A serviço da vida

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D. Demétrio Valentini
29/02/2008

 

A Campanha da Fraternidade deste ano, com a riqueza do seu tema, pode até suscitar opiniões diferentes. Mas precisa se constituir em claro apelo em favor da vida. Diante da vida ameaçada, é indispensável redobrar o empenho de todos em sua defesa.

 

De novo se apresenta o desafio. Como fazer para que todos aportem sua colaboração em benefício da vida: a família, a sociedade, o Estado, a ciência, afinal, todas as instâncias da realidade. Como empreender um mutirão coletivo em favor da vida, na sua complexidade já lembrada, mas, sobretudo, na sua realização humana.

 

As discussões, sempre válidas e salutares quando feitas com serenidade e responsabilidade, não podem produzir animosidades que acabam prejudicando a causa da vida. Esta causa deve produzir convergências práticas, não divergências ou rupturas estéreis.

 

Nossas convicções, por mais arraigadas que sejam, não podem inibir a atuação do Estado em favor da vida, através de suas políticas públicas, nem afugentar a ciência com os grandes benefícios que ela pode canalizar em favor da vida humana.

 

É notória a contribuição da ciência. Basta conferir um dado evidente, que passa muitas vezes desapercebido. A humanidade demorou milênios para chegar a um bilhão de habitantes, no início do século 19. Mas, nos últimos 200 anos, passamos de um bilhão para sete bilhões de seres humanos vivos neste planeta. Salta aos olhos quanto isto se deve à contribuição da ciência, que possibilitou acabar com epidemias que dizimavam multidões, e forneceu medicamentos que evitam doenças e prolongam a vida.

 

Pois bem, se os cientistas colaboraram tanto com a vida humana, deveriam ser mais ouvidos agora, quando se apresentam tantas questões de ordem ética sobre a existência humana. Inclusive para equacionar de maneira responsável o desafio de moderar o crescimento populacional do planeta, que tem seus limites, que servem de referências indispensáveis para o discernimento ético dos comportamentos cotidianos que possuem incidências sobre a vida humana.

 

De maneira semelhante, mesmo mantendo inarredável nossa convicção sobre a continuidade do processo da vida humana desde a sua concepção até a sua morte natural, de onde decorre a clara posição contra o aborto e a eutanásia, isto não pode inibir o Estado de formular políticas públicas que contemplem todo o espectro de situações humanas, mesmo as mais dramáticas, como é o caso de mulheres grávidas que não se sentem em condições de assumir as responsabilidades decorrentes do futuro nascimento do seu filho. Em situações assim, não basta clamar que somos contra o aborto, e condenar a mulher que se encontra nesta situação. É preciso fazer todo o possível para ir ao encontro da mulher que vive este drama, para ver em que medida é possível socorrê-la para que se sinta amparada e em condições de assumir sua gravidez e levá-la a bom termo.

 

A experiência mostra que em situações assim, na maioria das vezes, não é o Estado que ajuda, nem a Igreja que socorre, nem outras instituições que comparecem, mas é a solidariedade espontânea dos pobres, sobretudo de mulheres, que realizam o prodígio de criar o ambiente de serenidade, de confiança, de entre ajuda, de apoio, que possibilita à gestante retomar ânimo e se sentir acolhida, junto com o filho que traz em seu ventre. Os pobres acolhem a vida e sabem valorizá-la.

 

Mas o Estado também pode se fazer presente, com medidas sábias e oportunas, que podem ser consignadas em lei. Como exemplo, serve a conhecida lei do "parto anônimo", votada na França no final da segunda guerra mundial, e vigente até hoje. Quando uma mulher se sente grávida, mas pensa não ter condições de assumir o filho, pode pedir sigilosamente a ajuda do Estado, que lhe garante todas as condições para ela dar à luz o filho, que depois será encaminhado para adoção. Segundo estatísticas recentes, são centenas de crianças cada ano, que nascem nestas condições, e têm garantida sua perspectiva de vida.

 

Pois bem, a fragilidade da vida revela melhor seu encanto e suscita espontaneamente apoio e solidariedade. Até o leão feroz se detém diante da criança inocente. Que nos deixemos contagiar pela ternura da vida, para colocar-nos a serviço de sua realização humana e divina.

D. Demétrio Valentini é bispo de Jales.

 

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