Correio da Cidadania

Atrocidades e falácias na Previdência: idade, contribuição e parâmetros internacionais

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A contrarreforma previdenciária solicitada pelo Fórum Nacional ao governo Temer, e por este ao Congresso, tem como eixo principal o condicionamento da aposentadoria a 300 meses de contribuição efetiva e à idade mínima de 65 anos. Se for aprovada:

1)    Acabará a aposentadoria aos 35 anos de contribuição (ficta ou real) para homens e 30 para mulheres, hoje independente de idade no INSS e acessível a partir dos 60 (h) e 55 (m) anos no serviço público.

2)    A aposentadoria por idade só será possível aos 65 anos, aumento de 5 anos para as mulheres da cidade e os homens do campo (que hoje se aposentam aos 60) e 10 para as mulheres do campo (que hoje se aposentam aos 55).

3)    A quantidade mínima de contribuições efetivas para se aposentar passará para das atuais 180 (equivalentes a um mínimo de 15 anos, caso o trabalhador não deixe de contribuir um mês sequer) para 300 (equivalentes a 25 anos nas mesmas condições).

O assalariado do Bank of America Henrique Meirelles, que assina, como ministro da Fazenda, a exposição de motivos da proposta alega a “mudança das características demográficas do Brasil” e a necessidade de “convergência dos critérios previdenciários brasileiros para os padrões internacionais”. Segundo ele:

1)    “a expectativa de sobrevida da população com 65 anos, que era de 12 anos em 1980, aumentou para 18,4 anos em 2015. Nesse sentido, a idade mínima de aposentadoria no Brasil já deveria ter sido atualizada”.

Essa é uma correlação espúria. A definição da idade adequada de aposentadoria, se existir uma, deve se reportar às condições de saúde da população e ao tipo de trabalho disponível em cada país, não simplesmente à duração da vida.

Como mostra o auditor-fiscal da Controladoria Geral da União (CGU) Marcelo Perrucci em artigo no portal Trendr (1), existe um indicador chamado Fator Hale (Health Adjusted Life Expectancy, Expectativa de Vida Ponderada pela Saúde) que mede a expectativa não de mera sobrevivência, mas de uma vida satisfatória. No Brasil, a expectativa de vida é de 75,5 anos (dado do IBGE para 2015), mas, ajustada pelo Fator Hale, se reduz a 65,5.

O próprio Perrucci se equivoca, porém, ao concluir, com base nesse indicador, que uma idade mínima de 60 anos, em lugar dos 65 propostos, seria adequada à realidade brasileira. O Fator Hale é uma média que incide sobre outra (a expectativa de vida). E médias só servem de parâmetro em sociedades com certa homogeneidade de condições.

 

No Brasil, vale o aforismo de que alguém com a cabeça no congelador e os pés no forno (ou vice-versa) está sujeito a uma temperatura média bastante amena e agradável.

Em artigo no portal Medium (2), o geógrafo Sandro Valeriano mostra que a diferença de expectativa de vida entre distritos da cidade de São Paulo supera os 25 anos (51,21 no Jardim Ângela, 76,83 no Itaim Bibi).

Para justificar os 65 anos, o secretário de Previdência de Meirelles, Marcelo Caetano, alega que importa menos a média de vida da população em geral que a projeção de sobrevida para quem atinge uma determinada idade. Por isso e porque os bairros pobres são cenário de um morticínio de jovens que poderia puxar a média para baixo sem refletir a realidade de quem chega à idade madura, cabe analisar também a distribuição dos óbitos por faixa etária.

Valeriano mostra que, enquanto no Alto de Pinheiros as mortes após os 75 anos (70%) superam o dobro daquelas entre os 45 e os 74 (29%), no Capão Redondo a proporção quase se inverte: 48% das pessoas morrem entre 45 e 74 anos (28% antes dos 64) e só 26% após os 75.

Dos 96 distritos São Paulo, a expectativa de vida, conforme os dados do geógrafo, é inferior a 60 anos em 28; entre 60,1 e 65 em 25; de 65,1 e 70 em 17; e superior a 70 anos em 26. Não há como instituir idade mínima num país assim.

2)    “a idade média de aposentadoria para homens no Brasil é de 59,4 anos enquanto a média nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE é de 64,6 anos”.

A OCDE é uma associação de países ricos: EUA, Japão, Canadá, Israel, Austrália e Nova Zelândia; toda a Europa, exceto alguns países oriundos das cisões soviética e iugoslava; mais Chile, Coreia do Sul e México (estes as exceções, junto com alguns Estados europeus mais pobres). O Brasil não a integra.

Comparar-nos a esses países, como fazem Meirelles e Caetano, só é útil para mostrar a atrocidade da contrarreforma. Eles querem impor ao Brasil uma idade mínima (65 anos) maior que a média da OCDE (64,6).

E como médias se compõem de números mais altos e outros mais baixos, esse mesmo dado mostra a falsidade da afirmativa de que a “convergência dos critérios previdenciários brasileiros para os padrões internacionais” se daria aos 65 anos.

Falsidade que se prova, aqui, com remissões aos sites oficiais dos órgãos previdenciários de países mencionados na exposição de motivos. Meirelles diz que a idade mínima é 66 anos nos EUA e 65 na França, Japão e México.


Na verdade, os EUA adotam o piso de 62 anos (3) e a França o de 60, em elevação gradual para 62 (4). No México (único membro da OCDE realisticamente comparável ao Brasil), a aposentadoria por idade para quem está sem trabalho é aos 60 anos para ambos os sexos (5), e quem tem 24 anos de contribuição pode se aposentar independentemente da idade (6).

Não bastasse, Meirelles e Caetano omitem que países nos quais a exigência etária é mais rígida compensam isso com requisitos contributivos muito atenuados.

A Alemanha, onde a expectativa de vida supera os 80 anos e se exigem, hoje, 65 para aposentadoria por idade (elevação gradual para 67 em 2029), não pede a seus trabalhadores mais que cinco de contribuição real ou ficta (situações como a criação de filhos são equiparadas por lei ao pagamento efetivo) (7).

Portugal, sob cerco das instituições europeias que servem ao grande capital alemão, exige 66 anos e chegará aos 67 em 2021. Sua exigência contributiva é de 15 anos, mas bastam quatro meses de contribuição num ano para que ele seja computado integralmente (8).

Além de dissociada da realidade epidemiológica e laboral brasileira, a combinação de 65 anos de idade e 300 contribuições efetivas que se busca impor aqui está, portanto, baseada em dados falsos e omissões deliberadas.

Notas:



1)  https://trendr.com.br/o-que-n%C3%A3o-te-contaram-sobre-a-reforma-da-previd%C3%AAncia-18ba4d34c23a#.1oqzpbr6g 

2) https://medium.com/@sandrovaleriano/reforma-da-previd%C3%AAncia-trabalhar-at%C3%A9-morrer-65fc52971ec2#.q6pq9nb3x 

3) https://www.ssa.gov/retire/ 

4) http://www.cleiss.fr/docs/regimes/regime_france/pt_3.html 

5) http://www.imss.gob.mx/tramites/imss01002 

6) http://www.imss.gob.mx/tramites/imss01018 

7) http://www.brasil.diplo.de/contentblob/4195984/Daten/4137522/Broschre_Arbeiten_in_Deutschland_u_Brasilienpt.pdf 

8) http://www.seg-social.pt/pensao-de-velhice



Henrique Júdice Magalhães é jornalista, ex-servidor do INSS e pesquisador independente em Seguridade Social. Porto Alegre (RS).

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