Sem debate e sem autonomia, TV Brasil será refém das forças dominantes

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Gabriel Brito
13/03/2008

 

Foi aprovada no Senado, aos trancos, na madrugada desta quarta-feira, 12 de março, a Medida Provisória que cria a Empresa Brasil de Comunicação, a TV Brasil. Como se sabe, a sessão que definiu a questão foi altamente tumultuada e viu os oposicionistas abandonarem a casa antes de seu encerramento, que foi dado após votação apenas simbólica dos demais parlamentares.

 

Sabe-se que interesses políticos influenciaram nas posturas de ambos os blocos no plenário, o que consequentemente esvaziou a discussão sobre aquilo que a TV Brasil tem a oferecer e acrescentar à sociedade e à comunicação no país.

 

Por conta disso, o Correio da Cidadania conversou com pessoas envolvidas de alguma forma na questão. Para o representante em São Paulo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Frederico Ghedini, a televisão pública é importante e necessária para a nação, porém não da forma como vem sendo criada.

 

A ausência de debates, participação popular e autonomia

 

"Uma TV, para ser chamada de pública, não pode ter seu conteúdo definido pelo governo e nem pelo mercado, se não ela tem o nome fantasia de pública, mas segue a mesma lógica da TV comercial. Se a TV vai ser pública, só nos próximos anos vamos saber e, além do mais, vai depender também da possibilidade efetiva de o público interferir nela", avalia Ghedini.

 

A questão do caráter da TV é um ponto que preocupa também o jornalista e professor da PUC-SP Hamilton Octavio de Souza. "O que não temos no Brasil é uma TV pública com características de independência da gestão, produção e direção. Esse projeto do governo federal reproduz o mesmo formato das outras TVs estatais", afirma.

 

A respeito do financiamento e da montagem do Conselho Curador da nova emissora, um dos pontos mais controversos desde sua formação, ele reprova a forma como foi designado, considerando-o excludente e elitizado. "Existe um Conselho nomeado pelo presidente, uma verba que é incluída no orçamento... Então a TV vai depender basicamente do orçamento da União e não tem a independência necessária. Uma TV pública deveria ter sua direção e conselho indicados por entidades da sociedade, e não pelo presidente. Já a gestão deveria ser algo assegurado através de verbas públicas ou de setores sociais", completa, sem deixar de sugerir a inclusão de outros participantes na discussão.

 

"O ideal seria um conselho indicado pela OAB, ABI, CUT, MST, pelas forças expressivas da sociedade". Dos 15 integrantes do Conselho Curador, apenas três são provenientes de movimentos sociais ou áreas culturais.

 

Ghedini também se posicionou a esse respeito. "O arcabouço legal não está bem desenhado para que seja um sistema realmente público. Como isso não está bem definido legalmente, vai depender muito das pessoas que vão fazer. Se fosse algo claramente definido na legislação, poderíamos acreditar mais, pois dependeria menos das pessoas que vão gerir", diz ele, que ainda faz um alerta para a necessidade de o canal se firmar rapidamente entre os telespectadores. "Se não mostrar um diferencial daqui a uns 3 anos, será mais uma promessa que não se realizou. Por enquanto, ela tem o apoio do governo e os meios para se lançar. Se não der certo nesse tempo, entra na lógica antropofágica de governo e tende a ir para a nulidade".

 

A grande preocupação expressa por várias personalidades quanto à autonomia da TV foi enfaticamente abordada por Hamilton. "A dependência do governo cria um cerceamento à liberdade de crítica, isso é ruim. É uma proposta de concepção conservadora. Deve ser mais um canal a serviço das forças dominantes, do neoliberalismo, das políticas conservadoras. Não vejo perspectivas de esse canal contribuir para elevar o nível de consciência e cultura das pessoas", critica.

 

Outro fator ainda pouco claro na formatação da TV Brasil é o que se refere à seleção de conteúdos a serem exibidos e a difusão igualitária e descentralizada de cultura em suas diversas formas e origens pelo país. "Não acredito que a programação avance muito além daquilo que vem sendo feito pela Radiobrás. O grande problema no Brasil é que temos setores majoritários da população que não têm acesso à comunicação. Os operários, trabalhadores da cidade e do campo, das periferias, não têm meios para colocarem suas demandas e reclamações. São apenas receptores de uma comunicação dominante feita pelas elites, grupos políticos e econômicos da sociedade brasileira", aponta o jornalista.

 

Sua opinião é compartilhada pelo representante do FNDC, que não mostrou entusiasmo ao comentar sobre o que deve ser a linha editorial da emissora. "Acho muito difícil desvincular a TV do governo por causa da nossa cultura que mistura o público com o privado. É assim que o grande capital se apropria de tudo isso, tanto que os políticos mais truculentos são os que mais obtiveram sucesso ao longo da história".

 

Abertura para debates e participação popular

 

Ainda na linha de como será a seleção e definição da programação, Hamilton sugere caminhos que poderiam ser traçados pelo governo tão logo a TV Brasil entre de fato nas casas dos brasileiros. "A TV pública precisa de um organismo de acompanhamento por parte de setores da população, dos movimentos sociais organizados, que pudesse contribuir com sua programação de forma a assegurar sua diversidade cultural, produção regional, para preservar as culturas regionais do Brasil. Tem que evitar essa padronização de alguns centros emissores.

 

Temos que fazer com que a TV abra espaço para todas as produções de todos os estados e regiões brasileiras, de maneira a mostrar costumes diferentes, preservar a diversidade. Essa é a forma de se fazer televisão democrática, pois, se ficar centrada no eixo Brasília-Rio-São Paulo, vai reproduzir a mesma coisa que essas grandes redes fazem".

 

Para Hamilton, "o papel da TV pública seria esse. Fazer uma programação diferenciada, que não entre nos mesmos esquemas da TV comercial".

 

Quanto à construção de um verdadeiro espaço de debates e manifestações de setores da sociedade, abrindo caminhos àqueles que têm sido historicamente excluídos, Hamilton acredita que "os critérios para seleção de conteúdo seriam uma boa oportunidade de tentar democratizar essa discussão da programação, ouvir setores que não são ouvidos. Pode-se discutir com as mulheres, os negros, os índios... O ideal é que fosse essa a arena de debates".

 

Apesar de estarem a favor de sua criação, Ghedini e Hamilton não vêem, infelizmente, um futuro promissor para o novo canal. "Torço para dar certo, é uma tentativa necessária. O passado historicamente não ajuda muito as redes públicas do Brasil, mas se deve tentar", apóia e lamenta Ghedini.

 

Hamilton é bem mais pessimista. "A TV que está nascendo não é pública, é estatal, como a Cultura, a TVE no Rio. São estatais que sofrem influência dos governos, têm direção nomeada. A Cultura, em São Paulo, sempre foi influenciada pelo governador do momento e hoje é servil ao Serra".

 

Sobre o que deveremos ver no ar em breve, os prognósticos de Hamilton são igualmente sombrios. "Acredito que vá ser um canal estatal abrindo espaço para o mesmo conteúdo que as TVs privadas costumam produzir. O ideal é que fosse uma arena de debates, mas não confio, porque esse conselho que está montado é conservador, ligado aos setores empresariais mais do que a qualquer coisa. Não vejo como os movimentos sociais possam participar desse conselho. Com essa concepção, vai ser apenas mais um canal a serviço das forças dominantes, tá na cara isso", finaliza.

 

Gabriel Brito é jornalista.

 

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