Uribe e a conversão de Clóvis Rossi

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Altamiro Borges
17/03/2008

 

Já faz algum tempo que o jornalista Clóvis Rossi, integrante do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo, tem surpreendido leitores mais atentos pela postura adotada em episódios marcantes da política nacional e mundial. Ninguém entende a sua conversão – de intelectual que contribuiu na luta pela redemocratização do país e na crítica à Davos e à globalização neoliberal para as atuais posições mais à direita, paparicadas por tucanos, demos e congêneres. Esta mutação atingiu o seu auge na recente invasão do Equador. O colunista, tão admirado no passado, abandonou qualquer neutralidade para se somar ao coro reacionário da mídia na absolvição do facínora Álvaro Uribe.

 

Linguajar rancoroso

 

Num linguajar rancoroso, mais apropriado aos pitbulls Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo, ele exigiu do governo postura mais dura contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). "Convém ter claro que o Brasil pode e deve ser neutro entre os dois vizinhos, mas não pode nem deve ser neutro entre o governo colombiano (legítimo) e as Farc (grupo delinqüente)... As Farc há muito abandonaram qualquer veleidade de ação política pela via armada para se tornarem delinqüentes que vivem do narcotráfico e do dinheiro arrecadado com seqüestro".

 

Adotando a tática diversionista de Uribe e Bush, ainda aproveitou para atacar o "intempestivo" Chávez e para criticar o governo de Rafael Correa. "A Colômbia invadir território equatoriano é condenável. Mas vale, até para o Brasil, o que diz Carlos Malamud: ‘Se os governos fronteiriços da Colômbia fizessem o seu trabalho, protegessem suas fronteiras e impedissem que bandos de delinqüentes passeassem livremente por seus territórios, ações como a da Colômbia não seriam necessárias". É uma justificativa para a "guerra preventiva" de Bush e Uribe contra o Brasil? Se o próprio governo colombiano não consegue descobrir e derrotar as Farc, que controlam 40% do território, porque o presidente Correa teria todas as condições para "proteger as suas fronteiras"?

 

Um falcão da guerra

 

Clóvis Rossi, que já foi mais independente no oficio do jornalismo, simplesmente não tocou no fato principal: Álvaro Uribe invadiu uma nação soberana e atentou contra o direito internacional, numa ação rechaçada pelos países latino-americanos na Cúpula do Grupo do Rio. Preferiu atacar as Farc, Chávez, Rafael Correa e Lula (alvo de sua obsessão atual). Quanto às Farc, Rossi ficou à direita do direitista Nicolas Sarkozy. Segundo a agência de notícias francesa, "o número dois das Farc, Raúl Reyes, tentava acertar uma reunião com o presidente francês no momento em que foi morto por tropas colombianas". O "intercâmbio humanitário" visava libertar Ingrid Betancourt.

 

Rossi nem sequer ouviu os apelos de familiares de Ingrid Betancourt, ex-candidata à presidência do país que está no cativeiro das Farc há seis anos. Lorenzo Delloye, seu filho, acusou Uribe de "brincar com as vidas dos seqüestrados e com a honra da Colômbia". Já o seu ex-marido, Fabrice Delloye, admitiu que as Farc "mostram uma visão humanitária" ao soltarem seis seqüestrados e pediu mais diplomacia para libertar os reféns. Postura bem mais equilibrada do que a do falcão Clóvis Rossi, que rejeita qualquer negociação com "delinqüentes", esquecendo-se que o próprio governo dos EUA já se reuniu com guerrilheiros das Farc, inclusive com Raul Reyes, em 1998.

 

Advogado de narcotraficantes

 

Além de rejeitar a via da negociação, da saída política para uma guerra que se arrasta há 44 anos, Rossi também inocentou Uribe. Ele acusa a guerrilha de narcotraficante, mas nada fala sobre os notórios vínculos do atual presidente com as máfias da cocaína e com paramilitares. Como leitor contumaz, ele deveria ler o livro da ex-amante de Pablo Escobar, a ex-apresentadora de televisão Virgínia Vallejo. A obra "Amando Pablo, odiando Escobar" descreve as ligações de Uribe com o sanguinário chefão do Cartel de Medellín. Outra dica de leitura é o livro de Joseph Contreras, jornalista da Newsweek. As 260 páginas da obra El Señor de las Sombras é rica em informações sobre a trajetória de Álvaro Uribe Vélez, provando que ele sim é um verdadeiro narcoterrorista.

 

Relatório do serviço de inteligência do Departamento de Defesa dos EUA, datado de setembro de 1991 e liberado ao público recentemente, lista os 100 principais colombianos envolvidos no tráfico de cocaína aos EUA. Na página 82 do documento surge uma informação que deveria ser valorizada por Clóvis Rossi: "Álvaro Uribe Vélez, político e senador colombiano, dedicou-se à colaboração com o Cartel de Medellín em níveis elevados do governo... Uribe trabalhou para o cartel e é amigo próximo de Pablo Escobar Gaviria". Seu pai, Alberto Uribe Sierra, chegou a ser preso e teve o seu processo de extradição aos EUA negado graças à ação do influente filho. Um helicóptero do Cartel de Medellín foi utilizado no enterro do pai de Uribe.

 

Um "legítimo" ditador

 

Ao inocentar o "legítimo" governo colombiano, Rossi também oculta os motivos da guerra civil neste país. Nos anos 80, as Farc decidiram participar da via político-eleitoral e fundaram a União Patriótica (UP). Mais de 600 militantes desta frente foram assassinados, inclusive três candidatos presidenciais e um senador. Duramente reprimida, as Farc retornaram às selvas e à guerrilha. Ao contrário do que prega Rossi, não há democracia na Colômbia. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), que não tem nada de esquerda, atesta que este é o país mais violento do mundo contra os movimentos sociais. De janeiro de 2001 a dezembro de 2006, foram assassinados 2.245 líderes sindicais e outros 138 estão desaparecidos. Baita "legitimidade" possui Uribe!

 

Como um intelectual orgânico da direita, Clóvis Rossi conhece bem todos estes fatos. Citá-los é ensinar a missa ao vigário. Ocorre que o jornalista parece querer renegar o seu passado e ser mais realista do que o rei, adotando posições cada vez mais reacionárias. Desde a vitória de Lula, esta conversão se acelerou. Seu hobby atual é atacar as esquerdas. Como registrou Venício de Lima, no livro "Mídia: crise política e poder no Brasil", Rossi chegou ao absurdo de encontrar "digitais do PT" no assassinato do eletricista mineiro Jean Charles de Menezes em Londres, em setembro de 2005. Dias após sua emblemática coluna, o governo inglês revelou que o brasileiro ingressou legalmente naquele país como turista em maio de 2002. Lula só tomou posse em janeiro de 2003.

 

No texto "Debilóides & descerebrados", Valter Pomar, dirigente do PT, reagiu no final de 2007 a uma coluna de Clóvis Rossi que atacava as "patrulhas ideológicas da esquerda" e defendia Paulo Zotollo, presidente da Philips e líder do golpista Cansei. A resposta ajuda a decifrar a conversão. "Quem parece ter medo de patrulha ideológica no Brasil não é a direita, mas sim um pedaço da ‘intelectualidade’. Ele não gosta de ser considerado de direita, nem conservador. Mas tampouco gosta de ser considerado de esquerda. Prefere ficar acima da coisas, não tendo que tomar partido e fazer opções politicamente difíceis... A crise do socialismo facilitou as coisas para este tipo de ‘intelectual’. E as concessões políticas do PT parecem ter feito esta ‘intelectualidade’ concluir que também pode fazer coro com gente da direita’. O notável é a raiva com que faz isto".

 

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

 

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