nosso país; mantiveram presos e/ou exilados personalidades como Paulo Freire, Frei Betto, Betinho e tantos outros cidadãos que tanto contribuíram para o desenvolvimento intelectual, artístico e cultural de nossa nação. Tudo isso fez a "Revolução Democrática de 64", que eu prefiro chamar de golpismo.

 

Mesmo assim o governo federal do presidente Lula, concede a esta categoria, em seus seis anos de governo, aumento de mais de 30% em seus soldos. Aumento que o ex-presidente Fernando Henrique, idolatrado por parte das forças armadas (porque outra parte ainda o achavam muito progressista), em seus mais de 8 anos de governo, não concedeu. Aliás, quais as categorias do funcionalismo público receberam aumento deste nível? Mesmo assim, os militares ridicularizam o presidente e vários de seus ministros que lutaram pela redemocratização do Brasil nos anos de pau-de-arara. Lula e seus ministros mostraram hombridade suficiente para superar os traumas de perseguidos e presos políticos tentando uma reaproximação com os militares na perspectiva do diálogo para o desenvolvimento do país. Reaproximação materializada na questão salarial e no reaparelhamento das forças armadas, que nas últimas décadas (Sarney, Collor, Itamar e FHC) ficou renegada ao sucateamento.

 

Os militares, por puro conservadorismo direitista e autoritarismo doentio, continuam resistentes. Insistem em ver tudo o que é popular, tudo o que vem do povo como "ameaça comunista". O governo, segundo eles, é para ser governado somente pela elite, pois as vêem como a única capaz. Mas, afinal de contas, o que teve de bom o Brasil governado pelas elites pré-Lula? Em que ficamos melhores? Nossos sistemas de saúde e de educação são melhores que o cubano? Nossas forças armadas são melhores aparelhadas que a chinesa?

 

Acordem militares! Ainda há tempo de repararem o sangue de inocentes por vocês derramados entre aquele 31 de março de sessenta e quatro e a "abertura" no ano de 84. É só trabalharem para que em nosso país se faça a construção da igualdade, da dignidade, da justiça e da paz! Quem sabe se aproximem das forças populares para que um novo Brasil aconteça, já que distante destas forças vocês fracassaram.

 

Marcelo Dorneles Michel é professor de Filosofia e de Sociologia – E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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