Correio da Cidadania

Cidadania rural: chamem Las Casas, Joaquim Nabuco e Ulisses Guimarães

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Para fazer a defesa dos índios no atual momento brasileiro é melhor ressuscitar o jesuíta Bartolomeu de Las Casas. Para defender os negros é melhor ressuscitar Zumbi e os abolicionistas como Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e Castro Alves. Para defender os trabalhadores urbanos é melhor ressuscitar Getúlio. Para defender os trabalhadores rurais de Nilson Leitão é melhor chamar Ulisses Guimarães e os constituintes de 1988. Nós, os de hoje, não temos condições morais e nem a habilidade política de fazer frente à onda devastadora da cidadania brasileira.  

Quando Getúlio criou a CLT, os trabalhadores rurais ficaram de fora. Sua legislação era para os urbanos. Com pequenos avanços pontuais, a cidadania rural só chegou com a Constituinte de 1988. Ali os rurais foram reconhecidos em todos os direitos dos demais, incluindo os pescadores como trabalhadores rurais.

Está nos jornais uma proposta do deputado Nilson Leitão (PSDB) que não só suprime os direitos dos rurais como propõe que eles sejam remunerados por “outras espécies”, que não o dinheiro. Pode ser comida, casa ou outra moeda. O velho “cambão” dos coronéis do Nordeste. Além disso, propõe jornada de 12 horas por dia, sendo que a sequência poderia chegar a 18 dias. Horror, horror, horror! Até FHC o chamou de louco. Mas ele sabe muito bem o que faz.
 
Como dizia Castro Alves diante de um Navio Negreiro: “Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade...Tanto horror perante os céus?!”


 
A obrigação de contribuir mensalmente para um dia conseguir a aposentadoria é outro nó que só pessoas longe dessa realidade podem propor, ou por pura maldade mesmo. Qual família de agricultores, com 4 ou 5 pessoas, pode desembolsar cerca de 300 reais mensais – 50 reais por pessoa - para um dia aposentar toda sua família?

Embora Frei Sérgio Gorgen já tenha feito uma denúncia minuciosa da crueldade humana embutida na mudança previdenciária e trabalhista dos rurais, vale lembrar que a aposentadoria deles também foi uma conquista da Constituinte de 1988. Ela ajudou a dar um mínimo de estabilidade no campo. As pessoas não precisavam mais migrar para as periferias para alcançar esse benefício.

Muita gente permanece no campo hoje por ver ali um ambiente de vida e um futuro melhor que na cidade, particularmente no Semiárido Brasileiro, a região brasileira mais ruralizada.

Portanto, a destruição dos direitos dos rurais impacta não só o campo, a produção de comida dos agricultores familiares, mas também as cidades e a produção dos alimentos de nossa cesta básica, 70% produzidos por essas pessoas.

Uma das piores consequências será a retomada da migração para as cidades e suas periferias, atirando essa população nos braços do tráfico, do crime organizado, da insalubridade e da miséria.

Se alguém – como eu – achava que o Brasil estava se tornando um país civilizado, agora é melhor colocar um ponto de interrogação no nosso futuro.


Roberto Malvezzi é agente pastoral na região do Semiárido.
 

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