Correio da Cidadania

É hora de chutar o cachorro morto

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Bolsonaro vai deixar herança 'mais maldita' da história, diz deputado
Acabou? Não. Ainda temos 45 dias de governo Bolsonaro pela frente e os crimes continuam sendo cometidos. A começar pela quase ignorada sabotagem da vacinação contra Covid-19 para crianças de 0 a 5 anos, enquanto novas variantes eclodem num país que já perdeu 1500 crianças para a pandemia. Mas os grandes meios de comunicação estão mais preocupados em fazer oposição a um governo que sequer começou do que cobrir os últimos dias de uma administração que não faz absolutamente nada e tem um presidente com uma agenda oficial completamente vazia há 15 dias. Alguns parecem desejar que entendamos alguém que merece ser visto como o pior ser humano da história política do país como um coitado, um inimputável. Mas ele ainda tem obrigações e continua inerte diante delas e, claro, cometendo crimes. Afinal, o que será do dia a dia de órgãos não só grosseiramente aparelhados, mas que se tornaram verdadeiros escritórios do crime em suas respectivas áreas de atuação? Teremos acesso aos arquivos acumulados na Saúde, Educação, Meio Ambiente, Conselho Nacional da Amazônia Legal, Justiça, Família e Direitos Humanos, Funai, IBAMA, Anvisa? Essa é a única abordagem possível do Brasil pós-eleição e pré-governo Lula. Até porque, na velha mídia empresarial, o que não falta são colunistas que mais parecem personagens brasileiros de filmes norte-americanos, tirados não sabemos de onde, e preocupados com o penteado de Janja ou o jatinho com o qual Lula viajou para a COP-27 no Egito – evento esse, inclusive, que deveria discutir os verdadeiros dilemas da humanidade e assim ser tratado pelos que se dizem baluartes da liberdade de imprensa e do bom jornalismo.

Logo, caros leitores e colegas, a hora é de chutar cachorro morto. Extirpar Bolsonaro, o bolsonarismo e tudo o que cheire a fascismo da sociedade e da vida política brasileira. Temos de aproveitar para gritar “nunca mais” aos quatro ventos, cobrar a punição exemplar e ir atrás de todos os membros do clã familiar, dos ministros “técnicos”, como o delinquente ambiental Ricardo Salles, que agora deve compor com o governador carioca de São Paulo, outra herança do bolsonarismo. Assim como de generais como Mourão e Pazuello, entre tantos outros, que armaram um verdadeiro salseiro na Amazônia e na Saúde, respectiva e entrelaçadamente. Não podemos mais dar chances para o azar. Cobremos punição exemplar!

Lá em 2026, o povo brasileiro, um dos que mais trabalha - e sob péssimas condições, com uma das piores e mais retrógradas classes de patrões do planeta, como atestaram os inúmeros crimes eleitorais cometidos pelos chefetes - não merece reviver a encruzilhada de 2022, sobretudo sem um líder aglutinador como Lula, que já declarou que não tentará a reeleição. Precisamos abrir caminhos para que cheguemos a 2026 em um cenário que coloque embates do tipo Geraldo Alckmin e Simone Tebet para a sucessão presidencial, ladeados por algo como Flavio Dino, Marina Silva e algum salame do mercado financeiro como terceiras vias. Além, é claro, de ver reconstituída uma possível candidatura socialista, de uma esquerda mais ideológica – mas sem os arroubos aldo-rebelistas e de seus amigos fanzocas do ditador Vladimir Putin, da Rússia, que mais parecem com o integralismo do que com o socialismo. É necessário ter no horizonte um mundo melhor – e lutar por ele -, não um estado de permanente equilibrismo entre o alívio temporário e o abismo eterno.

COP-27 está em plena atividade, e discutindo porcamente questões que se apresentam, como dito anteriormente, como dilemas para a humanidade. Como iremos resgatar a biodiversidade e o bom funcionamento dos biomas e do planeta, o único que conhecemos com condições de nos abrigar? Parece algo pouco relevante no dia a dia filtrado pelo algoritmo. Somos obrigados a ver diariamente um “tuíte” de um tal general Hamilton Mourão que, na internet, já é senador, enquanto no mundo real ainda é o vice-presidente de Bolsonaro e muito bem remunerado líder do Conselho Nacional da Amazônia Legal. Ao invés de deixar barato para o general questionar o jatinho que Lula usou para ir ao Egito, devemos perguntar o que afinal de contas foi feito com os 550 milhões de reais (por fora do sacrossanto teto de gastos!) que supostamente financiaram a passagem de 3 mil militares pela Amazônia, ao mesmo tempo em que a devastação do bioma avançou a galope desde a invenção deste órgão. Caberia indagar por que Mourão, que ainda faz parte do poder executivo nacional, não tomou um jatinho e foi ao Egito explicar a contribuição do governo do qual fez parte em favor da preservação ambiental e respeito a modos diversos de vida.

Se não falássemos do jatinho ou da roupa que Janja está usando no Egito, poderíamos estar repassando todos os crimes ambientais cometidos nesses últimos quatro anos e que seguem em curso apesar dos resultados eleitorais e da suposta depressão presidencial. Entreguem o Rivotril no Planalto, por favor! Querem que façamos o quê? Não somos psicólogos. Vai ficar com esse mimimi até quando?

Agora é hora de contar ao Brasil e ao mundo como Ricardo Salles, um verdadeiro delinquente ambiental, com farto material jornalístico e investigativo publicado a respeito das suas relações com o tráfico de madeira, tornou-se Ministro do Meio Ambiente, e ainda por cima com a política declarada de “aproveitar a pandemia para fazer passar a boiada”. Tudo isso depois de já condenado na justiça de São Paulo por grilagem de terras. Ou como seu sucessor, que ninguém mais sabe o nome, mas se chama Joaquim Álvaro Pereira Leite, quer subtrair trechos da Terra Indígena do Jaraguá, em São Paulo, a partir de uma reivindicação familiar hereditária. Não podemos dar trégua, é preciso sair da idade média tardia que vivemos.

Realmente, até para levantar a bola de Lula é importante apontar essas questões negligenciadas pelos algoritmos do Google e de outras big techs que atualmente substituíram as reuniões de pauta em todo tipo de imprensa. É preciso explicar que Lula e Marina Silva foram convidados como representantes de fato do Brasil na Conferência do Clima sem nem sequer tomarem posse, justamente pelo completo absurdo que foram os últimos quatro anos, quando tivemos protofascistas, terraplanistas e criminosos de toda estirpe à frente do país. Não foi por ideias vagas de “democracia” e “serviço público” que o mundo inteiro se juntou à campanha de Lula. Foi justamente pela questão ambiental. O mundo não está preocupado se o Brasil é isto ou aquilo, se as instituições funcionam ou se Alexandre de Moraes é um bom jurista, mas com a própria sobrevivência física deste mundo, o que inclui o Brasil, por supuesto.

Então, a hora é de chutar cachorro morto, arrancar a cabeça da serpente, pendurar em cima do poste, mandar de volta pro esgoto. Ainda que descrente em relação a tribunais holandeses etc. e tal, que vá para Haia também, só pela dor de cabeça. Bolsonaro não é um covarde, nem um coitado, nem alguém que mereça qualquer compaixão. Ele não está trancado em um quarto chorando como seus aliados ou até debochados membros do governo de transição querem fazer crer. Ele é um criminoso que gozou de mais de 30 anos de foro privilegiado e, quando alçado ao posto máximo de uma República continental, deixou de ser um falastrão ladrão de galinha para promover a total rapina, destruição e morte para mais de 200 milhões de pessoas, muitas delas enganadas pelo seu canto de sereia que vocifera contra comunistas imaginários. Temos que nos recusar a tratá-lo como um ser humano digno de respeito, coisa que não é, jamais será.

BASTA!

Revogar toda a barbárie institucionalizada é questão inevitável na viabilização de um governo de fato democrático – e democratizante, se entendemos o Estado como um ente que deve se obrigar a promover a cidadania de todos e a redução das assimetrias social e economicamente estruturadas. Só no meio ambiente, para falar no ponto central da construção de um futuro respirável, há quem diga haver mais de 400 decretos, portarias e normativas internas que desconstruíram todas as décadas anteriores de políticas públicas.

Desmilitarizar um Estado que amplificou sua verve historicamente genocida é outra tarefa urgentíssima. Essa é a resposta óbvia para aquela matéria que andou perguntando o que fazer com os 6 mil milicos que foram parasitar funções alheias e acumular salários à margem, se não da legalidade, da moralidade, como um certo general chegou a admitir em público. E quem sabe convencer o exército brasileiro, agora incontestável antro ideológico fascistoide, a fazer o favor, se podemos dizer assim, de exercer suas funções constitucionalmente definidas. Exemplos: vigiar incursões ilegais pelo território nacional para evitar pilhagens de recursos naturais ou monitorar o mercado de armas e o cadastro nacional de seus portadores.

Sanear os debates públicos. Mantenhamos o alerta. A guerra comunicacional foi chave na condução dos grandes debates eleitorais e neutralização do maior uso da máquina pública em época de eleição da história. Precisamos continuar a pautar o cotidiano, dizer o que falta fazer, falar das necessidades reais das pessoas, confrontar as teses fraudulentas do mercado – e de seus capachos midiáticos – todo santo dia, afirmar as políticas públicas capazes de conectar democracia com inclusão social e dignidade nacional. E lutar com todas as forças para que nunca mais tenhamos de ver o bolsonarismo ou seus tumores no comando de nossas vidas.

Gabriel Brito e Raphael Sanz são jornalistas e editores do Correio da Cidadania.

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